domingo, 30 de janeiro de 2011

Xisto e granito

As fotos da casa onde foi preso o Pistoria, residência, em 1939, de José Maria Rodrigues e Maria de Jesus Carvalho, merecem-nos um outro olhar, na perspetiva da arte de construir.
São Vicente situa-se em vale xistoso. Bastava escavar no chão e arranjava-se pedra para uma casa. Mas era uma pedra pequena e mole e, assim, para as partes mestras da construção (aberturas e esquinas) ia-se à serra, a cortar e a aparelhar o granito, trazido depois em carros de bois.
Por baixo das janelas, colocavam-se pedras de granito, com apenas 1/4 da espessura da parede (cerca de 20 cm), a fim de permitir que as pessoas estivessem à janela (se a parede ali tivesse a mesma largura, as pessoas mal conseguiam chegar com a cabeça ao exterior). É por esta razão que a janela da primeira imagem tem mais pedras de granito na parte inferior do que nas outras partes envolventes.


O lado da empena, virado a sul. Janela da sala. Na época, a janela era de madeira e de guilhotina.


A porta principal de entrada na casa (dava para a sala), virada a oeste. À esquerda, um curral. O antigo telhado era de telha lusa e a porta de madeira.


A porta de serviço (no corredor que levava à cozinha), virada a este. A antiga porta era de madeira.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Eleições Presidenciais


Apresentam-se os resultados da freguesia de São Vicente da Beira, seguidos das percentagens do concelho (Castelo Branco) e do todo nacional.

Cavaco Silva: 61,55% (437 votos); 50,41%; 52,95%
Manual Alegre: 18,31 (130 votos); 24,57%; 19,76%
Fernando Nobre: 10% (71 votos); 14,39%; 14,1%
José Coelho: 4,37% (31 votos); 4,3%; 4,49%
Francisco Lopes: 3,94% (28 votos); 4,91%; 7,14%
Defensor Moura: 1,83% (13 votos); 1,42%; 1,57%

Votos Brancos: 2,55% (19 votos); 4,8%; 4,26%
Votos Nulos: 2,28% (17 votos); 2,43%; 1,93%

Votantes: 47,97% (741 votantes); 46,55%; 46,52%

Fonte:
Comissão Nacional de Eleições
http://www.presidenciais.mj.pt/index.html

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O livro da Filarmónica



Como noticiei na altura, a Sociedade Filarmónica Vicentina encerrou as comemorações do seu Centenário, com um concerto e o lançamento de um livro, na Igreja Matriz, dia 26 de dezembro, domingo.
De acordo com a sua ficha técnica, não posso transcrever partes do livro ou mostrar imagens, sem uma autorização escrita. Como não a tenho, aqui deixo o que é possível. E sobretudo o apelo para que todos os vicentinos comprem este livro, pois vale a pena e estamos a ajudar a nossa banda.


Ficha Técnica

Título:
Sociedade Filarmónica Vicentina 1910-2010
Um Século de Cultura, Um Século de História

Autor: António José da Conceição (Tó Sabino)

Edição: Sociedade Filarmónica Vicentina

Ano: 2010

Fotografias: Arquivo do GEGA, Tó Sabino, João Paulino, Pedro Gama Inácio, Rui Pedro e Dário Inês

Preço: 10 euros

sábado, 22 de janeiro de 2011

Mais do Pistotira

O tempo
Luís Rodrigues, o menino que correu atrás da mãe e viu o Pistotira ser preso em casa do irmão Zé Maria, fez 79 anos há poucos dias e disse-me que, naquela época, tinha 7 anos. Assim, esta história terá ocorrido cerca de 1939.

O espaço
A história desenrolou-se na Barroca, na Tapada de Dona Úrsula e na Praça: taberna do Arrebotes e antiga Câmara.
A Barroca situa-se acima da Lajes, junto à laje e presa do Paço. Nesse local, o vale afunila e existem muitas captações de águas, em minas e represas (presas), para regadia.
Na altura, só existia uma habitação, na Tapada da Dona Úrsula. A partir de meados do século, foram construídas mais três: uma de Manuel Candeias e Carlota Prata, outra de José Candeias e Estela Prata e uma terceira de António Teodoro e Maria da Luz Prata, os meus pais.
A taberna do Arrebotes situava-se na casa números 26 e 28 da Rua do Beco. Mas não era do João Jerónimo, por alcunha dos Arrebotes, mas sim dos pais da mulher dele, Maria de Deus. Como o João dos Arrebotes também lá vivia e trabalhava, o povo dizia que era a taberna do Arrebotes. Anos mais tarde, o João Jerónimo e a Maria de Deus viveram e exploraram uma taberna na Rua da Igreja, onde os conheci, nos anos 60.
A prisão do Pistotira na antiga Câmara terá sido uma das últimas utilidades do edifício, antes de ser adaptado a Escola Primária, obras que se realizaram pouco tempo depois. A lareira, numa sala ao fundo do corredor, já existia desde o tempo em que ali funcionava a Câmara. Havia uma latada encostada ao edifício, do lado do Largo Hipólito Raposo, onde hoje se situa a sede da Junta de Freguesia e na altura funcionava a Regedoria.


Legenda: 1 - Barroca; 2 - Tapada da Dona Úrsula; 3 - Praça (taberna do Arrebotes e Câmara).


A residência do José Maria e da Maria de Jesus, onde o Pistotira pediu para o deixarem aquecer-se. A presa foi, depois, substituída pelo tanque, mas situava-se mais perto da casa.


A entrada da casa, onde o Pistotira foi bater. Na época, tinha uma porta de madeira. A cozinha era à direita. O postigo, na imagem, era o do corredor para a sala, pois o postigo da cozinha fica à direita, do outro lado da casa. Não o fotografei, porque está tapado com silvas.


Esta quelha/vereda sobe na perpendicular à Rua da Cruz. Foi por ela que os homens desceram, com o Pistotira a arrastar. Não está traçada no mapa acima apresentado, do qual apenas consta a outra quelha.


Casa da Rua do Beco, ao lado da Praça, onde era a taberna do Arrebotes. Seria na porta da esquerda, pois a da direita tem a escadaria para o 1.º andar.

As pessoas
Miguel Rodrigues e Ana Prata viviam na Barroca. Ele era sapateiro e ela doméstica, além do cultivo dos leirões abaixo da casa. Tiveram 10 filhos.
O filho João Rodrigues, conhecido por João Coxo, era alfaiate e morava no Largo Francisco Caldeira, na casa e quintal mesmo junto à Fonte Velha. Teve uma taberna nesse local.
O filho José Maria Prata(ou Rodrigues?) casou com Maria de Jesus Carvalho e viviam na Tapada de Dona Úrsula. Na época desta história, tinham três filhos: o João, que veio à porta, o António e José, ainda muito pequeno, a viver atualmente em São Vicente e que me deu estas informações. Tiveram, depois, mais dois filhos, a Maria de Jesus e o Miguel. Cresci junto a eles. O José Maria ia aos quintos para o Alentejo e trazia muita semente como pagamento. Nós comprávamos-lhe trigo e centeio, para mandar moer ao moleiro da Torre.
O filho José Rodrigues namorava a Maria de Jesus Barroso, que vivia com os pais no Cimo de Vila, numa casa da Rua da Cruz, a fazer esquina, pela parte de cima, com a Rua Manuel Simões. Casaram e fixaram residência numa casa mesmo em frente, onde a Maria de Jesus ainda vive, pois o José faleceu muito jovem, deixando os filhos ainda pequenos.
A filha Palmira Rodrigues casou com Joaquim Craveiro. Este foi trabalhar para França, onde a mulher e os filhos se lhe juntaram. Faleceu há pouco tempo, mas a Palmira ainda é viva. O João Maria Rodrigues Craveiro, autor de um dos comentários ao conto "O Pistotira", é filho deste casal.
O filho Luís Rodrigues casou com Tomázia da Conceição e foi sempre lavrador, primeiro com bois e depois com trator e ovelhas. Acabou por comprar a casa do café da Tia Eulália, na Rua do Beco. Explorou o café por uns tempos, mas já o fechou há anos e adaptou o espaço a habitação.
A filha Cecília foi viver para a Covilhã e faleceu há cerca de 6 anos.
O José Pedro, conhecido por Zé Gato, morava ao Cimo de Vila, na casa da esquina da Rua Manuel Lopes com a Rua Manuel Simões. Nos anos 60, ainda ali conheci a sua esposa, já viúva, conhecida por Maria José Gata. Gata porque era a mulher do Gato.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O Pistotira

O vulto negro descia pelo caminho do Cabeço do Pisco. Mal se enxergava*, naquele entardecer enevoado. Chovera sem parar desde que deixara o palheiro onde pernoitou. Acima da barragem, longe das vistas, era o melhor que se podia arranjar, nem sonhar com uma casa quente no Casal da Serra.
Ao fim da tarde, felizmente, estiou*, mas vinha todo encharcado e a noite voltava a cair. Nos eucaliptos, cheirou-lhe a fumo e ficou esperançoso. Andou mais um pouco, sempre a tentar descortinar alguma coisa naquele breu. Desceu para o cruzamento e parou. O cheiro vinha da esquerda, mas não conseguia ver. Subiu pelo outro caminho e um pouco à frente avistou a casa. Tinha de tentar a sorte. Vinha todo molhado e, com a Vila já perto, podia não ter outra oportunidade.
A casa tinha um postigo que dava para o caminho. Era a cozinha, pelo fumo nas frestas das telhas. Chegou à porta e bateu. Veio um garoto.
“Santas noites, meu menino. O teu pai está?”
“O meu pai não está, mas vem já. Ó mãe!”
Apareceu uma mulher, com o candeeiro na mão.
“Boas noites, minha senhora, pela alma dos que lá tem, deixe-me entrar para me enxugar ao lume, estou todo encharcado.”
Silêncio, depois a mulher respondeu, com um aperto na voz:
“O meu homem foi à Vila, mas não demora. Pode vir.”
O estranho entrou e seguiu-a para a cozinha. Pendurou o casaco numa ponta do caniço* e sentou-se no banco. As samarras* molhadas deitavam mais fumo que calor, um lume miserável. Mas desenrascava, que remédio.
A dona da casa veio à rua espreitar a vereda para a Vila, na esperança do homem dela não demorar como nas outras noites. Estava ralada*, com medo, assim, sozinha com os pequenos. O estranho ainda não tirara a mão direita do bolso. E se fosse o Pistotira? Tinham-lhe contado que ele nunca mostrava essa mão, porque a tinha aleijado e o denunciava.
Avistou a cunhada Cecília, de regresso a casa, findo o dia de trabalho, no irmão João. Graças a Deus! Desceu ao seu encontro e segredou-lhe:
“Ó Cecília, tenho um homem em casa, ao lume, e estou cheia de medo que seja o Pistotira, porque tem a mão direita sempre escondida. Por amor de Deus, vai lá chamar o teu irmão.”
“Onde é que ele está?”
“Vai todas as noites para a taberna do Arrebotes, a jogar às cartas.”
A Cecília voltou para trás e chegou num instante à Praça. Entrou na taberna e o irmão lá estava, sentado à mesa, com as cartas na mão.
“Ó Zé Maria, tens o Pistotira em casa. A Jú pediu-me para te vir chamar, porque o homem já está há um bom bocado ao lume e ainda não mostrou a mão direita. Anda depressa.”
“A minha mulher o que quer é mama, o que me quer é em casa, com medo que eu me embebede!”
Não havia nada a fazer, tão cedo não largaria as cartas e os copos. Voltou para a Tapada e encontrou a cunhada cá fora, junto à presa*, a falar baixinho com a Palmira.
“Ele não acreditou. Disse que tu queres é apanhá-lo em casa.”
“Eu vou lá buscá-lo e tu vais para casa, porque a mãe e o pai já estão ralados com a tua demora.”
A Palmira desceu quase a correr para a Vila e chamou à porta da taberna.
“Ó Zé Maria, chega aqui.”
“Isto hoje está animado. Não posso jogar em paz?”
“Olha que é verdade que o Pistotira está na tua casa. Vem depressa!”
“A tua cunhada é uma medricas. O Pistotira é um grande amigo meu, andámos a trabalhar juntos na barragem do Casal da Serra. Foi lá que deu cabo da mão. Ele nunca ia fazer mal à minha família. A Maria de Jesus ouve as histórias que se contam e fica cheia de medo.”
E voltou ao jogo. A Palmira desistiu e subiu a rua, desanimada, sem saber como acudir à cunhada. Por sorte deu com o irmão Zé, a sair da casa da moça.
“Ai Zé, foi Deus que te pôs agora aqui. A nossa cunhada Jú tem um estranho em casa e está cheia de medo, porque desconfia que é o Pistoria. Eu fui chamar o Zé Maria e a Cecília também já lá foi, mas ele não quer vir.”
“Onde é que ele está?”
“No Arrebotes.”
“Vai para casa que eu vou buscá-lo. Há-de vir a bem ou a mal!
O Zé Maria era forte, mas o irmão Zé era ainda mais alto e entroncado. Chegou à taberna e atirou:
“Não és homem, nem és uma trampa.”
“A minha o que tem é medo!”
Um dos parceiros da jogatana, o Zé Pedro, de alcunha o Zé Gato, virou-se para o Zé Maria e disse-lhe:
“Sabes que tens o homem em casa e não vais? Agora vou eu contigo!”
Levantaram-se e saíram, subiram a rua e depois a quelha quase a correr, com os pés a tactear o chão. Ao mesmo tempo, na Barroca, a mãe Ana acabava de ouvir o que se passava da boca da Cecília. Ficou com o coração apertado, por mor da nora e dos netinhos. Pôs o xaile na cabeça e saiu a correr, com um filho atrás, sempre pela vereda estreita da regadia. Os pés descalços do Luís davam topadelas* nas pedras e ele não conseguia acompanhar a mãe. Ela pegou-lhe ao colo, na ânsia de chegar e com medo que ele caísse da vereda do rego para um leirão. Chegaram a casa ao mesmo tempo, da taberna e da Barroca. O Zé Gato deu uma sapatada na porta e entraram de rompante.
“Ó malandro, então estás aqui, hoje?”
“Você conhece-me de algum lado?”
“Eu sei bem quem tu és!”
O estranho ergueu-se do banco e estendeu a mão esquerda ao Zé Gato, mas ele recusou-a. O Zé Maria perguntou-lhe:
“O que estás a fazer na minha casa?”
“A aquecer-me, mas o lume de samarras não aquece.”
O Zé Gato empunhou uma cavaca* que tirou do caniço e sentenciou:
“Daqui já não sais sem ser algemado.”
Era preciso ir chamar o cabo de ordens*, para trazer as algemas, mas o dono da casa discordou:
“A melhor algema é o cinto.”
Ataram-lhe as mãos atrás, nas costas, com outro cinto a apertar o tronco e os braços. Trouxeram-no para a rua e desceram a quelha com ele de costas, a arrastar. O Zé Maria ia à frente, com os pés do Pistotira na cintura, atrás vinha o Zé Gato, a pontapear o bandido sempre que ele tentava levantar a cabeça. Depois da quelha, desceram a rua até à Praça.
As pessoas vinham às portas ver que alarido era aquele e seguiam o cortejo, desejosas de verem mais. Na Praça, já havia um ajuntamento, pela notícia da saída dos homens da taberna, para irem buscar o Pistotira. O cabo de ordens chegou, levaram o bandido pelo balcão da Câmara acima e deixaram-no no chão do corredor. Revistaram-no: uma pistola descarregada e várias sovelas*, o suficiente para tirar o pio a uma criatura de Deus. As algemas substituíram os cintos, por serem mais conformes com a lei.
Os homens mandaram vir um garrafão de vinho e foram para a sala do lume a festejar. Era obra apanhar um criminoso daqueles, ladrão e matador como poucos. Vinham mulheres a dar fé do bandido e a elas pediu ele uma manta para se resguardar do frio da noite, pois estava muito dorido e enregelado. O cabo de ordens autorizou e deu-lhes um cobertor que por ali havia, agasalho dos que costumavam lá passar a noite, a olhar por algum preso, quando calhava.
Pouco a pouco, a Câmara sossegou. Os curiosos voltaram a suas casas e a porta foi fechada à chave. Os homens continuavam na sala da lareira, a conversar e a virar copos. De manhã, os cabos de ordens tinham de ir levar o preso para Castelo Branco. A pé até ao apeadeiro da Soalheira e depois no comboio.
O Pistotira achou-se sozinho e começou magicar na maneira de sair dali. Sorte o cabo de ordens ter substituído os cintos pelas algemas. Quase metade da palma da mão aleijada ficara-lhe naquela maldita rebentação das obras na barragem. Com um pequeno esforço, tirou a mão da algema e ficou livre. Agora, por onde sair? Pela porta, impossível. No fundo do corredor, os homens aqueciam-se ao lume, de porta aberta, mas já quase esquecidos dele. Rastejou para fora do cobertor, fez-lhe uns altos para simular um corpo e colocou-se a uma das portas da esquerda. Esperou, os homens continuavam entretidos. Abriu a porta e atravessou a sala até à janela, que se adivinhava por uma ténue claridade na parede. Abriu a janela e sorriu, não era preciso saltar para a rua de tão alto, pois havia uma latada. Alçou-se para fora, pendurou-se nas varas e saltou para o chão. O tombo foi curto e depois correu pela rua abaixo. Ao fundo, galgou um muro. Sempre a correr, entre oliveiras, a saltar paredes de leirões, só parou quando o coração lhe queria saltar pela boca e a distância percorrida já lhe dava tranquilidade. Deixou-se cair no chão, ofegante. Chegou-lhe o toque dos sinos a rebate e teve de voltar a correr. Seguiu um caminho, meteu-se na água da ribeira e continuou, encosta acima, até penetrar bem fundo num pinhal. Atirou-se para o chão e descansou. Mas o corpo começou a gelar e teve de erguer-se e caminhar.
Andou como um bicho, acossado pelos montes. Dormia em palheiros e passou fome de cão. Ao terceiro dia, encontrou um pastor. Mostrou interesse pelo gado e lamentou-se da sua vida: a infância no Souto da Casa, aquela burrada* de vender algumas cabras do pai e gastar o dinheiro todo, a expulsão do lar paterno, a vida sem eira nem beira, o acidente com dinamite na barragem, a dificuldade de trabalhar com a mão aleijada e muita, muita fome. E os de São Vicente nem o deixaram aquecer-se!
“Eu também já fui pastor e, se o senhor é um pastor verdadeiro, deve trazer consigo uma lima, com que possa cortar-me a algema.”
O outro tinha uma lima e restituiu-lhe a liberdade. Andou por esse mundo e foi ter a Lisboa. Arranjou trabalho no quintal de um casal, a troco de comida, uns trocos e dormida na arrecadação anexa. Era uma vida boa.
Passados uns tempos, os donos deixaram de ser vistos e os vizinhos estranharam.
“Foram visitar uns parentes longe e deixaram-me a tomar conta da casa.”
Mas tardavam. Alguém sentiu mau cheiro, vindo do quintal, e avisou a polícia. Encontraram os corpos enterrados debaixo do loureiro, junto ao tanque.
Esteve preso sete anos, a comer por um cano, com água pelas pernas, na maré cheia. Mas conseguiu partir os grilhões e fugiu a nado. Chegou ao paredão e subiu-o de arrastos, tolhido das pernas. O sol quente, uma coisa tão boa! Passou o barco patrulha e soou um tiro. O corpo rebolou e voltou à água.

Nota: Este conto baseia-se em fatos reais que me foram narrados, oralmente, por Luís Rodrigues, naquela época com 7 anos e que foi com a mãe Ana ver se era verdade que o Pistotira estava em casa do irmão Zé Maria.


Vocabulário:
Burrada - Asneira, erro.
Cabo de ordens - Homem com funções de policiamento, subordinado ao regedor.
Caniço - Estrutura formada por varas finas e juntas, colocada por cima do lume, para secar as castanhas lá espalhadas.
Cavaca - Pedaço de madeira resultante de um tronco rachado(cortado pelo interior) em partes.
Enxergar - Ver.
Estiar - Parar de chover.
Ralada - Preocupada.
Presa - Maneira local de dizer represa. Em geral, tratava-se de uma construção no leito de um ribeiro, destinada a prender e acumular a água. Também de fazia no local de uma nascente, à maneira dos atuais tanques, para acumular a água que ali emergia. No caso deste conto, a presa, em forma de tanque, mas de terra e pedra, detinava-se a acumular as águas que vinham das regadias da Barroca, para regar noutra hora e sobretudo para aproveitar os restos, as corredouras, que já não davam para regar. Também acumulava as águas das chuvas.
Samarras - Cascas secas dos eucaliptos.
Sovela - Instrumento com que os sapateiros e os correeiros abrem os furos no cabedal. É formado por um arame encabado e afiado, com cerca de 13 centímetros de comprimento (cabo e arame).
Topadelas - Choque dos dedos descalços dos pés, nas pedras do caminho, de que resultavam feridas, quase sempre.

domingo, 9 de janeiro de 2011

História da Filarmónica

A Sociedade Filarmónica Vicentina encerrou as festas do seu centenário, com um concerto e o lançamento de um livro e um DVD, na Igreja Matriz, a 26 de Dezembro, como noticiei aqui, nos Enxidros.
O Tó Sabino colocou, no Youtube, uma amostra do DVD, que vos deixo, para vosso deleite.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Albano Mendes de Matos


Albano Mendes de Matos é natural do Casal da Serra e vive em Oeiras.
Antropólogo de formação, este investigador fez uma vasta recolha das tradições da sua terra natal que são comuns a toda a nossa freguesia e a outras circunvizinhas.

Desde criança, no Casal, aprendeu a conhecer e a distinguir os cogumelos. Tornou-se um estudioso, um especialista.
De cogumelos conversámos, na última vez em que estivemos juntos, lembrando aqueles castanhos grandes e carnudos que ele ainda há pouco tempo apanhou debaixo de castanheiros, nas Lameiras.
No seu blogue plantifungi.blogspot.com, tem publicado a informação e a documentação que vai reunindo sobre os cogumelos da Gardunha.

Uma outra área do seu trabalho são as lendas da nossa serra que desde garoto ouviu da boca do seu avô José Mendes Junior (1864-1960). A Universidade do Algarve está a publicá-las, no site "lendarium.org/new". Também as podemos pesquisar através do nome Albano Mendes de Matos.

Igualmente realizou recolhas de literatura tradicional popular, no Casal da Serra e outras povoações da Gardunha. Tem vindo a publicá-las, no blogue "literatrad-blogspot.com".

O seu mais recente projeto na Internet é o blogue casaldaserra-varandagardunha.blogspot.com. Nele iniciou a publicação das tradições e histórias do Casal da Serra. Estava para lhe “roubar” e publicar, nos Enxidros, o texto e as fotos sobre a matação. São excelentes. Mas para quê, se os temos no seu blogue?
Recomendo uma visita aos seus blogues. Garanto-vos que vale a pena!

Nota: Aconselho a busca dos endereços sem hiperligação através do Google.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Prata 3

Os avós mais velhos

No seguimento da publicação Prata 2, com registos de batismo e casamento da parte vicentina da família Prata, apresentam-se hoje registos de batismo e casamento da família Prata da Póvoa de Rio de Moinhos e de Alcains.
Segue-se a ordem cronológica, do mais recente para o mais antigo.
Junto de cada registo, faz-se uma síntese, a partir do conteúdo do documento e de outros elementos conhecidos.
Estes são os registos que me foram enviados do Brasil, por Lourval dos Santos Silva, também ele descendente dos Prata que aqui damos a conhecer.


Antonio Prata nasceu a 17 de outubro de 1839, na Póvoa de Rio de Moinhos. Era filho de João Prata, natural da Póvoa e Joaquina do Espirito Santo (ou da Cruz). Os seus avós paternos eram Joze Prata e Victoria Maria e os maternos Antonio Martins, natural da Póvoa, e Luiza da Cruz, natural do Castelejo. Os padrinhos foram Antonio Martins, seu avô e Jozefa da Cruz, sua tia, filha do anterior.



João Prata casou, a 9 de janeiro de 1839, com Joaquina, filha de Antonio Martins Gomes, da Póvoa, e de Luiza da Cruz, do Castelejo. João Prata era filho de Joze Prata e Victoria Maria, todos naturais da Póvoa.



João Prata nasceu a 20 de abril de 1814, na Póvoa de Rio de Moinhos. Era filho de Joze Prata e Vitoria Maria, neto paterno de Thome Goncalves Prata e Domingas Maria e neto materno de Joze Lopes, natural da Lardosa, e Vitoria Pinta.



Joze Prata nasceu a 3 de janeiro de 1788, na Póvoa de Rio de Moinhos. Era filho de Thome Gonçalves Prata e do seu segundo casamento com Domingas Roque. Os avós paternos eram Manoel Gonçalves Prata e Maria Vas Mendonça e os maternos Manoel Roque, natural dos Lentiscais, e Catharina Gaspar, da Póvoa.



Thome Gonçalves Pratta, viúvo de Izabel da Conceiçam, casou, a 10 de março de 1787, com Domingas Roque, filha de Manoel Roque e Catharina Gaspar.



Manoel Gonçalves Pratta casou, a 4 de Fevereiro de 1745, com Maria Vás, filha de Pedro Vás e Maria Mendonça, da Póvoa. Manoel Gonçalves Pratta era filho de Manoel Gonçalves Pratta, natural de Alcains, e de Maria Gaspar, da Póvoa de Rio de Moinhos. Este Manoel Gonçalves Prata era um homem da governança da vila da Póvoa, pois desempenhava funções na administração daquele concelho. Também participou, como louvado (testemunha), no tombo (inventário) dos bens do Conde de São Vicente, em 1768-1782.



Manoel Gonsalves Prata casou a 16 de Janeiro de 1729, com Maria Gaspar, filha de Bras Gonsalves e Maria Martins, ambos naturais da Póvoa de Rio de Moinhos. Os pais do noivo eram Domingos Gonsalves Prata e Anna Rodrigues, ambos naturais de Alcains.



Domingos Gonsalves Prata casou, a 30 de Agosto de 1693, na Igreja de Alcains, com Anna Rodrigues, filha de Manoel Fernandes e Ana Roiz(Rodrigues). O noivo era filho de Manoel Gonsalves Semeão e Maria Martins Prata. É a última pessoa desta genealogia com o apelido Prata, pois os que se seguem são do ramo familiar de Manoel Fernandes.



Manoel Fernandes casou, a 3 de Setembro de 1670, com Anna Roiz, filha de George Roiz e Izabel Goncalves. O noivo era filho de Rodrigues Antunes e Helena Fernandes.
Rodrigo Antunes era filho de Tomás Roiz e Isabel Ferreira.
Tomás Roiz era filho de Rodrigo Tomás e de Beatriz Antunes.
Rodrigues Antunes era ferreiro, na vila de Castelo Branco, e foi preso pela Inquisição, em 1633, sob acusação de prática de judaísmo. O julgamento ocorreu em 1634 e a sentença foi a seguinte:
«Sentença - Abjure publicamente seus heréticos erros em forma e em pena e penitência deles lhe assinam cárcere e hábito a arbítrio dos Inquisidores e será instruído nas coisas da fé necessárias para a salvação da sua alma e cumprirá as mais penas e penitências espirituais que lhe forem impostas e mandam que excomunhão maior em que incorreu seja absoluto in forma ecclesia. (Fonte: Torre do Tombo)»


Nota: Clicar nas imagens, para ler os documentos.

sábado, 1 de janeiro de 2011

2.º Aniversário

E já vão dois, dois anos de vida Dos Enxidros.
Este foi o da consolidação do blogue, pelo menos a nível do seu autor, pois tornaram-se-me mais claros os aspectos em que valia a pena apostar e os que devia abandonar.
Os leitores aumentaram de número, sobretudo de fora da freguesia e até do país, embora dentro também tenha havido uma maior difusão. Em cada semana, mais de 100 pessoas consultam o blogue. O número de comentários publicados é enganador, pois muitos leitores comunicam comigo apenas através do meu endereço electrónico pessoal.
Fazer este “jornal semanal” on-line tornou-se-me quase uma necessidade viciante, embora nem sempre tivesse disponibilidade de tempo e espírito, para publicar trabalhos com o nível de qualidade que se impõe.
Para este novo ano, deixo a garantia da continuação deste contacto semanal convosco e o pedido de uma ainda maior colaboração da vossa parte.
Com os votos de bom Ano Novo, deixo-vos um trecho de uma história minúscula de Eça de Queirós, chamada “A Catástrofe”. Tem mais de cem anos, mas uma enorme actualidade, neste tempo de crise, agravada pelos especuladores mundiais e ampliada por uma comunicação social medíocre.
A mensagem, que só parcialmente pode ser captada neste trecho, aposta em cada português como forma de resolver os problemas do país. A mudança tem de iniciar-se em cada um de nós, para que o país melhore e as elites dos poderes sejam mais competentes e menos corruptas. E assim se concretizarão os votos de bom Ano Novo!

«Os Governos! Podiam ter criado, é certo, mais artilharia, mais ambulâncias; mas o que eles não podiam criar era uma alma enérgica ao País! Tínhamos caído numa indiferença, num cepticismo imbecil, num desdém de toda a ideia, numa repugnância de todo o esforço, numa anulação de toda a vontade... Estávamos caquécticos! O Governo, a Constituição, a própria Carta tão escarnecida, dera-nos tudo o que nos podia dar: uma liberdade ampla. Era ao abrigo dessa liberdade que a Pátria, a massa dos portugueses tinha o dever de tornar o seu País próspero, vivo, forte, digno da independência. O Governo! O País esperava dele aquilo que devia tirar de si mesmo, pedindo ao Governo que fizesse tudo o que lhe competia a ele mesmo fazer!... Queria que o Governo lhe arroteasse as terras, que o Governo criasse a sua indústria, que o Governo escrevesse os seus livros, que o Governo alimentasse os seus filhos, que o Governo erguesse os seus edifícios, que o Governo lhe desse a ideia do seu Deus!
Sempre o Governo! O Governo devia ser o agricultor, o industrial, o comerciante, o filósofo, o sacerdote, o pintor, o arquitecto – tudo! Quando um país abdica assim nas mãos dum governo toda a sua iniciativa, e cruza os braços esperando que a civilização lhe cai feita das secretarias, como a luz lhe vem do Sol, esse país está mal: as almas perdem o vigor, os braços perdem o hábito do trabalho, a consciência perde a regra, o cérebro perde a acção. E como o governo lá está para fazer tudo – o país estira-se ao sol e acomoda-se para dormir. Mas, quando acorda – é como nós acordámos com uma sentinela estrangeira à porta do Arsenal!»

Nota: Para ler a história, na íntegra, clicar no título do livro, em cima.