quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Quem aprende...

Como eu salvei hoje um rebanho de cabras

Acordei de manhã com a boa disposição de quem regressará à noite a São Vicente. Preparei os filhos e as malas e rumámos às escolas. Por ser ainda cedo, alterei a ordem natural das entregas e fui deixar o Tiago primeiro.
Ao chegar à rua da escola, deparámo-nos com um rebanho de cabras à solta, trazendo duas delas as cordas a arrastar no chão. As pessoas que por ali estavam exibiam no rosto a sua máscara de espanto e as crianças olhavam os animais como quem vê os ETS da Gardunha e algumas choravam com medo.
Estavam todos tomados pela apatia que se apossou de quase toda a Humanidade. Como aquela senhora, já de idade, que há tempos ficou muito surpreendida com o meu cumprimento, quando se sentou ao meu lado num banco de jardim. A mesma apatia que impede quase toda a gente de repreender os filhos dos outros quando estes disparatam na ausência dos pais.
Mas, regressando às cabras... Disse ao meu Diogo que agarrasse uma corda e eu agarraria a outra. Ele ainda tentou recusar, mas eu incitei-o a ser valente, posto que os animais são mansinhos e até dão leite. Lá fomos devagarinho, para não as assustar, e depois de estarem em nossa posse era ainda preciso descobrir quem era o dono.
Houve palpites para todos os gostos, que eram do Manel ou do Carlos ou de mais não sei quem...Uma senhora cheia de pressa garantiu-me que pertenciam à Lurdes, que fosse por aquele caminho agrícola e virasse à direita, depois de um bocado encontraria a casa das cabras, onde as poderia fechar.
Fiz-me ao caminho, agarrei nas duas cordas e com o Diogo atrás delas com um pau para as convencer a avançar.  
Chegados ao sítio indicado, numa área de mata deserta de pessoas, deparámo-nos com um palheiro cheio de ovelhas.
- Rais parta o damonho, nesta terra nem sabem distinguir cabras de ovelhas!
Resolvi amarrar as cabras a duas árvores e voltar aos meus afazeres. Ficaram todas contentes a comer folhas dos arbustos.
No caminho de regresso, encontrámos o pastor com o seu cajado. Trazia um sorriso enigmático no rosto. Indiquei-lhe a localização dos animais e segui o meu caminho sem ouvir um bem-haja…
E foi assim que salvei um rebanho de cabras ou atrapalhei a vida de um pastor.

Ana Gramunha

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segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Óbitos, 1800

ÓBITOS
Registos Paroquiais de São Vicente da Beira
1800

 - Aconteceu uma desgraça na Senhora da Orada, em 1800: um filho do ermitão perdeu-se e foi encontrado já morto (ver n.º 7).
 - Neste ano, faleceram 34 pessoas, duas delas meninos gémeos (n.º 33), provavelmente acabados de nascer.
 - Os menores falecidos são 14, que representam 41% do total dos óbitos.
Nota: a maioridade alcançava-se aos 15 anos.
 - Dos 18 adultos falecidos, 11 foram considerados pobres (61%), pois não teriam nada para pagar a cova e o serviço fúnebre à Igreja. Conclusão: mais de metade da população vivia em total pobreza. Aliás, morreu-se mais na primavera, quando os cereais do verão passado já se tinham acabado e por isso os corpos, mal alimentados, não resistiram às maleitas primaveris.
 - Quando morria um homem, registava-se que estava casado com…
Quando morria uma mulher, era a mulher de fulano de tal.
 - Ainda se faziam enterramentos na Igreja da Misericórdia ou no adro entre a Igreja Matriz e a Misericórdia, mas em que a irmandade tinha sepulturas (n.º 14).
 - Todos os enterramentos registados foram realizados em São Vicente.
 - No ano de 1800, nasceram 32 crianças e faleceram 34 pessoas. Saldo fisiológico: -2.

1
Izabel Rodrigues
Naturalidade: Partida
Família: mulher de Joaõ Antunes
Data: 09/01/1800
Nota: pobre

2
João
Naturalidade: São Vicente
Família: filho de Romualdo de Proença e Maria Duarte
Data: 26/01/1800
Nota: solteiro

3
Uma menina
Naturalidade: São Vicente
Família: filha de Domingos Alvez e Tereza de Jesus
Data: 12/03/1800
Nota: batizada pela parteira, por vir em perigo de vida

4
Luis Roque
Naturalidade: Mourelo
Família: casado com Antonia Leitoa
Data: 26/03/1800
Nota: pobre

5
Jozefa (menor)
Naturalidade: Violeiro
Família: filha de Antonio Roiz(Rodrigues) e Inocencia Martins
Data: 27/03/1800

6
Paula Roque
Naturalidade: Violeiro
Família: mulher de Domingos Gonçalves
Data: 31/03/1800

7
Jacinto (menor)
Naturalidade: São Vicente (Senhora da Orada)
Família: filho de Ricardo Joze e Gertrudes Maria
Data: 01/04/1800
Nota: tinha-se perdido e foi encontrado morto

8
Francisca Maria
Naturalidade: São Vicente
Família: mulher de Joze Mendes Carepa
Data: 03/04/1800
Nota: pobre

9
Tereza Jozefa (solteira)
Naturalidade: São Vicente
Família: não indicada (seria adulta)
Data: 05/04/1800
Nota: pobre

10
Maria Roza
Naturalidade: São Vicente
Família: mulher de Joze Vas
Data: 11/04/1800
Nota: pobre

11
Maria da Costa
Naturalidade: São Vicente
Família: mulher de Luis Mendes
Data: 18/04/1800
Notas: pobre; sepultada em cova da Misericórdia, por esmola do provedor

12
Manoel (menor)
Naturalidade: Violeiro
Família: filho de Ivo Joze e Izabel Fernandes
Data: 28/04/1800

13
Joze Roiz
Naturalidade: Paradanta
Família: casado com Maria Nunes
Data: 30/04/1800

14
Maria (menor)
Naturalidade: São Vicente
Família: filha de Caetano Duarte e Maria da Ressurreiçaõ
Data: 30/04/1800

15
Leonor (menor)
Naturalidade: São Vicente
Família: filha de Domingos Pedro e Francisca Maria
Data: 26/05/1800

16
Maria (menor)
Naturalidade: São Vicente
Família: filha de Manoel Lopes e Cicilia Maria
Data: 10/06/1800

17
Maria (menor)
Naturalidade: Vale de Figueiras
Família: filha de Manoel Rodrigues e Maria Nunes
Data: 26/06/1800

18
Ignes Gonçalves
Naturalidade: Partida
Família: Viúva de Antonio Rodrigues
Data: 24/07/1800
Nota: pobre

19
Francisco (menor)
Naturalidade: naturalidade desconhecida, a viver em São Vicente
Família: enjeitado, dado a criar a Anna Luiza, mulher de Joze Barrozo
Data: 05/08/1800

20
Ignes (menor)
Naturalidade: São Vicente
Família: Bernardo Joze Leal e Maria de Saõ Joze
Data: 14/08/1800

21
Joaõ Joze
Naturalidade: São Vicente
Família: casado com Maria Lourença
Data: 15/09/1800

22
Manoel de Almeida
Naturalidade: São Vicente
Família: casado com Tereza de Jesus
Data: 05/10/1800
Nota: pobre

23
Domingos Joze Dias
Naturalidade: São Vicente
Família: viúvo de Maria dos Santos
Data: 12/10/1800

25
Domingos Ferreira
Naturalidade: São Vicente
Família: casado com Maria Jorge
Data: 15/10/1800
Nota: pobre

26
Antonio Roiz(Rodrigues)
Naturalidade: natural das Sarzedas, mas a viver em São Vicente
Família: casado com Maria do Carmo
Data: 03/11/1800
Nota: pobre

27
Joze Caetano de Abrunhoza
Naturalidade: a viver em São Vicente
Família: casado com Caetana Maria
Data: 08/11/1800
Nota: pobre

28
Manoel Roiz(Rodrigues) Francês
Naturalidade: Mourelo
Família: viúvo de Custodia Gonçalves
Data: 10/11/1800

29
Domingos Vas Rapozo
Naturalidade: São Vicente
Família: casado com Ignes Maria
Data: 17/11/1800

30
Anna (menor)
Naturalidade: São Vicente
Família: filha de Joze Caetano e Anna Rita
Data: 28/11/1800

31
Manoel (menor)
Naturalidade: Partida
Família: filho de Joaõ Antunes e Izabel Rodrigues (já defunda)
Data: 13/12/1800
Nota: tinha 12 anos

32
Bonifacio Leitaõ
Naturalidade: Mourelo
Família: casado com Maria Rodrigues
Data: 20/12/1800

33
Domingos e Francisco (menores gémeos)
Naturalidade: São Vicente
Família: Joaõ Bernardo e Francisca Maria
Data: 26/12/1800

José Teodoro Prata

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

IN ILLO TEMPORE

Pela segunda vez e passados trinta e tal anos, estou a roubar o nome ao livro de Trindade Coelho que ele escreveu a contar as suas aventuras quando era estudante em Coimbra.
A primeira vez que usei este título foi quando foi criado o jornal "O Vicentino" em que eu estava mais ou menos encarregue da parte humorística, vá-se lá saber porquê!
Não vou contar porque tendo nós Vicentinos um jornal, "O Pelourinho", nos fomos meter na aventura de publicar um outro jornal. Só essa história, a sua envolvência, dava um livro bem bonito que DEVIA SER ESCRITO.
Vamos então ao "IN ILLO TEMPORE":
No tempo em que o Chico Manha saiu do Seminário sem ter provado as honras cardinalícias, já outros o tinham feito ou estavam para o fazer. Cada um desabelhou para seu lado à procura de vida mas, quando chegavam as férias, aí os tínhamos a todos a matar saudades da família e amigos.
Numa célebre Quaresma húmida e fria, decidimos por bem ir cantar os Martírios. Que bem que nós cantávamos, ou não fossemos nós ex seminaristas.
Lá ensaiamos e, numa noite em que carujava, saímos para a rua a cantar. 
No Fundo de Vila a coisa correu otimamente mas, já no Cimo de Vila,  quando nos deslocávamos silenciosamente para o próximo local onde iriamos cantar, sai-se de lá o Chico com esta:
- Quadragésima nona estação: Nosso Senhor cai num lapacheiro!!!
Claro que nessa noite não se cantou mais nada de jeito, porque era uma risada pegada.
No dia seguinte, a menina Nelita, que morava no Fundo de Vila, diz-me assim:
- Ai Ernesto, vocês ontem cantaram tão bem!
Entretanto, chega a menina Maria de Jesus (Cimo de Vila) que tanta vez me puxou as orelhas, mesmo muito depois de eu casar, e essa foi logo dizendo:
- O que é que aconteceu ontem que cantastes tão mal?

E queria ele ser cardeal, o sacanita!!!


Ernesto  Hipólito

domingo, 20 de outubro de 2013

Gafanhotos ou grilos?

O admirável mundo novo chegou, não em todas as áreas, claro está, mas no que respeita à informação e comunicação é mais que verdade.
Esta história dos gafanhotos, não me passou ao lado. Tive dela conhecimento na nossa Praça virtual que é o blogue dos enxidros e há dois ou três anos fui à Senhora da Orada numa altura que estava deles super povoada. Mesmo a escolher onde por os pés era impossível não pisar uns quantos. E é claro que um gajo criado na serra, não fica insensível ao ver uns bicharocos tão estranhos, que nunca vira ao longo de todos estes anos.




Este ano, o meu sobrinho Bernardo tirou umas fotos magníficas para a minha investigação e que aqui partilho convosco (a do azevinho está já publicada nos enxidros, mas usei-a para mostrar a dimensão do problema) e vai daí, quem não sabe pergunta, se quiser ficar a saber mais do que sabe.
Através dum compadre meu que é investigador no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, a questão foi colocada a um seu colega Professor nos seguintes termos:

As fotos anexas são de uma espécie desconhecida na região, que começou a surgir há meia dúzia de anos e que agora surge ao milhares (milhões) no final da primavera, princípio do verão, na vertente sul da serra da Gardunha, mais concretamente em S. Vicente da Beira, concelho de Castelo Branco.
Há um grande dilema sobre se serão gafanhotos ou grilos, mas são realmente bizarros e não muito parecidos com qualquer das espécies referidas, daí o pedido de ajuda…”

A resposta do especialista veio rápida:

“Trata-se de um tetigonídeo do género Ephippiger. As duas primeiras fotos são de uma fêmea; terceira, de machos. São insectos mais próximos dos grilos (pertencem à mesma subordem, Ensifera) do que dos verdadeiros gafanhotos (pertencem à subordem Caelifera). Em algumas regiões da Beira-alta, chamam-lhes cigarras, mas obviamente estão muito distantes das verdadeiras cigarras que pertencem uma ordem diferente (Hemiptera).
 Já tinha tido notícia em anos anteriores de situações semelhantes, no Norte, não sei se da mesma espécie, uma vez que nunca recebemos exemplares para identificar.”

É obvio que uma resposta destas é só a indicação de uma janela para quem a quiser abrir. E no admirável mundo novo em que vivemos fiz umas perguntas ao dr. Google, que me mandou falar com a dra. Wikipédia (um casal fascinante), e qual não é o meu espanto quando lhes pergunto se já tinham visto algum desses bicharocos que dão pelo nome de Ephippiger e eles me mostraram logo um, que parece que tinham ido buscar à Vila.
Depois veio-me à lembrança o apelo da FAO, Agência das Nações Unidas responsável pela agricultura, a encorajar o consumo de insetos em larga escala para combater o problema da escassez de alimentos, até porque cerca de dois biliões de pessoas no planeta, já têm nos insetos uma base importante da sua alimentação.
Então, surgiu-me a ideia de que talvez seja possível criar uma fileira de negócio do gafanhoto da Gardunha, tipo pastel de Belém, como sugeriu o anterior Ministro da Economia e ganharmos a nossa independência económica. Para isso, na próxima primavera, temos que apanhar uns quantos para eu pedir ao dr. Francisco George, diretor-geral da Saúde, que os mande analisar para apurar se são comestíveis.
Entretanto, estou já a organizar um livro de receitas chinesas, tailandesas e vietnamitas, das mais saborosas que há (segundo eles), para podermos expandir o negócio, para a Europa, África e Ásia.
É um negócio que não precisa de investimentos vultuosos ao princípio. Matéria-prima há com fartura. Umas frigideiras bem grandes, (como as das filhós). Azeite do Sobral, virgem extra. Alecrim, orégãos, malaguetas e outras especiarias… Já me estou a lamber.
Vou falar com o meu querido amigo João Passarasso, que é um rapaz com dinheiro, com muito espaço no quintal da sua nova casa e sobretudo com uma bela visão de futuro.
Estou certo que poderá tornar-se um grande investidor, grande consumidor e um grande divulgador por terras de França.

Não se riam. Isto é paródia, mas não é inverosímil. O futuro o dirá…

Bom apetite a todos. Por enquanto, claro, só para as vossas investigações…

outubro de 2013.

Francisco Barroso

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Maria Albertina

Diz, quem a conheceu, que era bem parecida de cara, mas de corpo, fraca figura: baixita, magrizela, peito quase liso…
Ainda umas semanas antes, logo a seguir à Senhora da Orada, tinha ido a acompanhar o homem que abalava para o quinto, lá para os lados de Alcafozes. Saíram de casa de madrugada, passaram ao lado da Vila, direitos à Oles, Louriçal, e depois sempre em frente, até à Lardosa. Era lá que os esperava o carro de bois que levaria os cestos ou as sacas com os pertences de cada um; os homens seguiriam a pé, cortando caminho, até ao destino. Ela voltou para trás, sozinha.
De regresso a casa, já rente ao sol posto, ainda deu de comer às galinhas, engoliu uma malga de leite da cabra com umas sopas de pão, e foi para a cama (uma enxerga assente em quatro tábuas de pinho, por cima de dois bancos, encostada a um canto da única divisão que servia de sala, quarto e cozinha). Derreada das costas e estranhando a largueza da cama (nunca tivera uma só para ela: desde que se lembrava, em solteira, sempre tinham sido três ou quatro na cama, uns para a cabeceira e outros para os pés; depois de casada, aconchegada pelo seu homem), levou tempo a adormecer.
Enquanto o sono não vinha pensou no filho que ia nascer: seria menino ou menina? Não importava muito, era preciso era que viesse perfeitinho. Imaginou-o já nascido e ela a cuidar dele, como cuidara dos irmãos; mas agora era mãe de verdade e não havia de os deixar andar ranhosos nem berrar de fome. Estes pensamentos trouxeram-lhe à memória a sua própria infância naquela terra perdida entre cabeços e barrocas; só mato e pinheiros à roda.
Não andou na escola porque fazia falta em casa e, como dizia o pai, uma mulher não precisa da escola para nada. Saber ler e escrever só servia para se corresponderem com os cachopos, às escondidas, e sabe-se lá... Para desgraça, já lhes bastava terem nascido mulher.
Ainda criança, e já tomava conta dos irmãos mais pequenos, pouco mais novos que ela. Com pouco tempo para as brincadeiras da infância, cuidava deles como se fossem bonecas, fazendo de conta que era a mãe. O pior era quando eles, com a fome, dor de barriga ou outra maleita qualquer, berravam que nem desalmados, e ela sem saber o que fazer. Às vezes, ao mais novo, calava-o quando lhe enfiava na boca uma “boneca” de farrapos, já encardida, molhada em água com açúcar. Ao outro, dava-lhe uma fatia de pão besuntada de azeite e, às vezes, um bocadinho de açúcar por cima.
Também se lembrou da sova que apanhou quando tinha uns sete anos. Uma das tias mais novas que andava a servir na Covilhã veio a casa no Natal e trouxe uns sapatos que a patroa já não calçava e mandava para a mãe (era muito boazinha, aquela senhora…). Eram uns sapatos de verniz, salto alto e bico afiado, onde só cabiam pés de senhora fina. A mãe, só se os enfiasse nas orelhas porque os pés calejados e habituados às alpercatas (quando não a andar descalços) não lhes entravam dentro. E, mesmo que entrassem, onde é que já se vira, naquela terra, uma mulher de juízo andar com uns sapatos daqueles? Nem para ir à missa prestavam! Ficaram arrumados lá para um canto. Um dia desencantou-os e toca de os experimentar. Que maravilha! Assentavam lindamente nos seus pés de criança. Assumindo o papel de mãe, mas também porque queria mostrar a toda a gente as maravilhas da cidade, calçou os sapatos de salto alto e bico fino, escanchou o irmão mais novo à cintura e aí vai ela! Tinha esperança de encontrar na rua alguma vizinha que olhasse para ela e exclamasse: "Que azadinha que a Albertina vai! Está uma mulher feita, com o filho ao colo! E já tem uns sapatos à moda!" E se visse a Conceição ou a Trindade, cachopas da idade dela? Haviam de se roer de inveja… Mal assomou à soleira da porta e se preparava para descer, desequilibrou-se do alto dos sapatos, voou por cima dos três degraus de pedra e caiu redonda no chão. E o irmão aos berros, por baixo dela. Esfolou-se toda, mas o pior foi o menino que ficou com um galo enorme na cabeça; ainda por cima, à medida que a noite se avizinhava, o raio do galo ia crescendo e ficando mais negro. Ai dela, quando a mãe chegasse a casa! 
Nesse tempo o pai trabalhava nos pinheiros; ora colhia resina, ora cortava lenha para o comboio que vinha de Lisboa e passava na Soalheira, a caminho da Guarda. A mãe abalava de madrugada para a horta. Era ela que, sozinha ou com a ajuda de algum dos filhos mais velhos, tratava das batatas, das couves, do feijão e tudo o que pudesse colher. À noite, às vezes até altas horas, sentava-se ao tear que herdara da avó e tecia mantas de ourelos. Havia alturas em que não tinha mãos a medir, tantos eram os novelos de fitas que vinham da freguesia inteira!
Com doze anos foi pela primeira vez ao terço; primeiro para a Lardosa, depois para a Lousa. Andava por lá cinco meses a semear, regar, sachar e colher. Ao princípio ninguém dava nada por ela, cinco réis de gente, mas depressa apanhou o jeito e começou a render como as demais. Nos anos melhores ainda chegou a trazer para casa uns alqueires bons de milho ou feijão, mas houve outros em que mal deu para o caminho… De raro em raro vinha a casa para matar saudades e levar qualquer coisa para comer: pão, umas batatas (quando ainda as havia), um punhado de feijão pequeno, metade de um queijo de cabra, uma malga de azeitonas e, de conduto, pouco mais… Muito trabalho e muita fome! Ainda se ao menos pudessem comer a fruta que caía e apodrecia debaixo da árvore…Mas nem isso o patrão permitia, não fossem avezar-se e começar a querer também a fruta sã...
Ainda não tinha os dezassete anos feitos quando foi pela primeira vez ao quinto, lá para os lados da Idanha. Fazia o jantar, dava água aos ceifeiros, ia ao pão…Fazia o que lhe mandavam. Foi lá que no ano anterior conheceu o seu homem; ela com dezoito anos ainda por fazer, ele que mal passara dos vinte. Ao princípio eram só olhares tímidos, mas depois foi paixão descontrolada debaixo daquele céu enorme que de vez em quando deixava cair uma estrela.
O quinto acabou e ele continuou a visitá-la na terra dela. Ainda era um bom par de horas de caminho, para lá e para cá, mas quem corre por gosto, não cansa! Passado pouco tempo tiveram que casar. Um desgosto para os pais que não mereciam tal desonra nem o falatório do povo. Vergonha para ela que teve que enfrentar o olhar acusador dos sogros quando encararam com ela, magrizela, mas já de barriga empinada. Filho deles havia de merecer melhor sorte…
Por causa da barriga que já pesava, não pôde ir para o quinto nesse primeiro ano de casada, mas não lhe faltaria trabalho na horta ou em casa, enquanto o homem por lá andasse e o filho não nascesse, lá para Agosto. Nessa altura já ele estaria de volta, se Deus quisesse. Ainda tinha que fazer o berço e, se a coisa corresse bem, talvez pudessem vender uns alqueires de semente para comprar uns metros de flanela e fazer umas baetas, uns jaquézinhos e mais qualquer coisa para aquecer o menino no Inverno.
Mas o menino quis nascer antes de tempo. Uma noite despertou com uma dor tão grande nas entranhas que acordou os vizinhos com um berro de morte. Levantaram-se os velhos e foram ver o que era. Bateram; chamaram: "Albertina, ó Albertina, há novidade, cachopa?" Mas, de dentro, não veio resposta…
Os sogros acordaram com murros na porta. Que viessem a correr porque tinham ouvido gritos vindos da casa da Albertina, mas ela não acudia. Bateram; chamaram; bateram com mais força, mas qual Albertina? Trouxeram uma escada da azeitona e deitaram a janela adentro: lá estava ela, caída de borco, ao lado da cama. Não dava acordo de si.
Juntou-se logo ali a vizinhança toda, a ver o que era. Veio um homem à Vila chamar pelo doutor. Quando lá chegou, um par de horas depois, olhou e viu logo que ali não havia nada a fazer; tinham que a levar para o hospital. Mas como, se ninguém na terra tinha automóvel e o carro de bois levaria um ror tempo? Não se preocupassem, levava-a no automóvel dele. Um santo, aquele doutor!...
Quando chegaram ao hospital abriu-lhe a barriga e tirou lá de dentro o menino. Todo roxinho, o anjinho. Fazia dó! Ainda lhe deram umas palmadas, mas nem um gemido lhe arrancaram. E ela continuava sem dar conta de si.
Mandaram vir o homem de Alcafozes. Chegou já de noitinha, todo roto, na roupa e na alma. Ao outro dia, assim que avistou o médico à porta do hospital, caminhou para ele, descobriu-se e, de chapéu e coração nas mãos, pediu: "Ó doutor, salve a minha mulher, por amor de Deus; não ma deixe morrer..." O doutor encolheu os ombros e tardou na resposta: "Vamos fazer os possíveis…". E voltou as costas. O homem sentou-se nas escadas, cabeça baixa e a cara escondida entre as mãos, não fosse alguém ver as lágrimas que não conseguia segurar.
Mas as horas passaram e ela continuava sem abrir os olhos nem dizer palavra.
Quando os sinos dobraram pelo seu menino que ia a enterrar, dos olhos fechados correram duas lágrimas. Ainda houve esperança de que fossem sinal de vida e ela fosse acordar; mas não. Deu um suspiro e ficou-se. Eram vésperas de S. Pedro, dia em que faria dezanove anos. Foi fazê-los à terra, coitadinha… Tão novinha e tão boa rapariga!
Depois de enterrar a mulher, o homem voltou para Alcafozes. Quando regressou a casa trazia pão para todo o ano, mas não tinha quem lho cozesse. Por isso, e para não ter que devolver o pouco que a mulher tinha trazido como enxoval, combinou casamento com a cunhada mais velha. Esta sim, na opinião da sogra, uma mulher feita, um bom braço de trabalho para o que quer que fosse; e asseada que só visto!

Esta história é verídica e foi-me contada por um parente chegado da “Albertina”. O nome não é verdadeiro, mas foi escolhido por, como lembram os “Humanos” cantando Variações, ser um nome bem português. Infelizmente nem só o nome, mas também o destino triste de muitas mulheres em Portugal, num tempo que não é assim tão distante…

M. L. Ferreira

domingo, 13 de outubro de 2013

Esperteza de rato

Foi na altura das vindimas que se iniciou e descobriu a “Esperteza de rato”.
Na enorme quinta da Vila andaram a fazer a vindima, o tanque grande estava quase cheio de uvas esmagadas e já a iniciarem a fermentação.
O Ratinho do campo andava a treinar a sua corrida para fugir sempre que visse um gato.
As bordas do tanque eram uma excelente pista de corrida e era sempre ali que ele treinava.
Naquele dia de Setembro, lá foi o Ratinho para os treinos.
Colocou-se na borda do tanque e deu a partida…
Mal tinha iniciado a corrida, escorregou numa pele de bago de uva e caiu dentro do tanque com mosto.
Aflito, tentou não ir ao fundo e gritou o mais alto que podia:
- SOCORROOOO….
- SOCORROOOO…
O gato estava a dormir ao sol e acordou com os gritos, arrebitou as orelhas e voltou a ouvir…
- SOCORROOOO….
- SOCORROOOO…
- ACUDAM…
- É o rato! - Pensou o gato, e correu até à adega onde estava o tanque do vinho.
Ao chegar lá subiu para as bordas do tanque e viu o rato muito aflito, quase a afogar-se no mosto.
- Oh, oh gato, oh gatinho ajuda-me… tira-me daqui - pediu o rato - por favor…
- Eu?! Tirar-te daí? - Interrogou o gato.
- Sim, sim só tu me podes ajudar e tirar daqui. AJUDA-ME RÁPIDO! - Gritou o rato.
- Está bem - Disse o gato. Eu ajudo-te a sair daí, mas tens de me prometer uma coisa.
O rato cada vez mais aflito: - Está bem gato, eu faço tudo o que me pedires.
- Então eu tiro-te se me prometeres que deixas que eu te coma quando saíres daí. - Disse o gato.
O rato ficou ainda mais aflito, mas, como estava quase a afogar-se e não tinha outra solução para sair dali, tentou respirar e disse tristemente: - Es…Está bem gato, eu deixo … que tu me comas.
Ao ouvir a resposta do rato, o gato deu um enorme sorriso e pôs logo o seu enorme rabo dentro do tanque para salvar o rato.
O rato agarrou-se ao rabo do gato e saiu para as bordas do tanque.
O gato colocou-lhe logo uma pata em cima do rabito, não fosse o rato fugir e faltar ao prometido.
O ratinho estava mais aliviado de estar a salvo de morrer afogado no mosto mas… agora ia ser comido pelo gato. O seu coração ficou tão pequenino que quase deixou de bater, com tanta tristeza. Olhou o gato que já estava de boca aberta, de língua e dentes de fora para o comer, tentou respirar fundo e disse:
- Oh Ó…ó gato espera aí,… deixa-me sacudir primeiro. Tu não vês que eu estou todo molhado e cheio de bocaditos de uvas e peles. Se me comeres assim eu amargo e tu ficas mal disposto.
O gato olhou o rato e viu que ele tinha razão: - Está bem rato! Eu vou soltar-te para te sacudires, mas depois não fujas, lembra-te do que me prometeste – Vá lá… bem sacudidinho!
- Está bem gato. Eu bem sei o que prometi - disse o ratinho com as lágrimas nos olhos.
Sem tirar os olhos do rato, o gato tirou lentamente a pata do rabinho do rato, deixando-o solto para ele se poder sacudir.
O rato… sentindo-se solto, fez o movimento que fingia que ia sacudir-se mas saltou das bordas do tanque e fugiu o mais rápido que as suas pernitas conseguiram.
O gato ficou atordoado com aquela reação e clamou: - Então rato, tu prometeste que deixavas que eu te comesse e agora vais fugir!?
O rato sempre a correr e já a sair à porta para a rua, disse: - Eu sei gato, eu sei, mas quando eu estava dentro do tanque estava bêbado e agora já não estou.
E correu o ratinho feliz até ao campo.
Naquele dia de Setembro, o ratinho correu ainda mais feliz, tinha conseguido fugir das garras do gato, graças à sua esperteza…A ESPERTEZA DE RATO.

Luzita Candeias

Setembro/2013

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Contas das Festas de Verão

COMISSÃO DE FESTAS DE VERÃO DE S. VICENTE DA BEIRA - 2013 BALANÇO DE CONTAS E DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADOS

Conterrâneos e Amigos:
Este é o resultado das contas das Festas de Verão de S. Vicente da Beira, 2013, que decorreram no início do mês de Agosto deste ano, como foi amplamente noticiado.
A Comissão de Festas agradece a Vossa colaboração, mesmo que tenha sido apenas na compra de uma simples rifa do sorteio principal das Festas.
Deste sorteio foram vendidas 2.500 rifas pelos mais diversos lugares do país, imagine-se: S. Vicente da Beira e arredores, Castelo Branco, Coimbra, Santarém, Abrantes, Lisboa...
Num ano de dificuldades económicas por todos sentidas, foi-se além do orçamento esperado (num total 22.319, 64 €) mas, felizmente, graças a todos Vós, tudo foi ultrapassado.
Estamos por isso agradecidos pela Vossa generosidade.
Um abraço a todos.


A COMISSÃO DE FESTAS DE VERÃO

DE S. VICENTE DA BEIRA, 2013

Descrição Receita Despesa  Saldo
Peditórios 5.841,50 0,00 5.841,50
Cartaz Publicitário das Festas 1.125,00 150,00 975,00
Sorteio rifas 1.010,00 482,01 527,99
Quermesse  1.560,00 54,75 1.505,25
Verbena 12.783,14 6.849,83 5.933,31
Grupos musicais  0,00 6.050,00 -6.050,00
Banda Filarmónica SVB 0,00 1.500,00 -1.500,00
Bombos SVB 0,00 150,00 -150,00
Rancho Folclórico SVB 0,00 150,00 -150,00
Aparelhagem 0,00 1.600,00 -1.600,00
Fogo artifício 0,00 1.400,00 -1.400,00
Licenças 0,00 407,70 -407,70
Água 0,00 21,67 -21,67
Electricidade 0,00 232,08 -232,08
Diversos 0,00 807,41 -807,41
Cerimónias Religiosas (Oferta) 0,00 450,00 -450,00
Obras Igreja Paroquial SVB (Oferta) 0,00 756,19 -756,19
Aquisição de Mobília e Arca frigorífica para Verbena 0,00 1.258,00 -1.258,00
Total 22.319,64 22.319,64 0,00