quinta-feira, 31 de maio de 2012

FORAL MANUELINO – A Ordem de Avis

O nosso foral manuelino, cujo 5.º centenário estamos a comemorar, traz logo no início informação sobre a Ordem de Avis.

Tem a Ordem e Mestrado de Avis na dita vila propriedades de terras e olivais aforadas a pessoas particulares pelos preços e quantias que nos tombos da dita ordem e nos aforamentos das ditas pessoas está declarado, pelos quais até agora se arrecadaram os ditos direitos e arrecadarão daqui em diante sem outra inovação.
E tem mais a dita ordem no termo da dita vila um lugar próprio seu e foreiro de que arrecada seus foros antigos sem contradição, como de coisa sua patrimonial que não jaz debaixo do foral da dita vila. No qual se não pagam outros tributos nem foros senão os que adiante vão declarados. E na maneira e modo como até aqui se arrecadaram os ditos direitos. Mandamos que ao diante se paguem e arrecadem sem nenhuma contradição. Os quais são repartidos igualmente ao meio pela dita ordem e comenda dela e pelo mosteiro de São Jorge de Coimbra. E na dita maneira se fará a dita repartição do rendimento da portagem da dita vila, segundo adiante em seus títulos e capítulos vai declarado.


Desde os alvores da nacionalidade que o território entre a Ocreza e o Tejo fora entregue aos monges guerreiros Templários, mais tarde Ordem de Cristo, mas o concelho de São Vicente, antes pertencente ao território da Covilhã, permaneceu livre de senhorios.
No entanto, outra organização de monges guerreiros, a Ordem de Calatrava, mais tarde de Avis, foi recebendo propriedades e rendas no nosso concelho.
As terras concentravam-se sobretudo na zona sul do concelho, na margem direita da ribeira da Ocreza, tendo como povoados Ceia e Póvoa. Segundo o Engenheiro Manuel Castelo Branco, parte destas propriedades eram a herança pessoal do vicentino D. Fernando Rodrigues de Sequeira que as doou à organização de que foi Mestre, a Ordem de Avis.
Antes desta doação dos inícios do século XV, já as terras do sul do concelho gozavam de relativa autonomia, dada aos moradores pelos anteriores mestres da Ordem. Assim, quer pelo poder autónomo da Ordem de Avis (…como de coisa sua patrimonial que não jaz debaixo do foral da dita vila.), quer pelos privilégios dados aos habitantes deste senhorio, as aldeias de Póvoa de Rio de Moinhos e Ceia (no passado existente na área do paredão da albufeira de Santa Águeda) já se governavam a si próprias, como concelho à parte, neste século XVI.
Esta pertença da Póvoa à Ordem de Avis está testemunhada pela existência do brasão de Calatrava no edifício que terá sido, durante séculos, a casa da Câmara da Póvoa de Rio de Moinhos, situado na Praça desta antiga Vila.
Mas o património da Ordem de Avis não se restringia a estas terras da parte sul do grande concelho medieval de São Vicente da Beira. O nosso foral de 1195 tem como outorgantes os membros da Casa Real e o mosteiro de São Jorge de Coimbra, mas, no século XIV, os rendimentos da Igreja do concelho eram já repartidos pelo mesmo mosteiro e pela Ordem de Avis, o que significa que o rei criara uma comenda com parte dos bens que aqui detinha e a doara à ordem de Avis, ficando ao longo dos séculos esta Comenda da Ordem de Avis com direito a metade das rendas da Igreja e consequentemente com a obrigação de pagar metade das despesas (pagar aos curas e as despesas correntes das igrejas do vigariato). A outra parte cabia ao dito mosteiro de São Jorge, de que se fez depois nova comenda, dada à ordem de Cristo, no tempo do rei D. João II (2.ª metade do século XV).
É esta competência da Ordem de Avis na gestão dos bens religiosos do concelho que explica a presença do brasão da dita Ordem na fachada da Igreja Paroquial do Louriçal do Campo, datada de 1559.

 Póvoa de Rio de Moinhos: à direita, o brasão da Ordem de Calatrava,
em casa particular que no passado foi a casa da Câmara.

Louriçal do Campo: em cima, brasão da ordem de Avis, na fachada da Igreja Matriz.
(bi ne di to porque a ordem se chamava de São Bento de Avis)

domingo, 27 de maio de 2012

Festa da Senhora da Orada

A Senhora tem uma jaja nova!

Em volta da merenda...

 Porta nova no buraco por onde passa a água para a bica.

 Os "Vicentinos" não podiam faltar!

 Dois dedos de conversa, após o almoço.
Uma rancheira com as amigas, antes da função.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Lenda da Portela para a Senhora da Orada

O texto que se segue é da autoria de Luís Antunes e tirei-o do seu site http://bogasdebaixo.blogspot.pt/2009/12/encostas-da-gardunha.html
Mostra-nos a Senhora da Orada vista pelas gentes da vertente norte da Gardunha.
Sendo o site de Bogas de Baixo, não é muito claro a que aldeia se refere o autor, no primeiro parágrafo, pois o caminho apontado era o nosso e não o que, vindo de Bogas, entroncaria neste, na zona do Vale d´Urso. Mas este é um aspeto menor, que não belisca a riqueza do texto.


Uma das mais importantes vias de comunicação existentes na Aldeia até ao segundo terço do último século, era uma breda e nalguns locais já transformada em caminho que ligava o Casal da Serra e a Vila de São Vicente da Beira, ao Fundão, entroncava com o do Vale d´Urso, passando pelo Casal de Álvaro Pires, sítio da Vila Ribeira d´Alva, sítio da Vila Nova do Ocaia e o próprio Souto da Casa. Esta mesma via era muito utilizada pelos devotos da Senhora da Orada, aquando das Festas realizadas em Seu Louvor, e que residiam do lado de cá da Serra.
Ao alto do caminho que faz a transição natural da encosta de cá para a de lá, chamam-lhe há muito, a Portela. Sem dúvida que estamos em presença de mais um dos locais incomparavelmente belos e admiráveis da nossa Serra. Dali, consegue-se perceber o contraste entre uma paisagem dourada e quente, de transição para o Alentejo, do lado de Castelo Branco, e uma outra, serrana, acidentada, verde e fria para o lado do Souto da Casa. Era ali que alguém, em dia de festa à Senhora da Ourada, montava estrategicamente uma tasca de ocasião, cuja oferta aos forasteiros rendia alguns réis e vinténs no final do dia.
A lenda deste local prende-se com a calçada romana ali existente. De visita ao local, alguém de muito mais idade nos informou de que aquela calçada tinha sido feita pelo diabo numa noite. Perplexos e curiosos perguntámos o porquê de tal afirmação, ao que nos respondeu:
"Vocês que são gente de estudos, por certo já ouviram falar no Veriato!"
Perante a nossa estupefação, por não estarmos preparados para tal questão, retorquiu:
"Então nunca ouviram falar num valente homem que por aqui andava a distribuir porrada nos romanos?"
Aí, participando no seu raciocínio, indicámos que na verdade já tínhamos ouvido falar num Viriato, mas que andava bem longe destas paragens…
"Ai sim?
Então andava longe?
Fiquem então sabendo que foi por causa dele que os romanos nunca conseguiram passar do lado de lá, da Senhora da Orada, para o nosso lado!"
Notava-se perfeitamente no rosto queimado pelo sol de um sem número de Primaveras, envelhecido pela rudeza da vida e a dureza do trabalho do campo, a alegria de estar a ser ouvido e talvez compreendido. Sim, porque naturalmente lhe interessava mais que alguém o ouvisse do que o compreendesse. Isso pouco importava…
Os seus olhos negros e vivos irradiavam sabedoria e muito conhecimento, mas também orgulho sincero por ser dos do lado de cá!
"Foi então que não conseguindo levar a melhor com o tal Veriato, pela calada da noite, meteram mãos à obra e conseguiram fazer esta calçada até à Portela. Mas não passaram daqui, quando não…levavam poucas!"
Enquanto contava isto, pegava num dos extremos do cajado que lhe servia também de apoio às suas já débeis pernas e com uma força incontida ameaçava ainda hoje, no imaginário, "os do lado de lá".
"Percebem agora porque se diz que foi feita pelo diabo numa noite?"
Afinal o diabo toma a figura que lhe quisermos dar. Mas esta, por hábito, nunca passou de má, sinistra, inimiga, odiosa e sobretudo, a evitar! À margem desta lenda, como justificação ou não, para a sua existência, constatamos a veracidade dos seguintes factos:
- A calçada romana existe realmente na Portela;
- o Museu da Vila de São Vicente da Beira expõe imensos achados romanos nas suas vitrinas;
- bem perto, existem calçadas romanas em Alcongosta, Alpedrinha e Castelo Novo;
- é verdade que "para o lado de cá", a encosta Norte, a mais "guardada" da Gardunha, não existe qualquer calçada romana e desconhecemos achados romanos de interesse superior ou em quantidade a registar;
- também nos ensinaram que Viriato estendia a sua ação bélica de guerrilha impeditiva do avanço dos romanos, para cá dos Montes Hermínios.



Calçada entre a ermida da Senhora da Orada e o Rabaçal

segunda-feira, 21 de maio de 2012

5.ª FEIRA DE ASCENSÃO


JOSÉ BARROSO


Hoje é 5.ª feira de ascensão; não vi no calendário; mas esta manhã disseram-me que era 5.ª feira de ascensão; já me tinha esquecido; em tempos, terá sido feriado; quando eu era criança era apenas um dia de tolerância ao trabalho; pelo menos no campo; e íamos todos à missa.

Para muitos é o dia da espiga.
Mas eu sempre conheci este dia, como a 5.ª feira de ascensão; o dia em que Jesus Cristo subiu (ascendeu) ao céu em corpo e alma, após 40 dias na terra, depois da ressurreição.
A 5ª feira de ascensão é assim e pronto!! Para que precisava o imaginário dos simples das complicadas explicações da teologia??

Lembro-me de os rapazes mais velhos, na véspera de 5.ª feira de ascensão irem, à noite, pela calada, apanhar as andorinhas nos seus ninhos; fosse nas minas, nos beirais ou noutros locais onde elas nidificavam; as andorinhas não fazem os ninhos como a maioria das outras aves; com pequenos ramos e raízes entrelaçadas, forrados depois com penugem, pedacinhos de lã ou outros materiais macios que encontram pelos campos; fazem-nos com lama amassada com os bicos; depois de secos é que os aconchegam, introduzindo-lhes, então, um fofo recheio.

Chamávamos às andorinhas «as galinhas de Nossa Senhora»; na 5.ª feira de ascensão, de manhã, deitavam-nas no interior da igreja, onde elas permaneciam durante a missa desse dia, a esvoaçar, às voltas, um pouco tontas; quando se cansavam de andar às voltas, porque o espaço era exíguo, pousavam numa das estruturas de metal existentes junto ao tecto, onde se pendurava o petromax para iluminar a igreja; nessa altura ainda não havia electricidade na vila; na casa dos meus avós paternos ainda se usavam candeias de azeite com torcida de linho enrolado; já estavam vulgarizados os candeeiros a petróleo, mas para os utilizar era necessário comprar a torcida e o combustível; era preferível usar o azeite que, felizmente, abundava.

E eu preocupava-me sempre com aquelas andorinhas, porque havia um grande respeito por elas; é bem, sabido que não caíam nos costis ou noutras armadilhas, porque são aves urbanas; mas isso também não interessava porque nós nunca as podíamos apanhar; e por isso também não as podíamos comer, como os outros pássaros, assados ou fritos; só podiam ser apanhadas para o dia de 5.ª feira de ascensão para serem deitadas na igreja; tinham muita sorte por serem «as galinhas de Nossa Senhora»; e não me consta que alguma vez tenha morrido alguma andorinha, nas primaveras de todos aqueles anos, pelo facto de serem lançadas na igreja na 5ª feira de ascensão; é que, fosse nesse dia ou no dia seguinte, encontravam sempre uma saída para regressar à liberdade.

Na 5ª. feira de ascensão, também se deitavam rosas na igreja; muitos ofereciam-nas e os voluntários iam apanhá-las nos quintais; e isso tinha que ser feito nessa manhã, antes da missa, para que, entretanto, não murchassem; desfolhavam-nas; enchiam vários açafates grandes com as pétalas das rosas desfolhadas; elas eram de várias cores: brancas, cor de rosa, amarelas, vermelhas; mas, parece-me que predominavam as vermelhas; a determinada altura da cerimónia, o senhor António Maria, ia pela coxia da igreja abaixo e atirava, para um e outro lado, alternadamente, punhados de pétalas de rosas para cima das pessoas que assistiam à missa; muitas ficavam, por momentos, com pétalas de rosas na cabeça e nos ombros, mas a maior parte caía no chão; o senhor Vigário vinha também a aspergir água benta.
No fim, o chão ficava juncado de pétalas de rosas salpicadas de água benta; mas as pessoas regressavam a suas casas limpas de espírito e revigoradas, para encararem a vida com outro ânimo; havia agora que mobilizar os voluntários para a limpeza da igreja, porque a solenidade do dia tinha terminado; e esperava-se já o dia de 5.ª feira de ascensão do ano seguinte.

Uma vez, na 5ª feira de ascensão não fui à missa!! O trabalho que tive para iludir a minha mãe!!

Mas a razão era de monta. Tratava-se de presenciar um milagre!! Sim, um milagre!! E não era todos os dias que podia presenciar-se um milagre!! Na verdade, tinham-me dito que, ao meio dia, durante a missa, no momento da «Consagração» ou do «Glória», as folhas das oliveiras se cruzavam todas entre si, à passagem de Nosso Senhor, que subia ao céu!! Por isso, em vez de ir à missa, esperei que a minha mãe saísse para a igreja e fui, sorrateiramente, para o meu quintal, o Chão da Capela, a fim de surpreender o fenómeno; subi a uma oliveira; estive lá o tempo todo em que decorreu a missa, cerca de 1 hora. Olhei, voltei a olhar para as folhas da oliveira, mas pareceu-me nada ter visto!! E já vinha descendo da árvore, desiludido.

Depois, observei melhor e vi!! Vi, sim senhor!! Milhares de folhas de oliveira cruzadas com milhares de outras folhas de oliveira!! Milagre!! Milagre!! Milagre!!
Hoje sei e penso: «é claro que tudo se ficou a dever, apenas, à disposição natural das folhas na árvore»; «muitas folhas da oliveira estavam, naturalmente, cruzadas entre si»; «pois com certeza»; «nada daquilo teve a ver com qualquer milagre»!!

Mas que importância tinha isso??!! Importante era o meu imaginário; e esse continuou intocável;
Por isso quero acreditar que ainda hoje se diga às crianças: «as folhas das oliveiras cruzam-se todas ao meio dia de 5.ª feira de ascensão, durante a missa, no momento em que Nosso Senhor sobe ao céu » !!

Coimbra, 5ª feira de ascensão, 17 de Maio de 2012.

(Uso a ortografia anterior ao actual Acordo).

sábado, 19 de maio de 2012

A ti Janja na TVI

A ti Janja aparece no minuto 25.10.
É no ecrã maior, à esquerda. Esperar que passe a publicidade.
Obrigado à Sara Varanda.

 http://www.tvi.iol.pt/videos/13629494

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Nossa Senhora da Orada

(Clicar na imagem para ler o cartaz)

Ainda faltam duas semanas para a festa da Senhora da Orada. Este ano é mais tarde, a 27, porque o 1.º de maio foi numa terça-feira.

Quem vier de Lisboa e quiser poupar as portagens de dois pórticos, deve sair na saída de Sarnadas/Retaxo (um pouco à frente está novo pórtico, antes da saída para Benquerenças/Cebolais, o outro situa-se junto ao nó para as Sarzedas)) e depois seguir a estrada nacional, paralela à autoestrada. Na entrada de Castelo Branco, junto à Danone, segue em frente sem virar à direita para a cidade. Vai ter à saída norte de Castelo Branco, entrando na autoestrada, mas sem pagar, pois o pórtico seguinte situa-se após o nó de Alcains. No regresso, é fazer a mesma coisa, mas no sentido inverso (ao sair da autoestrada, segue-se em frente, sem virar para Castelo Branco). Na ida e volta poupam-se cerca de 5 euros.

A Feira de Artesanato e Gastronomia é a por volta do São João: 22, 23 e 24 de Junho.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Nossa Senhora

Eu tive uma cabra mocha, castanha amarelada, mais castanha nas costas e amarelada na barriga. Quando nasci, a minha mãe sofreu de uma infeção nos bicos das mamas e por isso teve de comprar leite de cabra para me criar. Então os meus pais, já com quatro filhos pequenos, decidiram comprar uma cabra. Era uma chibinha quando a trouxeram, mais ou menos da minha idade.

Desde pequeno que eu fiquei o seu pastor. À saída da escola, os outros rapazes iam nadar para o Pelome, na ribeira, mas eu não podia, tinha a cabra, na loja, à minha espera. A missão do meu primo era igual. A cabra dele era cornuda, de pelo escuro e maior do que a minha. Como nas Festas de Verão era costume comer borrego assado e guisado, o meu pai ia ter com o Nonga, o pastor do tio Albano, que mal conseguia falar, mas entendiam-se, porque eram amigos. Ele apalpava a barriga das ovelhas e sabia quantos borregos traziam. Se houvesse uma com três, então um ficava prometido para nós. Comíamos um dos dois cabritos da nossa cabra e metíamos-lhe o borrego, para ela o criar. Por isso, além da cabra, eu tinha de guardar o outro cabrito dela e o borrego.

Ao lado das nossas casas havia uma encosta muito grande, chamada barreira. Descíamos por ela, sem pressas, ao ritmo das cabras que iam comendo mato, sobretudo de giestas brancas, até chegar ao ribeiro das Lajes. Aí regalavam-se com a erva tenrinha e depois começavam a subir pela barreira oposta, ainda mais calmamente.

E demorávamo-nos no ribeiro, sobretudo na presa da regadia, pouco funda, mas o suficiente para pregarmos uma partida ao meu cão. Chamava “Bobi” e ele vinha a correr, a abanar o rabo de contente. Pegava-lhe ao colo e atirava-o à presa. Ficava aflito, mas nascera a saber nadar e por isso saía da água rapidamente. Nessa tarde não voltava a aproximar-se de mim, mas no dia seguinte já não se lembrava.
A água da presa vinha de uma mina, em parte a céu aberto. Se apanhávamos a presa vazia, entrávamos pela mina e víamos peixes cabeçudos e salamandras preguiçosas, às manchas pretas, vermelhas e amarelas. Depois íamos a ver das cabras, que já mal avistávamos.

A meio da barreira havia um poste metálico dos telefones. Então pegávamos numa pedra e batíamos nele, às vezes depressa, outras devagar, com mais ou menos força, a tentar conversar com as pessoas que estavam ao telefone, nós que nem sabíamos o que isso era. Outras vezes subíamos a uma piçarra e fazíamos um relato de futebol:
“O Coluna passa para o Costa Pereira, este chuta para o Jaime Graça que centra para o Torres e é GOOOLLLOOOO!”

Além da mãe do meu primo, tínhamos outra tia nossa vizinha ainda mais religiosa que as nossas mães. Ela costumava ranhar-nos quando nos portávamos mal e falava-nos dos pastorinhos de Fátima, querendo que nós fossemos como eles. Um dia emprestou-nos uns livrinhos sobre o Francisco e a Jacinta. A Nossa Senhora tinha-lhes aparecido e pedira-lhes que rezassem muito e jejuassem. Andámos aterrorizados muito tempo, pois éramos pastores e podia-nos acontecer o mesmo. Rezar, ainda vá lá, mas deixar de comer… Não descansámos enquanto não lhe devolvemos os livros!

Mas voltemos à vida de pastor, que o ganal tem de comer todos os dias. Na barreira do lado de lá do ribeiro, o mato era de carquejas e algumas giestas amarelas. As cabras gostavam de comer as flores e os rebentos tenros. Talvez também gostassem, como nós, de ver a encosta matizada com o castanho da terra, o negro das rochas e o colorido verde e alaranjado dos matos. Por isso se demoravam lá tanto, facilitando as nossas brincadeiras no ribeiro.

No alto da barreira, havia um pequeno planalto, com uma pedra enorme a sobressair na encosta, como se fosse uma varanda sobre a presa. Antigamente era lá que se malhava o pão, mas para nós era mais um bom sítio com imensas oportunidades para brincar. Havia vagar, pois as cabras adoravam o mato branco lá do alto.

Um dia, já sol-posto, corremos pelo mato para virar as cabras de volta a casa e demos com um ninho no chão. Tinha quatro passarinhos já vestidinhos, completamente pretos. Pegámos neles, dois para cada um, e regressámos apressados, para mostrar às nossas mães e irmãs.
“São cotovias, os passarinhos de Nossa Senhora. Tendes de ir depressa colocá-los no ninho, pois é pecado tirá-los. E esperemos que a mãe não os enjeite, por terdes mexido neles!”

Corremos no escuro do anoitecer, com eles na concha da mão. Descemos a barreira, subimos a barreira e metemo-los no ninho. Voltámos com o coração apertado, pois já se ouviam uns pios tristes, seriam os pais a chorar pelos filhos.

Nos dias seguintes, não voltámos ao alto da barreira e ao entardecer ficávamos sempre de ouvido à escuta, tentando ouvir os pios dos pais cotovias a quem nós havíamos roubado os filhos. Felizmente, deixámos de os ouvir, embora ainda hoje se ouçam todos os dias ao anoitecer

Sargaço


Giesta amarela


Mato branco

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Invasões Francesas 12

A conquista de Badajoz

Após a queda de Ciudad Rodrigo, em Janeiro de 1812 (abordada na publicação Invasões Francesas 11, de 28 de fevereiro de 2010), chegou a vez de Badajoz, a fortaleza que espreitava a porta sul da entrada em Portugal: Elvas.
A cidade de Badajoz, ocupada pelos franceses, foi tomada de assalto pela infantaria anglo-portuguesa, entre 6 e 9 de Abril de 1812. Uma força militar portuguesa permaneceu na cidade para repor a ordem.
Por todo o Alto Alentejo, houve então grande movimento militar, entre o Quartel-General de Abrantes e a fortaleza de Badajoz, nessa Primavera de há precisamente 200 anos.
Ora as tropas necessitavam de carreiros para lhes darem apoio logístico. Por isso os ganhões do concelho de São Vicente da Beira foram novamente chamados a dar o seu contributo para a libertação da Pátria.

 
Mapa antigo, com as fortalezas de Almeida e Elvas (Portugal) e  Ciudad Rodrigo e Badajoz (Espanha) em forma de estrela.

Vila

- A junta de bois e o carro de Francisco Antonio Simoens andaram, em Maio, durante 10 dias, a acarretar lenha para os fornos, em Abrantes.

- O carro de bois de Francisco Ferreira andou 29 dias, também em Maio, a dar serventia às tropas, entre Abrantes, Nisa e Abrantes.

- Francisco Santo e Joaõ Bernardo, com um carro, sendo uma vaca de cada um, andaram 12 dias, em Abril, a acarretar arroz, entre Abrantes e Nisa.

- Ignes, viúva de Domingos Vas Raposo, mandou o seu ganhão para Abrantes, onde ficou a trabalhar ao serviço das tropas, durante 24 dias, no mês de Maio.

- O Capitão Joaõ Roiz Lourenço Cayo, ou o seu ganhão, andou 30 dias, em Maio, a transportar o trem do hospital real, entre Abrantes e Nisa, a dar serventia em Abrantes e a transportar pólvora e bolacha de Abrantes para Elvas.


Mourelo

- Manoel Leitam fez, durantre todo o mês de maio (31 dias), transportes entre Abrantes e Elvas.

- Teve a companhia de Jose Antonio e Jose Alves, uma vaca de cada um, que fizeram os mesmos transportes, no mesmo tempo.

- E também andaram com eles Joam Franses e Joze Mateos, igualmente uma vaca de cada um, nos mesmos tempos e serviços.


Paradanta

- Manoel Mendes, criado de Manoel Leitam, andou 33 dias, entre maio e junho, a fazer transportes para o exército anglo-português: de Abrantes para Nisa levaram o trem do hospital e de Abrantes para Elvas carregaram pólvora e bala.


Partida

- Manoel Mateus transportou cevada de Abrantes para Nisa; depois voltou para casa e de Vila Velha de Ródão trouxe arroz e bacalhau para Castelo Branco; andou ao serviço 11 dias, no mês de Abril.

- Manoel Martins e Manoel Alexandre, uma vaca cada um, andaram 33 dias, em maio e junho, também a transportar o trem do hospital entre Abrantes e Nisa e a levara pólvora e bala de Abrantes para Elvas.

- O ganhão de Antonio Fernandes andou igualmente 33 dias, também em maio e junho, entre Abrantes e o pego, a acarretar rama, vinho, pão e carne.


Tripeiro

- Manoel Vas, Joaõ Ribeiro e Manoel Antunes Máximo, cada um com o seu carro de bois, andaram 32 dias, em maio e junho, a acarretar lenha para os fornos, em Abrantes.


Violeiro

- Joze Pires andou 30 dias, em maio e junho, a acarretar bolacha entre Abrantes e Elvas.

- Joze Rodrigues Mosso andou também 30 dias, em maio e junho, mas primeiro ajudou a transportar o trem do hospital, entre Abrantes e Nisa e depois é que foi fazer carregamentos entre Abrantes e Elvas.


Gravura com carreiros a fazerem transportes para os exércitos, durante as Invasões Francesas

Foi há precisamente 200 anos e os nossos antepassados foram bem sacrificados, considerando que os serviços não eram pagos e por vezes nem comida lhes davam para eles e para os animais. Aos dias indicados há que acrescer mais os dias de viagem entre a terra natal e Abrantes. Sabe-se, por informação relativa a Francisco Antonio Simoens da Vila, que esta viagem de ida e volta demorava 7 dias (3 dias e meio para cada lado).
Nesse maio de 1812, uns faltaram à festa de São Tiago, outros não foram à romaria da Senhora da Orada e alguns falharam as duas. Foi duro!

(José Teodoro Prata, O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra peninsular, Associação dos Amigos do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira, 2006, S. Vicente da Beira)



terça-feira, 1 de maio de 2012

Dia do Trabalhador

O meu pai, tão escaldado com a vida, costumava incentivar os filhos para que trabalhássemos, semeássemos, pois um dia poderia vir uma fome. Eu fazia o que ele sugeria, mas no fundo achava-o um exagerado, pois encarava o futuro com otimismo, na crença ingénua de que o mundo seria cada vez melhor. Para mim, o mundo evoluía em linha, sempre a subir, mas para o meu pai a evolução seria circular, com períodos bons e outros maus.

O analfabeto era ele e eu um letrado. Eu sabia que o capitalismo tem em si caraterísticas de autodestruição que provocam crises cíclicas, gerando milhões de desempregados e muito sofrimento humano. Mas preferia ignorar este fatalismo e centrar-me na crença de um futuro cada vez mais risonho. Infelizmente, os homens ainda não conseguiram fazer com que o meu pai não tenha razão e o sofrimento voltou para milhões.

Deixo-vos com um poema do Fausto. A canção, de 1978, mas tão atual, podem ouvi-la no Youtube, pois as novas regras de utilização da internet não permitem colocá-la aqui.



Uns vão bem e outros mal

Senhoras e meus senhores, façam roda por favor
Senhoras e meus senhores, façam roda por favor, cada um com o seu par
Aqui não há desamores, se é tudo trabalhador o baile vai começar
Senhoras e meus senhores, batam certos os pezinhos, como bate este tambor
Não queremos cá opressores, se estivermos bem juntinhos, vai-se embora o mandador
Vai-se embora o mandador

Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição

De velhas casas vazias, palácios abandonados, os pobres fizeram lares
Mas agora todos os dias, os polícias bem armados desocupam os andares
Para que servem essas casas, a não ser para o senhorio viver da especulação
Quem governa faz tábua rasa, mas lamenta com fastio a crise da habitação
E assim se faz Portugal, uns vão bem e outros mal

Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição

Tanta gente sem trabalho, não tem pão nem tem sardinha e nem tem onde morar
Do frio faz agasalho, que a gente está tão magrinha da fome que anda a rapar
O governo dá solução, manda os pobres emigrar, e os emigrantes que regressaram
Mas com tanto desemprego, os ricos podem voltar porque nunca trabalharam
E assim se faz Portugal, uns vão bem e outros mal

Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição

E como pode outro alguém, tendo interesses tão diferentes, governar trabalhadores
Se aquele que vive bem, vivendo dos seus serventes, tem diferentes valores
Não nos venham com cantigas, não cantamos para esquecer, nós cantamos para lembrar
Que só muda esta vida, quando tiver o poder o que vive a trabalhar
Segura bem o teu par, que o baile vai terminar

Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição

Fausto, in Madrugada dos Trapeiros, 1978