segunda-feira, 21 de maio de 2012

5.ª FEIRA DE ASCENSÃO


JOSÉ BARROSO


Hoje é 5.ª feira de ascensão; não vi no calendário; mas esta manhã disseram-me que era 5.ª feira de ascensão; já me tinha esquecido; em tempos, terá sido feriado; quando eu era criança era apenas um dia de tolerância ao trabalho; pelo menos no campo; e íamos todos à missa.

Para muitos é o dia da espiga.
Mas eu sempre conheci este dia, como a 5.ª feira de ascensão; o dia em que Jesus Cristo subiu (ascendeu) ao céu em corpo e alma, após 40 dias na terra, depois da ressurreição.
A 5ª feira de ascensão é assim e pronto!! Para que precisava o imaginário dos simples das complicadas explicações da teologia??

Lembro-me de os rapazes mais velhos, na véspera de 5.ª feira de ascensão irem, à noite, pela calada, apanhar as andorinhas nos seus ninhos; fosse nas minas, nos beirais ou noutros locais onde elas nidificavam; as andorinhas não fazem os ninhos como a maioria das outras aves; com pequenos ramos e raízes entrelaçadas, forrados depois com penugem, pedacinhos de lã ou outros materiais macios que encontram pelos campos; fazem-nos com lama amassada com os bicos; depois de secos é que os aconchegam, introduzindo-lhes, então, um fofo recheio.

Chamávamos às andorinhas «as galinhas de Nossa Senhora»; na 5.ª feira de ascensão, de manhã, deitavam-nas no interior da igreja, onde elas permaneciam durante a missa desse dia, a esvoaçar, às voltas, um pouco tontas; quando se cansavam de andar às voltas, porque o espaço era exíguo, pousavam numa das estruturas de metal existentes junto ao tecto, onde se pendurava o petromax para iluminar a igreja; nessa altura ainda não havia electricidade na vila; na casa dos meus avós paternos ainda se usavam candeias de azeite com torcida de linho enrolado; já estavam vulgarizados os candeeiros a petróleo, mas para os utilizar era necessário comprar a torcida e o combustível; era preferível usar o azeite que, felizmente, abundava.

E eu preocupava-me sempre com aquelas andorinhas, porque havia um grande respeito por elas; é bem, sabido que não caíam nos costis ou noutras armadilhas, porque são aves urbanas; mas isso também não interessava porque nós nunca as podíamos apanhar; e por isso também não as podíamos comer, como os outros pássaros, assados ou fritos; só podiam ser apanhadas para o dia de 5.ª feira de ascensão para serem deitadas na igreja; tinham muita sorte por serem «as galinhas de Nossa Senhora»; e não me consta que alguma vez tenha morrido alguma andorinha, nas primaveras de todos aqueles anos, pelo facto de serem lançadas na igreja na 5ª feira de ascensão; é que, fosse nesse dia ou no dia seguinte, encontravam sempre uma saída para regressar à liberdade.

Na 5ª. feira de ascensão, também se deitavam rosas na igreja; muitos ofereciam-nas e os voluntários iam apanhá-las nos quintais; e isso tinha que ser feito nessa manhã, antes da missa, para que, entretanto, não murchassem; desfolhavam-nas; enchiam vários açafates grandes com as pétalas das rosas desfolhadas; elas eram de várias cores: brancas, cor de rosa, amarelas, vermelhas; mas, parece-me que predominavam as vermelhas; a determinada altura da cerimónia, o senhor António Maria, ia pela coxia da igreja abaixo e atirava, para um e outro lado, alternadamente, punhados de pétalas de rosas para cima das pessoas que assistiam à missa; muitas ficavam, por momentos, com pétalas de rosas na cabeça e nos ombros, mas a maior parte caía no chão; o senhor Vigário vinha também a aspergir água benta.
No fim, o chão ficava juncado de pétalas de rosas salpicadas de água benta; mas as pessoas regressavam a suas casas limpas de espírito e revigoradas, para encararem a vida com outro ânimo; havia agora que mobilizar os voluntários para a limpeza da igreja, porque a solenidade do dia tinha terminado; e esperava-se já o dia de 5.ª feira de ascensão do ano seguinte.

Uma vez, na 5ª feira de ascensão não fui à missa!! O trabalho que tive para iludir a minha mãe!!

Mas a razão era de monta. Tratava-se de presenciar um milagre!! Sim, um milagre!! E não era todos os dias que podia presenciar-se um milagre!! Na verdade, tinham-me dito que, ao meio dia, durante a missa, no momento da «Consagração» ou do «Glória», as folhas das oliveiras se cruzavam todas entre si, à passagem de Nosso Senhor, que subia ao céu!! Por isso, em vez de ir à missa, esperei que a minha mãe saísse para a igreja e fui, sorrateiramente, para o meu quintal, o Chão da Capela, a fim de surpreender o fenómeno; subi a uma oliveira; estive lá o tempo todo em que decorreu a missa, cerca de 1 hora. Olhei, voltei a olhar para as folhas da oliveira, mas pareceu-me nada ter visto!! E já vinha descendo da árvore, desiludido.

Depois, observei melhor e vi!! Vi, sim senhor!! Milhares de folhas de oliveira cruzadas com milhares de outras folhas de oliveira!! Milagre!! Milagre!! Milagre!!
Hoje sei e penso: «é claro que tudo se ficou a dever, apenas, à disposição natural das folhas na árvore»; «muitas folhas da oliveira estavam, naturalmente, cruzadas entre si»; «pois com certeza»; «nada daquilo teve a ver com qualquer milagre»!!

Mas que importância tinha isso??!! Importante era o meu imaginário; e esse continuou intocável;
Por isso quero acreditar que ainda hoje se diga às crianças: «as folhas das oliveiras cruzam-se todas ao meio dia de 5.ª feira de ascensão, durante a missa, no momento em que Nosso Senhor sobe ao céu » !!

Coimbra, 5ª feira de ascensão, 17 de Maio de 2012.

(Uso a ortografia anterior ao actual Acordo).

5 comentários:

José Teodoro disse...

Eu achava lindo, mas também tinha pena das andorinhas às voltas, na Igreja, sem saberem por onde sair.
Um dia, uma andorinha das barreiras (salvo erro) fez o ninho na mina da Barroca, onde íamos à água. Nas vésperas da 5.ª Feira da Ascensão, eu e o meu primo João (Candeias) tirámos as calças e metemo-nos na água, para a apanhar no ninho, mas ela fugiu logo que nos sentiu entrar. Ainda bem!

Anônimo disse...

Adorei, não conhecia estra tradição. Primo vou ficar à espera de novas janelas abertas para o passado...

Margarida Barroso (a que parecia um coelho a primeira vez que a viste)
P.S.- Ainda não estou a preparar a merenda, mas a minha alma já está em S. Vicente

Anônimo disse...

Guida:
Hoje já és mulher e mãe. Mas quando nasceste parecias mesmo um coelho ! Mas um coelho lindo ! Quero dizer-te que tens uma grande delicadeza de coração. E bebeste na água da serra essa alma de vicentina ! Tudo se percebe pelo (pouco) que ainda escreveste. Escreve mais, porque escreves, realmente, muito bem.

Beijinhos.

Zé Barroso

Anônimo disse...

O Zé Barroso
é como todos sabem: técnico de máquinas & ferramentes, político e agora está a revelar-se um visinário.
Viu as folhas de oliveira a cruzarem, 5.ª Feira de Ascensão. Viu na pequena Margarida um coelho, como ficámos agora a saber e deve ter visto muito mais coisas, que gostava imenso que ele nos contasse. Fico à espera - FB

Anônimo disse...

Zé Teodoro:
Ainda bem que a andorinha da mina da Barroca fugiu; hoje vemos tudo por outros valores; temos uma sensibilidade diferente, de maior respeito, mesmo pelas outras aves: taralhões, piscos, tordos, mélroas ou melras (mérrolas, no dialecto vicentino !), rabitas, rolas, etc.; mas para apanhar as andorinhas tinha que se ir à noite, às minas, com uma lanterna de pilha, senão elas, pois claro, fugiam...
Um abraço.
Zé Barroso