segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Tardes de Verão


São lindíssimos, os Jardins do Luxemburgo, em Paris. Mais do que o palácio, as árvores e os jardins, chamaram-me a atenção os carrocéis, os passeios de pónei, as esplanadas, o teatro de marionetes e as cadeiras espalhadas por todo o espaço, usadas livremente por quem ali vinha descansar. Um grupo de crianças utilizava-as como balizas de futebol.
Ao percorrê-los, recordei a Praça de São Vicente da Beira, nos finais dos anos setenta.
Nessa década, Portugal atingiu o maior crescimento demográfico alguma vez registado. A emigração abrandara, por força da crise mundial de 1973 e um pouco também pela crença de que a Revolução do 25 de Abril traria tempos melhores. Os soldados tinham regressado da Guerra Colonial e com eles vieram também muitos portugueses que viviam nas nossas ex-colónias africanas.
A nossa terra atingiu, então, o máximo de população que alguma vez tivera ou virá a ter, a curto e médio prazo. A Praça enchia-se de gente. Todas as tardes de domingo pareciam segunda-feira do Santo Cristo. Uns sentavam-se nos muros e outros nos bancos. Crianças corriam de um lado para o outro, andava-se de bicicleta e jovens penduravam um cesto de basquete no ramo de uma árvore e tentavam encestar.
Havia então frondosas olaias em toda a volta da Praça e era à sua sombra que os vicentinos se protegiam do sol quente. Por vezes, uma bola, uma bicicleta ou uma criança chocava com um adulto, ouvia-se um ralho, mas tudo voltava à serenidade de uma tarde estival.
Depois a sociedade tornou-se muito disciplinadora e acabaram os jogos e as bicicletas. E vieram uns jardineiros da Câmara cortar as pernadas das olaias. Deixaram só os troncos, onde, em cada Primavera, rebentavam umas tímidas folhas e flores, insuficientes para abrigar os poucos vicentinos que resistiram ao chamamento das cidades.
Já não são olaias, as árvores da nossa Praça. A sociedade continua demasiado preocupada com a segurança e rareiam ainda as pessoas.
Mas, o tempo que passou, já passou. Não vale a pena olhar para trás. A cada dia, constroem-se novos sonhos e vivem-se outros momentos, também únicos para alguém.

Fotos da Filipa Teodoro

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

As Fontes do Campo

É rica e diversa a natureza em que se insere a povoação de São Vicente da Beira.
A norte ergue-se a serra da Gardunha. A sudoeste fica a charneca, assim chamada por, no passado, ser de matos rasteiros a vegetação que cobria as terras enrugadas da margem direita da Ribeira da Vila (ou Ribeirinha) para o poente. A margem esquerda, a sudeste, tem também o solo irregular, mas aos poucos vai-se alisando e torna-se campo, que se estende, com raras depressões e elevações, até ao rio Tejo.
Esta última zona, situada no sopé da serra, vai da Ribeirinha à Ocresa e foi povoada na época romana. Os muitos achados arqueológicos ali encontrados nunca mereceram o devido estudo, mas a sua abundância permite-nos essa conclusão.
Ficou-nos, desse tempo, a tradição do cultivo da vinha nesta área. A toponímia da zona atesta a existência de vinhas ancestrais: Vinhas, Monte das Vinhas, Alto da Vinha, Vinha do Fojo* e Vinhas de Miguel Vicente.
No século XVIII, há cerca de 250 anos, eram ainda essas terras um enorme espaço baldio, apenas salpicado por algumas propriedades semi-particulares, destinadas ao cultivo da vinha. Os vinhateiros eram donos das vinhas apenas entre o Santiago (1 de Maio) e o São Miguel (29 de Setembro), tempo em que as mesmas ficavam coutadas aos rebanhos. Nos restantes meses, todos eram livres de ali apascentar os seus gados.
O "Tombo dos Bens do Concelho" é um inventário feito aos bens públicos, realizado entre 1767 e 1785, a mando do rei D. José I, por Lei de 19 de Agosto de 1766. Dele já aqui apresentámos a demarcação dos Enxidros e dos Coutos da Vinhas.
Havia nestes Coutos da Vinhas três fontes públicas. A Fonte da Portela servia os vinhateiros e os pastores, mas também os viajantes, pois situava-se na estrada real que unia Castelo Branco ao Fundão e Covilhã, pela Ponte de Santiago, em Cafede, e pelo Alto da Portela ou Portela de São Vicente. Havia ainda um poço e uma poça de água, onde homens e gados podiam livremente matar a sede.
Das três deixamos a descrição, tal como foi registada no tombo de 1767-1785:

Medição e demarcação da Fonte da Portela
«E logo no mesmo dia, mês e ano atrás declarado (dezasseis dias do mês de Novembro da era de mil setecentos e sessenta e sete anos), no sítio da fonte da Portela, pelo dito ministro (o juiz de fora) foi mandado aos medidores medissem a dita fonte e, sendo por eles medida, principiou a medição pelo frontispício*.
Tem de medição quatro varas*, com os batórios*, e de comprimento uma vara e meia*. E o chafariz tem de comprimento uma vara e uma terça* e de largura uma vara menos uma sesma*. E assim a fonte, como o chafariz, que está pegado, é de cantaria.»




A actual Fonte da Portela (fonte e tanque). Comparando o texto com as imagens, conclui-se que a fonte já não tem a forma e a grandeza que teve no passado (além de se encontrar abandonada). O caminho que passa junto da fonte ainda apresenta troços de calçada romana bem conservada.

Medição e demarcação do Poço do Concelho que se acha na vinha de Joam Antunes de Abreu, ferrador desta Vila
«Logo no mesmo dia mês e ano atrás escrito e declarado (3 de Dezembro de 1768), em este dito sítio das Vinhas e vinha de Joam Antunes Ferrador desta vila (...).
Acharam que tinha duas varas de comprido e uma de largo e que era concelhio e o concelho se achava na posse dele.»



As Vinhas do Poço, na actualidade. O poço situa-se a sul (por baixo) da casa.

Medição e demarcação da Fonte da Mó
«…e vindo todos a este lugar nas Vinhas de Miguel Vicente que, no sítio dela, em vinha de Vicente José de Azevedo* desta mesma vila, se acha uma poça de água perene que tem nome de Fonte da Mó, a qual por sumária informação consta ser pública, tanto assim que, pretendendo o dito Vicente José mudá-la, lhe foi impedido pelo povo, constando mais que os ministros que servem nesta vila e seu termo impunham aos vinhateiros de limpar esta fonte ou poça, o Poço do Concelho sito nas mesma vinhas e a Fonte da Portela, pelo que ficava sem dúvida que a dita fonte ou poça era pública pelos públicos cuidados que com ela tinham os magistrados (…).
Tem a mesma a figura de uma poça da qual sai um rego de água (…), tem doze palmos* em circunferência e fica onze varas e meia arredada da estrada que pelo dito sítio das Vinhas de Miguel Vicente passa.»


Vocabulário:
Batório – Banco de pedra, para as pessoas se sentarem e pousarem os cântaros.
Frontispício – Fachada principal; frontaria.
Meia – Metade da vara.
Palmo – O uso do corpo para fazer medições foi anterior ao uso de objectos como a vara. No século XVIII, em medidas oficiais, ainda se usava o palmo para medições lineares em forma de circunfrência. Usou-se nesta poça de água e, na mesma época, também para medir a grossura (o perímetro) das colunas que sustentam o coro da Sé de Castelo Branco.
Sesma – A sexta parte da vara.
Terça – A terça parte da vara.
Vara – Antiga medida de comprimento, correspondente a 5 palmos. A vara traçada na porta oeste da muralha de Sortelha mede 1,1 metros. A vara era a unidade das medidas lineares usadas antes da introdução do sistema métrica, que ocorreu no início do século XIX, logo após as Invasões Francesas. Aliás, o sistema métrico decimal é uma criação da Revolução Francesa.
Vicente José de Azevedo – Vicente Joze de Azevedo Lemos Monforte e Andrade era filho de Manoel de Andrade Azevedo Monforte e de Maria de Lemos Franca, falecida a 28 de Fevereiro de 1766. Vicente Joze de Azevedo era cavaleiro da Ordem de Santiago. Em 1779, estava casado e tinha 3 filhos. A sua esposa era dos Escalos de Cima. Morava na Rua do Convento. Foi procurador do povo, em 1767. No dia 31 de Dezembro de 1775, substituiu o juiz de fora, como juiz vereador. Tinha um lagar de vinho na Vila, em frente da sua casa. Era dono do Caldeira, formado por um chão e um souto. No ano de 1762, a suas propriedades estavam avaliadas em 6.000 cruzados, mas, em 1781, a sua fortuna já subira para 10.000 cruzados (1 cruzado = 480 réis).
Vinha do Fojo – Actualmente, chama-se àquele local Vinhas do Poço e não do Fojo. Terão os militares que fizeram a carta percebido mal o nome ou Vinha do Fojo é um nome ainda mais antigo do que Vinhas do Poço? Um fojo era uma armadilha para apanhar os lobos, como já informámos na publicação de 8 de Julho de 2009.


Pormenor da Carta Militar n.º 268, apresentando a zona dos Coutos das Vinhas, onde se situavam as três fontes referidas. O sítio de Miguel Vicente ainda hoje mantém esse nome e situa-se por baixo da Oles, talvez no local indicado como Monte das Vinhas ou muito próximo dele. Clicar na imagem, para ver melhor.

sábado, 14 de agosto de 2010

Casal da Serra


Mós do antigo lagar de azeite.


Casa dos Serviços Municipalizados de Castelo Branco, de apoio à exploração de águas, através da barragem e de minas. Foi projectada pelo arquitecto Salles Viana, também autor do projecto do edifício do Banco de Portugal, em Castelo Branco. Estas obras (barragem, minas e casa) datam da segunda metade da década de 30 e dos anos 40 do século passado.


Rota da Gardunha.


Casa com balcão e pereira, mas sem pessoas. No Cavaco, a meia altura entre o Casal e os cimos da Gardunha.


Botelha porqueira pendente para a rua.


Leirão de milho e leira de feijão rasteiro, nas margens da Ocresa, junto ao antigo lagar.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Ruralidades

Um passeio ao Castelo Velho é um manancial para os Enxidros.


O pinheiro adaptou a raiz ao espaço entre duas rochas. Depois, o fogo queimou-o, o vento derrubou-o e o frio conservou-o. Está no "caminho" de acesso ao Castelo Velho.


Leirões de centeio à beira da estrada para o cume da Gardunha, pouco antes do entroncamento para o Castelo Velho. Quem semeou o pão, não o veio recolher.



Curral de gado encostado a um penedo. À esquerda está a parte telhada e à direita a cerca. Situa-se entre a estrada para o cume da serra e o caminho para o Castelo Velho.
Esta zona, na base da penedia onde se situa o Castelo Velho, também se designa por Castelo Velho. Francisco Teodoro, primo do meu pai (António Teodoro), morador no Casal da Serra, tratou durante anos a fazenda situada próximo deste curral, a que chamava Castelo Velho.



Bonsai de carqueija (carqueja), no alto de um penhasco. Zona da Baldaia.


A casa do guarda florestal, há muito desocupada. No entroncamento da estrada do Louriçal para o cume da Gardunha com o caminho florestal para o Casal da Serra (há dois caminhos, este é o de cima).

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Gafanhotos 4

Havia dezenas de gafanhotos no caminho para o Castelo Velho.


Este veio a correr, para comer os restos do caroço de uma ameixa. Havia outros junto a fezes de animais. Muitos lutavam entre si e presenciámos o resultado de uma das lutas: o vencedor devorou o vencido.
Na serra, a seca vai adiantada e os gafanhotos parecem andar esfomeados e com sede.





E isto? Será que os gafanhotos completaram o seu ciclo de vida e estão a deixar os ovos no saibro do caminho? A ser verdade, estou enganado na minha convicção de que estes gafanhotos juvenis vão evoluir para gafanhotos adultos com asas. Será uma outra espécie?

domingo, 8 de agosto de 2010

As rochas da Gardunha

«Serra da Gardunha: um colosso de granito que se ergue abrupto sobre o vasto plano de Castelo Branco, atingindo 1227 metros na sua maior altitude. Rodeada de um anel de pinhal até aos 800 m de altitude, os seus cumes despidos lembram castelos arruinados. São frequentes estas acumulações de blocos graníticos “in situ” respeitando o sistema de fracturas que lhes dão origem, conhecidos individualmente como Tor. Por entre estas torres naturais existem algumas nascentes que fazem da Gardunha um espaço reconfortante pelo constante ruído da água a correr, cuja pureza é reconhecida pela qualidade das águas de mesa que aqui são exploradas.
O Cabeço do Galo, no alto do Castelo Velho, surge como uma janela que atravessa um grande bloco granítico. Este e outros geossítios interessantes, como por exemplo, a pedra bolideira, as gnammas ou pias, assim como a bola granítica com fracturação poligonal e o bloco fendido (classificados como Imóvel de Interesse Municipal), podem ser observados através da realização do percurso pedestre PR1 –Rota da Gardunha...»
Do site: http://www.naturtejo.com/conteudos/pt/geo_sitios_7.php















sábado, 7 de agosto de 2010

Regresso ao Castelo Velho


O António é um apaixonado pelas coisas do passado dos homens. Por isso, não podia deixar que regressasse à selva urbana das Lisboas sem o levar ao Castelo Velho.
Fomos hoje, sábado, com uma previsão a ameaçar 38º graus.
Era ainda noite, quando parti de Castelo Branco. Da A23, à esquerda, estendia-se o breu da noite, salpicado de luzinhas distantes. Céu e terra, a mesma negrura, separados pela fila ondulada das luzes vermelhas dos aerogeradores.
Entre o nó da Lardosa e o Louriçal, à direita o horizonte clareava, mas à esquerda continuava negro. Um mocho atrasou-se a sair do alcatrão, foi por pouco. Logo depois, uma lebre saltou da berma, mesmo quando eu ia a passar, mas estancou a tempo.
Casal da Serra, 6.10h. Ponto de encontro e partida. Amanhece. Está abafado, a terra sente-se quente, nem uma brisa!
Passamos a casa alpina de Salles Viana e contornamos a serra, sempre a meia altitude, em direcção a Castelo Novo. Às sete horas, levanta-se finalmente o vento, no seu trabalho de misturar o ar frio dos altos com o ar quente dos baixos. Já não era sem tempo! Vai refrescar-nos até ao regresso, já perto do Cavaco.
Encontramos dezenas de gafanhotos no saibro do caminho, admiramos os bonsais nas rochas e encantam-nos a formas das pedras, cada um a ver nelas coisas diferentes. Paramos constantemente, para gozar cada pormenor. As crianças ajudam-nos a redescobrir o que já esquecemos.
A chegada ao talefe do Castelo Velho faz-se aos ziguezagues e a pulso. Transpomos as muralhas derramadas pelo declive, contornamos penedos, puxamos uns pelos outros. No alto, o fresco da ventania e a planície aos nossos pés!
Falamos dos castros do anel montanhoso que fecha o horizonte e relembramos a batalha da Oles, a ajuda dos nossos antepassados a D. Afonso Henriques, a fundação de São Vicente e a construção dos castelos preventivos no Louriçal e em Castelo Novo.
Lanchamos e regressamos. Já são dez horas!
A descida custa mais do que a subida. A brisa fresca ficou lá pelos altos e o areão do caminho ameaça-nos com uma escorregadela. Chegamos, vermelhos como tomates, o Augusto às costas do pai. Mas sem pressas, com medo de esquecer o gosto que nos ficou do sabor das coisas que valem a pena.


A razão desta aventura.


Um sobrevivente. Ao fundo, à esquerda, o Castelo Velho.


«- Encontrei um pedacito da muralha ainda intacto!»

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Cavalos de lista


O Cavalo Sorraia
Em 2005, durante o trabalho de investigação sobre as invasões francesas, o qual culminou na publicação, no ano seguinte, do livro “O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular”, deparámo-nos com referências a éguas de lista.
Foram seis os equinos que os habitantes deste concelho tiveram de entregar aos franceses, em Dezembro de 1807. A documentação informa-nos sobre três éguas de lista, duas de Tinalhas e uma do Sobral. Dos restantes equinos, não foi especificada a raça, mas é provável que alguns outros também fossem de lista.
Na altura, falei com um veterinário, questionando-o sobre essa espécie de cavalos. Ele disse-me que era uma raça que existira antigamente. Eram cavalos zebrados, por terem listas escuras no corpo.
Fiquei sem saber mais nada, até ao passado dia 10 de Junho de 2010. No site do jornal Público (http://www.publico.pt/), encontrei uma notícia, com vídeo, sobre o cavalo Sorraia, a propósito do Ano Internacional da Biodiversidade.
O vídeo continua disponível e pode ser encontrado no site do jornal, à esquerda, clicando em “Vídeos do Público”. A não perder, para conhecer melhor o nosso património natural e histórico.


Esta pintura e a do alto são de uma gruta em Laucaux, no sudoeste da França, e representam cavalos pintados há cerca de 17 mil anos. Estes cavalos de Lascaux seriam muito semelhantes aos antepassados do cavalo Sorraia. Pelo menos assim me parecem, pela imagem que tenho de alguns cavalos desta raça que vi na Coudelaria de Alter do Chão.
´




Estas duas fotos apresentam cavalos de raça Sorraia. Na primeira, são visíveis as listas negras no pescoço. A segunda mostra bem a lista negra no dorso do animal, da cabeça à cauda.