domingo, 30 de abril de 2017

1.º de Maio


A imagem não tem qualidade, mas, pela foto de Mário Soares a chegar de Paris e pelo subtítulo, 
a notícia será de um dos dias entre 25 de Abril e 1 de Maio.
No 1.º de Maio comemoram-se as lutas pela jornada 8 horas de trabalho, 
iniciadas em Chicago e duramente reprimidas.
Em Portugal, essa conquista só chegou depois do 25 de Abril, assim como o feriado.
Para se ter uma ideia da situação do mundo do trabalho, num país com o catolicismo como religião oficial do Estado, foi necessário chegarem ao poder os "hereges" republicanos (1.º República, 1910-1826), para que os trabalhadores conseguissem o direito ao descanso semanal (ao domingo).
Por isso, o feriado do 1.º de Maio encerrada uma simbologia muito forte!
E por isso não irei às compras amanhã, seria uma falta de respeito pelos trabalhadores que iria encontrar. Já basta a sofreguidão com que as entidades patronais tentam desregular a vida familiar dos seus empregados, não é preciso que eu alinhe.

Depois de Abril, lembro-me que colaborei nas comemorações do 1.º de Maio, em São Vicente: jogo de futebol e convívio entre solteiros e casados.
Essas comemorações mantiveram-se no Clube dutrante anos. 
Nunca lá pus os pés, pois para o meu pai o feriado era a altura ideal (tal com o do 25 de Abril) para fazer as lavras e as sementeiras no Ribeiro de Dom Bento e na Horta de Estêvão.
Nos anos em que estive no Clube, ajudava a organizar as coisas, 
mas depois ficava-me pelos restos (os sons) que chegavam às Quintas.
Naquela altura ficava revoltado, mas agora, sempre que é Abril ou Maio, apetece-me ir para lá.
Foi o que fiz este ano no 25 de Abril, mas amanhã não, vou com amigos a Malpica, lembrar o Zeca Afonso.


Catarina Euifémia foi assassinada numa greve pela jornada das 8 horas.

José Teodoro Prata

sábado, 29 de abril de 2017

Maio, Maduro Maio


Na segunda, dia 1.º de Maio, voltaremos a Malpica do Tejo, para ouvir João Afonso e Francisco Fanhais, na festa anual a José Afonso.
José Teodoro Prata

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Liberdade

As manas viviam em Lisboa, tinham vivido a revolução do 25 de Abril e vinham cheias de ideias revolucionárias. O povo enfim livre, dava liberdade ao pensamento e eufórico, enchia as paredes de frases revolucionárias. Elas tinham vindo às festas do Verão.
Nessa altura, as casas eram caiadas e viviam-se as festas com tudo a que se tinha direito: as cerimónias religiosas, a música todo o dia e os concertos de bandas ou artistas, na praça à noite, as barraquinhas cheias de novidades e a verbena com muito artigo para leiloar, o fogo de artifício, os bombos e a alvorada bem forte, na madrugada no dia do Senhor Santo Cristo.
Durante os dias da festa, havia rancho melhorado: matava-se o borrego ou o cabrito que tinha sido criado para esse fim. As famílias recebiam os entes queridos que viviam fora e confraternizava-se.
Também na Tapada, a casa foi caiada de alto abaixo. Sobrou alguma cal. Então as manas lembraram-se de imitar os revolucionários e toca de começar a escrever na parede de trás da casa, que dava para a quelha e na parte lateral, ainda rebocada a cimento tais como:
“Independência da Tapada D. Úrsula”, “ Viva o 25 de Abril”, “PCP” com a foice e o martelo, “Spínola Traidor” e “Nacionalização dos Figos do Padre Velho” - havia e ainda existe uma figueira que dá figos brancos pingo de mel que estava num terreno que era do Padre Tomás, mesmo a cair para a quelha. Os figos eram sempre comidos por nós e por quem passava. Mas, naquele ano, alguém se lembrou de comprar os figos, para poder ter exclusividade na apanha dos mesmos, o que nos causou um grande constrangimento e revolta.
Quando o nosso pai chegou a casa, ficou abismado e arreliado com o nosso atrevimento. Um homem honrado, assim como a família, a ser comentado pelas bocas dos vizinhos? O que é que as pessoas haviam de pensar de tudo aquilo? Então não esteve com meias medidas. Era preciso apagar tudo ou não haveria festa para ninguém. Ficámos aflitas. Tínhamos de caiar as paredes todas para apagar tudo, mas não havia mais cal. Era sábado à tarde e as lojas já tinham fechado. No domingo, ninguém saiu de casa. Mas na segunda-feira, dia mais rijo das festas, as lojas abriam de manhã. Era preciso ir comprar mais cal e ficou decidido que iria eu. Todo o caminho fui apreensiva. Entrei na loja do sr. Joaquim Boas-Noites e envergonhada pedi a cal, sempre a pensar o que é que o homem havia de achar de andar a caiar num dia santo como aquele.
Mas o sr. Joaquim Boas-Noites, homem solícito e de poucas falas, lá foi buscar a cal sem comentários. Quando cheguei a casa fomos caiar as paredes, mas a cal estava fraca e não ficou um trabalho exemplar, pois ainda se ficou a perceber o que estava escrito por baixo, durante muitos anos e até há bem pouco tempo, agora que a minha irmã já recuperou a casa.

Tina Teodoro

terça-feira, 25 de abril de 2017

25 de ABRIL

No verão de 1974, fui com uns amigos acampar para a serra da Estrela, no final do ano letivo. Nesse tempo fazia-se campismo na Nave de Santo António. Até lá existia uma capela onde se dizia missa nos domingos. Mas além de uns chuveiros e umas torneiras, não havia mais nada. Era campismo selvagem, como agora se diz, mas a Nave ficava cheia de gente, talvez milhares.
À noite, fomos surpreendidos por magotes de gente que percorria o acampamento a cantar esta canção. De facto, ela resumia tantos anos de luta e sacrifícios dos operários da zona da Covilhã! 



Não era esta que eu procurava, mas achei-a e não resisti, é um portento!
Poema e voz de Manuel da Fonseca, cantada por Vitorino.
Atentem bem na letra.
Um hino aos desprezados de todos os tempos!



José Teodoro Prata

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Moinho de mão

Penso que no passado lhe chamávamos atafona.
O grão do cereal colocava-se no buraco do centro e os orifícios laterais serviam para encaixar algo em que se pegava para mover, à mão, a mó de cima, chamada galga. A farinha saía pelo buraco lateral, à direita.
O sr. Zé Ar (José Duarte?) contou-me um dia que havia uma atafona (chamou-lhe zangarra) na casa onde morava, na Rua da Costa. Já lá estava quando ele comprou a casa.
No século XVIII, existiam duas atafonas em Tinalhas, uma na Rua do Cabo e outra na Praça. Talvez fossem maiores e por isso movidas por animais.
Esta encontrei-a, no Restaurante O Lagar, no Estreito da Câmara de Lobos, Madeira. Mas nas nossas terras haveria muitas, utilizadas ainda nos inícios do século XX.

José Teodoro Prata

sábado, 22 de abril de 2017

Alcunhas 2

Já lai vai mais de um ano que o Zé Barroso publicou aqui no blogue um artigo com as alcunhas usadas na nossa terra. A lista foi sendo completada por vários colaboradores e, no final, já tinha mais de trezentas.
Uma das perguntas que se colocou na altura foi o que fazer a seguir. Parece que não se chegou a nenhum consenso, mas penso que era interessante escrever-se uma pequena história sobre a origem de cada uma. Algumas são tão óbvias que pouco há a dizer; outras perderam-se no tempo e já ninguém se lembrará da sua origem; mas muitas terão por trás episódios interessantes e engraçados.  
Acho que vale a pena tentarmos. Para já, aqui fica a minha colaboração, incluindo também algumas alcunhas da Partida que acho deliciosas:

O Mil Homens
Quando andava na escola todos me chamavam a Mil Homens. Eu ficava muito envergonhada porque achava que era um nome muito feio.
Só mais tarde é que fiquei a saber a origem daquela alcunha e a partir daí senti sempre um orgulho muito grande nela: O meu avô andou na Guerra e quando regressou foi recebido como um herói; mas vinha tão traumatizado que não conseguia falar noutra coisa que não fosse naquilo que por lá passou. Todas as conversas iam dar ao mesmo: as muitas tropas do seu batalhão; os muitos homens nas trincheiras; os muitos mortos pelo chão. Referia-se sempre a eles utilizando a expressão «Mais de mil homens!» um número que ele, analfabeto, achava ser o maior para definir todas as atrocidades que por lá viu e dificuldades que passou. Por causa disto puseram-lhe o Mil Homens e, a partir daí, toda a família ficou conhecida por essa alcunha, até hoje.

O Quinta Casa
Antigamente também não havia grandes farturas na Partida, mas quase toda a gente tinha um bocadinho de terra para tratar uma horta. E havia por cá até algumas casas ricas, com bons lameiros, olivais, terras de pasto e de pinhal que chegavam para eles, para vender e davam trabalho a muita gente.
Um dia o Ti Manuel Lopes pôs-se a deitar contas ao que cada um tinha e, lá para com os seus botões, ia sentenciando qual era a casa mais rica, e a que vinha a seguir, e por aí fora até chegar à dele que, pelas suas contas, estava em quinto lugar. Começou então a gabar-se, para quem o queria ouvir, que a quinta casa maior da Partida era a dele.
A partir daí todos começaram a chamar-lhe o Quinta Casa.

O Conde Caniço
Também tinha muito de seu, o Ti Domingos Nunes. Entre as várias propriedades que possuía, também era dele o Caniço, uma das melhores terras da Partida. Tinha tanto orgulho naquela propriedade que não se calava: «O meu Caniço é a melhor terra que aí há. Nem o conde!».
Tanta vez repetiu aquilo que começaram a chamar-lhe o Conde Caniço.

O Mata Nosso Senhor
Morava no Casal, o João Teodoro. Um dia deu-lhe a preguiça e atrasou-se para vir para a escola. Com medo de apanhar alguma reguada veio o caminho todo a correr até à Vila. Quando chegou à Praça e viu que já toda a gente tinha entrado, correu tanto que até parecia que vinham atrás dele.
Nesse dia o Ti António Mosca andava a podar as olaias e quando o viu naquela pressa, para brincar com ele, desatou a berrar lá de cima da escada: «Agarrem-no! Agarrem-no que foi ele que matou o Nosso Senhor!».
O cachopinho desatou a correr ainda mais e a partir desse dia toda a gente começou a chamar-lhe o Mata Nosso Senhor.

O Nita
Morreu cedo, a mulher do Ti Francisco Candeias, e quem lhe valeu para o ajudar a criar os três filhos, todos ainda crianças, foi a Ti Rita do Manha, tia dos meninos por parte da mãe.
O João, que era o do meio, não saía da casa da tia que o tratava como a um filho e ele também se afeiçoou muito a ela. Mas, como era ainda pequeno e tinha dificuldade em falar, não conseguia dizer o nome dela e, em vez de Rita, chamava-lhe Nita. Foi daí que começaram a chamar-lhe o João Nita.

O Caneco
Era ainda criança e a mãe já o mandava a levar o jantar ao pai quando andava por dia. Uma vez passou por um homem que viu que ele ia todo derreado com a cesta e disse-lhe assim:
- Ó cachopo, olha que tu endireita-me bem a cesta, que ainda entornas o jantar ao teu pai!
- Não entorno não senhor, que hoje até cá levo um caneco de vinho!
Foi quanto bastou para começarem a chamar-lhe o Emílio Caneco…

M. L. Ferreira

quarta-feira, 19 de abril de 2017

O guião do amor

MORTE MATRIS

Disseram-me que faleceste,
Mãe!
Venho pela estrada, veloz,
Anseio fútil.
Coração a saltar do peito,
Com uma súplica nos lábios,
Prece inútil!
Já estás, inerte, deitada no teu leito
E não proferes qualquer palavra,
Quando tanto precisava,
Nesta minha angustiada hora!
Ao despedir-me de ti, da última vez,
Ainda te vi o sorriso e a luz branca do olhar!
E, decerto, ainda me iludo agora,
Pois pareces tão calma e serena!
Porém, como o rigor dessa quietude
Te roubou a suavidade
Da frágil linha da tua face amena.
Estás tão terrificamente imóvel,
Mãe!
Que te fez a realidade severa da morte,
Que te tornou o traço imperturbável
E o rosto tão estranho e reto?!
Ainda estás aqui comigo e já não te conheço,
Porque não mostras mais o jeito amável
Do antigo afeto.
Como vou eu suportar a vida
Desta punição profunda, perpétua, dura
E o sofrimento que tu me deixas,
Com esta ferida,
Sem o bálsamo da tua ternura?
No entanto,
Sei que me podes ouvir no etéreo ignoto,
Aos viventes não permitido.
Percebo que estás aí,
E, todavia, não sei em que lugar!
Mas pressinto-te!
Espera, dá-me a tua mão,
Ensina-me a andar,
Porque não sei o caminho.
Sim, guia-me pela estrada,
Como a ave ensina os filhos a voar ao sair do ninho.
Sempre o fizeste, como ninguém,
Com abnegação, trabalhos e dor!
Assim! Vês?!
A Morte não pode mais que o Amor,
Mãe!

Joaquim Benedito

terça-feira, 11 de abril de 2017

Os Passos do Senhor

O entrudo pregou uma valente partida aos foliões, a neve caiu durante uma boa parte do dia, a contra dança não pode actuar, só os mais afoitos se aventuravam nas ruas por culpa da neve. A paisagem imaculada era um regalo para os cachopos, de vez em quando ouvia-se um som estridente era a pernada de uma oliveira, de um castanheiro…não aguentavam o peso e partiam.
Chuvosos e frios foram os quarenta dias da quaresma.  
O entrudo estava borralheiro, assim como o natal deve ser passado em casa, o entrudo ao borralho para que a páscoa possa ser vivida na praça. Não só na praça, mas nas ruas acompanhando o compasso. O povo cantava, o tilintar da campainha anunciava o local onde andava o senhor vigário a distribuir as boas festas aos paroquianos. A imagem florida do crucificado era transportada pelo sacristão; à porta, o dono da casa esperava o Senhor.
- A paz esteja nesta casa; aleluia, aleluia… com o aspersório aspergia os presentes e seguia em direcção a outra morada.
A procissão dos terceiros, não se realizou, culpa do tempo; a água caia a cântaros, a ribeira ia de mar a monte cobria as passadouras, os vicentinos que moravam na outra margem tinham que dar a volta pela estrada, era impossível passar, um morador mais afoito aventurou-se e à medida que saltava de uma para a outra …dizia baixinho.
- Deus é bom, mas o diabo também não é mau; Deus é bom… quando se apanhou no outro lado, mandou o diabo para as malvas.
Não era uma ribeira, mas um rio, a água invadiu os lagares, muitas paredes caíram, “muitas borregas”; camponeses suplicavam ao Senhor Santo Cristo para que a chuva parasse, não estava capaz de se fazer fosse o que fosse nas terras, entrar nelas era uma aventura.
Um campónio tentou atravessar um leirão por pouco não ia sendo engolido pela terra lamacenta, a sorte foi um pastor que andava perto ouvir gritos aflitivos.
- Acudam, socorro…
Correu em direção ao chamamento, quando chegou ao local, no meio do leirão enterrado até à cintura José do cabeço esbracejava, imediatamente lhe atirou a corda que sempre o acompanhava para levar uns chamiços à noite para casa; José agarrou-a, salvando-se.
No domingo seguinte ajoelhado em frente ao altar do Senhor Santo Cristo com velas acesas rezou, agradeceu.
Como a terra estava mole muitos pinheiros caiam, as sementeiras primaveris não se podiam fazer, os animais não saiam da corte, as tabernas estavam cheias de fregueses; uns jogavam às cartas, outros ao nôcho, ao burro, o vinho escorria goelas abaixo.
- Bota aí dois copos, quero daquele pipo além.
- Aquele não; ainda não o baptizei…
Fregueses bebiam, falaçavam, jogavam, de vez em quando; culpa dos vapores do etílico, alguns desatavam num berreiro tremendo, nascia uma escaramuça, agarravam-se, esbofeteavam-se, quando chegava a guarda tudo estava normal, os desentendidos bebiam e conversavam como se nada se tivesse passado.
A chuva caia, as ruas pareciam ribeiros, o tempo não melhorava, antes pelo contrário.
Deu tréguas a chuva no domingo de Ramos. O sol rompeu as espessas nuvens a tarde compôs-se. À medida que se aproximavam as cerimónias da semana santa o tempo ia melhorando, a lua quase cheia iluminava a noite.
Iniciavam-se quarta-feira as cerimónias da semana maior.
A seguir ao domingo de Ramos em que Cristo foi aclamado pelas pessoas, as autoridades do tribunal judaico talvez por ciúme, inveja… reuniram para combinarem a morte de Cristo.
Uma mulher chamada Maria comprou um perfume muito caro e com ele perfumou os pés de Jesus. Judas, era o tesoureiro da comunidade dos apóstolos, não achou graça àquele gesto.
Nada satisfeito com a acção de Maria, abandonou os companheiros encaminhando-se para o Sinédrio e combinou com as autoridades que entregaria o Mestre em troca de dinheiro.
Era a semana maior dos cristãos; as cerimónias começavam quarta-feira com a realização das trevas.
Num local destacado encontra-se um grande tocheiro triangular “ver no coro da igreja da misericórdia”; com velas acesas, à medida que os senhores padres vão recitando salmos, sacristão; vai apagando uma a umas todas as velas até o templo ficar completamente às escuras; as trevas cobriram a terra; do coro surge um grande barulho, recorda o momento em que morreu Cristo, o som barulhento continua, faz lembrar o terramoto que se seguiu à morte de Jesus. Na quinta-feira santa, finda a procissão a praça e as ruas enchem-se de gente.
O sermão do Exe Homo foi escutado atentamente pelos fiéis que lotavam completamente a igreja.
À semelhança dos anos passados paroquianos de todos os lugares vinham à vila para fazerem a desobriga e participarem nas cerimónias religiosas.
Findo o sermão do Senhor da Cana Verde os fiéis deixavam a igreja e cada um seguia para suas casas, seus lugares.
Sacristão fechou as portas, apagou as velas e saiu.
No coro um cachopito dormia na paz dos anjos; mal abriu os olhos vendo-se no meio da escuridão começou num berreiro aflitivo, subiu as escadas da torre a tactear, gritava, fungava…
A aurora aproximava-se; um ganhão ao atravessar a praça ouvindo gemidos teve medo e fugiu, aconteceu o mesmo com outras pessoas.
- É uma alma do outro mundo, diziam. A criança continuava a chorar e a fungar. Só pela madrugada quando o responsável pela manutenção do relógio subiu as escadas da torre para lhe dar corda, o resgatou.
A manhã de sexta-feira santa estava criadora; depois da tempestade, vem a bonança. António juntamente com alguns ajudantes dirigiu-se ao calvário para colocar o Cristo na cruz, feito o trabalho passam dois garotos que moravam no Casal param, fixam os olhos na imagem, António com ar doutoral e sério voltando-se para um deles disse:
- Ó meu malandro; foste tu que mataste o Nosso Senhor!
- Não fui eu não senhor, foi o meu primo.
Desatou num berreiro correndo juntamente com o primo em direcção ao Casal. António já faleceu, Mata Nosso Senhor ainda está entre nós graças a Deus. A partir daí começou a chamar padrinho ao meu pai.
O martelo sineiro batia duas badaladas, o povo acotovelava-se para participar na procissão do encontro, Senhor dos Passos tinha acabado de sair da Igreja da Misericórdia, a banda toca os primeiros acordes da paixão, os mesários cada um com sua vara orientam a procissão, janelas e varandas estão cheias de gente querendo ver o préstito.
Na Fonte Velha padre Leal com seu vozeirão forte toca o coração das mães que tinham seus filhos no ultramar, lágrimas, choro…A Senhora do Pranto acompanhada pelo São João saem da Rua das Laranjeiras e juntam-se ao Senhor dos Passos; Verónica limpa a cara ensanguentada mostrando aos fiéis o rosto de Cristo que ficou marcado no pano, as três imagens sobem a Rua da Costa em direcção ao calvário, Senhor da Paixão entra sub-repticiamente na capela de Santo António, os andores da Senhora das Dores e do São João sobem as escadas do monte Gólgota atrás do pano preto são colocadas, a banda termina a função, padre Leal dá início ao sermão do calvário.
- Meus irmãos; Cristo acaba de percorrer as ruas da vossa terra, neste momento chegou ao monte calvário, passou uma noite terrível, no jardim das oliveiras até os apóstolos O abandonaram, Judas traiu-O, Pedro renegou-O.
Judas manifestou o seu arrependimento enforcando-se numa figueira; Pedro puxou da espada e cortou uma orelha a Malco para defender o Mestre; Jesus repreendeu-o e voltou a colocá-la. Antes que o galo cante três vezes tu me trairás.
- Mestre; nunca. O galo cantou, Pedro arrependeu-se e chorou amargamente.
Pilatos lavou as mãos, não encontrava nada que pudesse condenar aquele inocente.
A multidão gritava:- cruxifiquem-no, cruxifiquem-no…
- Eis nosso Salvador.
- Pai, perdoai-Lhes porque não sabem o que fazem e expira.
O Céu tolda-se de nuvens escuras, trovões fortes…o bombo da banda troa fortemente imitando o ribombar da trovoada, as pessoas respeitosamente ajoelham.
Sentado no muro do quintal da Ordem Terceira um garoto do Casal da Serra, “era a primeira vez que assistia à cerimónia” desata a chorar saiu a correr cheio de medo, a mãe coitada muito aflita foi atrás dele e lá o acalmou.
Há cerca de cinco ou seis anos no mesmo local a minha neta; sete aninhos voltando-se para a avó.
-Avó, aquilo é verdadeiro ou é a fingir?…
Olhem; sabem que mais! Muitas graças a Deus e poucas graças com Deus.


J.M.S

Boa Páscoa!

Com a nossa doçaria...



...as flores da quadra...



...e o nosso património religioso.




E claro, o fundamental: familiares e amigos!
José Teodoro Prata

domingo, 9 de abril de 2017

Arqueologia no adro

O espaço já está limpo e estão a decorrer trabalhos de levantamento arqueológico.
São visíveis vestígios de atividade humana um pouco abaixo do nível das ruas.
Aguardemos por notícias.

José Teodoro Prata

sábado, 8 de abril de 2017

Ordenanças

Os registos de casamento abaixo apresentados referem os nomes do comandantes do concelho de São Vicente da Beira, nos inícios do século XVIII
O 1.º, de 1705, apresenta o casamento do vicentino Manuel Lopes e de Mariana Gracia, natural de São Romão. Este Manuel Lopes tinha ainda Guerra como apelido e foi avô de Benedita Simões, fundadora da Casa Cunha. Uma das testemunhas deste casamento foi o Sargento-mor António Nogueira. O nosso concelho tinha 5 capitanias: Louriçal, São Vicente, Sobral, Ninho + Freixial e Tinalhas. Juntas formavam a Capitania-mor de S. Vicente da Beira e o sargento-mor era o segundo oficial mais importante.
O 2.º, de 1706, documenta o casamento do Capitão Francisco Luís Esteves, de Peraboa, com a vicentina Maria Vaz Neves. Não é claro que ele fosse, na altura do casamento, capitão na capitania de São Vicente, mas foi mais tarde capitão-mor da nossa capitania-mor.
0 3.º, de 1705, refere o casamento do viúvo Manuel Pestana e da viúva Catarina Antunes, ambos vicentinos. Foi testemunha o capitão-mor Francisco de Brito Fragoso, portanto o comandante militar máximo do concelho de S. Vicente da Beira.



José Teodoro Prata

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Na casa Hipólito Raposo


Espreitando pela janela da casa ao lado.


No quintal.


No jardim, mais de perto.
A camélia não sobreviveu às obras.

José Teodoro Prata

terça-feira, 4 de abril de 2017

O tesouro da Partida

Há muitos anos vivia na Partida uma família a que chamavam “As Mari’ Joanas”. Eram duas irmãs solteiras que viviam com o pai, e já naquele tempo eram consideradas das pessoas mais abastadas da terra.
Um dia, já rente à noite, bateram-lhes à porta. Estranharam a hora, mas foram assomar à janela e viram dois homens, cada um com sua mula pela mão, que disseram ser almocreves. Pediram que lhes dessem alguma coisa que cear e os deixassem dormir por uma noite, que vinham com fome e cansados do muito caminho que tinham andado. E que não tivessem medo, que tinham com que pagar o comer e a dormida.
Fazendo justiça à fama da hospitalidade das gentes da terra, as duas irmãs prepararam logo ali num instante uma bela sopa de couves temperada com um bom naco de presunto. Os viajantes comeram-na tão sôfregos e calados que até parecia que não comiam há uma semana. Entretanto foram fazer as camas com os melhores lençóis de linho que havia na casa.
Depois de comerem, os viajantes levantaram-se da mesa e disseram que queriam fazer contas. O dono da casa bem disse que não senhor, que as contas se faziam de manhã, e que ficassem mais um pouco para dois dedos de conversa e a reza do terço. Disseram que não, que tinham que abalar de manhã cedo, antes do nascer do Sol, mas antes agradeciam muito que lhes indicassem para que lados era um sítio, ali nas redondezas, que dava pelo nome de Porto, e qual era o melhor caminho para lá chegarem.
O dono da casa achou estranha a pressa dos dois homens em abalar, mas desconfiou ainda mais da curiosidade deles em saberem onde era o tal lugar. Não pregou olho em toda a noite, a pensar no caso e à escuta de qualquer barulho, não fossem eles abalar sem ele dar conta. Já agora não queria perder a partida de tão estranhos hóspedes e ver se tirava a limpo as intenções que os trazia a vaguear por aquelas bandas.
Ainda o dia vinha longe, sentiu o ranger das tábuas. Deviam ser eles a levantarem-se, e ficou à escuta. Mal ouviu a porta da rua a ranger, pôs-se a pé e foi espreitar. Viu-os a descer a rua, cada um montado na sua mula. Nem se preocupou de estar em camisa de dormir e barrete na cabeça; enfiou só as botas nos pés e foi atrás deles. Quando chegaram lá ao sítio, viu-os parar e pôs-se à espreita, um pouco mais longe, a ver o que é que eles faziam. Nem queria acreditar quando os viu a encherem umas sacas e a carregarem uma das mulas com elas. Aproximou-se mais e viu que eram moedas de ouro o que estavam a ensacar. Assim que o viram, os dois homens voltaram-se para ele, zangados:
            - Se não tivéssemos comido ontem à sua mesa e dormido nos seus lençóis, era hoje aqui o fim da sua vida. Mas, assim sendo, nós já cá levamos o nosso quinhão; ainda aí fica esse pote, acabe vossemecê de o rapar.
O homem não perdeu tempo e, tão depressa quanto pôde, apanhou as moedas que restavam no fundo do pote e encheu o barrete com elas. Correu depois para casa o mais depressa que as pernas deixaram, não fosse alguém dar por ele, e foi contar às filhas o sucedido.
Se já eram abastadas, as Mari’Joanas ficaram ainda mais ricas. Quando morreram, como eram solteiras e nem sobrinhos tinham, quem herdou tudo foram os primos Fernandes. Vem desses tempos a fama, e só eles sabem se o proveito, de serem das famílias mais ricas da terra.


M. L. Ferreira

domingo, 2 de abril de 2017

No adro da Igreja


Era assim.


Primeiro tirou-se o chapéu...


...e depois quase todo o resto.


Falta pouco para concluir a limpeza.

José Teodoro Prata
Fotos da Libânia Ferreira e do José Teodoro