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sábado, 29 de março de 2025

Alheiras e brincadeiras

A matação tinha, no nosso passado, uma dupla função: económica e social (Albano Mendes de Matos, “A Matação na Gardunha”. 2007). Económica, pois garantia às famílias a proteína para alimentar os corpos ao longo de todo o ano; social, porque era uma reunião de família e até agregava amigos e vizinhos mais chegados.

A interajuda era por isso uma constante, começando na véspera da morte do animal e prolongando-se pelos dias necessários, até o fumeiro estar repleto e a salgadeira cheia. E, nessa partilha de tarefas e saberes, nunca faltava o convívio, muitas vezes em forma de brincadeiras.

O Chico, matador experiente e grande contador de histórias passadas, contou-nos algumas. Havia um homem muito mulherengo, que achou no bolso do casaco a genitália de uma porca várias vezes parideira acabada de matar. Ficou furioso e logo apontou um culpado. Não, disse uma mulher, fui eu, para que tenhas uma ao teu dispor, sempre que te apetecer e essa é bem grande!

Outro costume das matações era os homens meterem nos bolsos dos rapazes os cascos (as sapatas/as unhas) que tiravam das patas dos porcos. Arrancá-las era das tarefas mais complicadas, pois tinham de ser bem queimadas, até ficarem quase em brasa, depois eram pontapeadas e finalmente arrancadas com um puxão violento e rápido, antes que se queimassem as mãos, que se queriam calejadas. Um dia, alguém arrancou uma unha e atirou-a ao ar, na urgência de a largar. Um rapaz abalou aos gritos e saltos, pois a unha quase em fogo entrara-lhe pelo colarinho da camisa desabotoada e descera pelas costas.

Estes meses frios, próprios para as matações, seriam dos períodos do ano mais complicados para aqueles dos cristãos-novos que nos séculos passados persistiam secretamente nas crenças e práticas do judaísmo. Para os povos do Médio Oriente, o porco é um animal imundo, que não se deve comer. Tanto o judaísmo como o islamismo incorporaram essa regra na sua teologia, embora a crença seja possivelmente anterior a estas religiões. É estranho que mesmo ao lado, na civilização egípcia, muito anterior àquelas, se acreditava que a deusa Nut, a abóbada celeste, era uma porca deitada a alimentar as suas crias, os corpos celestes (devorava-os ao amanhecer, por isso estão ocultos à luz do dia, mas vomitava-os no crepúsculo da tarde, tornando-se visíveis na escuridão da noite). Outros povos no passado e no presente (Nova Guiné) consideram o porco um animal sagrado e por isso o sacrificam e consomem apenas em moimentos especiais, como oferenda aos deuses. Sabendo nós que judeus e muçulmanos não comem porco por ser imundo, mas consomem galinha, igualmente devoradora de imundices, será que esta interdição de comer carne do porco teve antes origem, em épocas primitivas, no seu carácter sagrado? Aqui socorremo-nos novamente da obra “A Matação na Gardunha” de Albano Mendes de Matos.

Desconhecemos a origem da crença e os nossos antepassados cristãos novos também não saberiam, nem isso lhes interessaria, se fosse essa a sua fé. Para a esconder, inventaram as alheiras, enchido feitos de carnes de aves e caça, com que compunham o fumeiro e assim enganavam os vizinhos cristãos velhos. Mas como evitar a “festa” da matação, sobretudo para aqueles bem inseridos nas comunidades e até unidos por laços de sangue?

Crenças à parte, o porco devia ser bem alimentado, o que dependia muito das posses dos seus donos. A sua rotina alimentar constava da habitual lavadura, água obtida de uma pré-lavagem das loiças da alimentação humana, a que se misturavam os farelos (cascas dos cereais). Pelos campos, apanhavam-se saramagos, labaças, beldroegas… Na minha infância, contava-se que o Doutor Alves dissera a alguém que desse couves ao porco para tornar a sua carne mais saborosa. Comia, pois, couves, nabos e botelhas da horta e meses ou semanas antes da matação engordava-se com bolota e bagaço dos lagares. Era uma delícia comer o rabo do porco cozido, acompanhado de legumes, no Domingo Gordo!

(Coisas de que falámos na 6.ª sessão do Conta-me histórias, no Casal da Fraga, dia 17-03-2025)

José Teodoro Prata

quarta-feira, 26 de março de 2025

Quaresmas

 

Chamamos-lhes quaresmas (as brancas) e por este dias enfeitam os nossos campos. Estas estão nos bordos do caminho, no Ribeiro Dom Bento, para as Quintas e a Senhora da Orada.

Nome científico: Saxifraga granulata.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 20 de março de 2025

A matação


 
É de gelo o ar na alvorada deste fim de janeiro; o céu, coberto de nuvens, talvez para que a falta de claridade encubra um pouco o que está prestes a acontecer.

Aqui, sou a única mulher entre vários homens, quase todos partilhando semelhanças, físicas e de modos, comuns a irmãos, filhos, tios e primos. Estão de copo na mão, à roda de uma fogueira, perto da pocilga. «Não tem menos de oito arrobas!», gaba-se o dono, que andou a engordá-lo a bolota e bagaço nas últimas semanas. Há quem se ria do exagero.

Esvaziados os copos, um dos homens entra dentro da pocilga, ata uma corda numa das patas do porco e tenta arrastá-lo para fora. Mas ele não quer sair, e grunhe, aflito. Entram mais dois: um empurra o animal pelo rabo e o outro puxa-o pelas orelhas. Já cá fora, ajudados por outros homens, levam-no até perto de um banco de madeira, comprido e largo; juntando forças, estendem-no em cima, deitado de lado, e tentam amarrar-lhe as patas com cordas, mas o animal continua a grunhir e a estrebuchar, e quase cai do banco abaixo. Os homens enervam-se e berram, atribuindo culpas uns aos outros, mas, por fim, conseguem imobilizá-lo. O dono do porco desculpa-se com outros afazeres e afasta-se.

Uma mulher aproxima-se com um alguidar de barro e coloca-o por baixo do pescoço do porco, já bem lavado e seco. O matador espeta a faca de forma certeira e o sangue escorre, farto, para o alguidar onde a mulher o apula e vai mexendo com uma colher de pau. Depois de muita luta, o animal desiste, e deita cá para fora o último sopro de vida. Há quem se ria: «Olha, já deitou a morcela!».

Alguns homens vão chamuscando o corpo do porco com carqueja a arder; outros, por traz, raspam-lhe a pele com a navalha que cada um traz no bolso. Demoram-se mais nas orelhas, até ficarem bem limpas, e nos pés, até saltarem as unhas. O cheiro a pele e a pelo queimado mistura-se com o cheiro a sangue e a medo. Depois de bem lavado, carregam o animal para a loja, preso no chambaril pelas patas traseiras, e penduram-no na sonave.

O dono do porco reaparece; chegam também algumas mulheres; uma com um tabuleiro de madeira debaixo do braço. É nele que o matador coloca as tripas retiradas através de um corte feito desde a cabeça até ao rabo do animal. Corta depois um pedaço de toucinho da barriga e entrega-o a uma delas: é para o seventre. Um homem reclama a passarinha e as morejas para o petisco a acompanhar a prova do vinho da última colheita.

Três mulheres abalam para a ribeira; uma com o tabuleiro à cabeça; as outras com baldes cheios de laranjas, sal e vinagre, para lavarem das tripas. As outras juntam-se na cozinha e, enquanto umas se ocupam do almoço, outras pegam em facas e tesouras, e todas sabem o que têm a fazer. A forma como aproveitam a carne ensanguentada, a cortam e temperam com sal, cominhos, salsa e sumo de laranja, tudo misturado no alguidar onde guardaram o sangue, diz bem da experiência e das memórias colhidas de mães e avós. Na rua, os homens falam mais alto, alguns já a justificar o dito «Porco morto, aguardente no corpo; porco virado, mais um copo emborcado; vira-se outra vez….», que cumpriram à risca.

 

À mesa, entre novos e velhos, sentam-se para cima de vinte pessoas; quase só homens, que as mulheres, depois da sopa, não param de encher travessas com arroz de bacalhau, feijão baqueado, batatas cozidas, ervas e seventre, que vão servindo aos homens. «E o vinho, já se acabou? Tragam mais vinho, não quero copos vazios em cima da mesa!» reclama o dono da casa.  

O cheiro à morcela da prova, acabada de assar, espevita o resto da gula de todos.

 - Parece que este ano ainda estão melhor!» Comenta alguém.

 - Cá na minha casa é tudo bom, que eu trato o ganal como é dado!

 - Estás a dizer que eu não trato bem o meu?

 - Então quanto é que o teu pesava? Vá, diz lá!

 - Cento e dez…

 - Pois fica sabendo que o meu há de pesar mais uns vinte.

 - Como é que sabes? Já o pesaste?

 -Não pesei, mas avalia-se pelos presuntos, ou não sabes que é pelos presuntos que se vê?

 - O que eu sei é que todos os anos dizes a mesma coisa e depois vai-se a ver…

 - Quando? Quando é que eu disse que o meu pesava mais que o teu e era mentira?

A cunhada interrompe:

 - Já chega! Mas será possível que sempre que vocês os dois se juntam à mesa, há discussão?

 - Se sou ofendido, não tenho que me defender? Que diabo!

 - Acabem lá com isso e comam as papas, que estão de comer e chorar por mais.

E a conversa prossegue durante o café, amolecida agora por mais um copinho de aguardente «para ajudar a desmoer»:  

 -Este até me seguia. Era só dizer: «anda, anda» e ele vinha atrás de mim. Levava-o para o leirão de baixo para comer a azeitona caída e no fim era só dizer: «Anda embora», e ele vinha.

O matador não quis ficar atrás:

 - Um cabrito que eu lá tinha também era a coisa mais esperta que já se viu. A mãe rejeitou-o e tive que o criar a biberão. O corno andava comigo para todo o lado. Eu vinha para aqui e ele vinha, eu ia para ali e ele ia. Pelo Natal chamaram-me aí numa casa para ir matar um cabrito. Fui e quando volto o gajo vem ter comigo, que sempre que chegava, ele vinha ter comigo. Chego-me à beira dele para lhe fazer uma festa e o gajo cheira-me e começa recuar, desconfiado. Chamo-o “Anda cá”, e ele foge-me. Fiquei preado! “Anda cá, seu filho duma cabra, que eu já te enxofro”, corri atrás do gajo e pumba: acertei-lhe mesmo no meio dos cornos. Nem fui capaz de o comer… Isto para dizer que os animais são espertos… Mais que algumas pessoas.

Depois, volta-se para o dono da casa:

- Mas se te custa tanto matar os bácoros, porque é que os crias? Deixa-te disto.

- Já estava criado, o que é que querias que lhe fizesse? Fazia como a Ti Porquéria que teve lá um que até já tinha os dentes revirados?

- Eu sou franco, também não é trabalho que goste de fazer, mas se não sou eu e mais um ou dois que ainda por aí há, quem é que mata algum porco que por aí se vai criando? Dantes havia cá muitos matadores: era o Mudo, o Fernando Latoeiro, o João da Resgate, o Fecisco Ramalho…; no Casal era mais o Jaquim Pique, mas havia outros que também se ajeitavam. Nesse tempo, por esta altura, não tinham mãos a medir. Quase que se governavam só com os presentes que recebiam. Tudo do bom e do melhor; só de lombo, quem desse menos que uma mão-travessa, estava chapado…

Já era noite quando o matador foi desmanchar o porco. Depois, ajudado pelo dono, meteu os presuntos e outros bocados de carne e toucinho na salgadeira, cada peça devidamente separada da outra com sal: por cima as que se comiam mais cedo; por baixo as que ficavam para o tarde.  

As mulheres terão ainda muito que fazer durante alguns dias a cortar e temperar as carnes e gorduras destinadas aos enchidos: primeiro as morcelas, depois as chouriças e no fim as farinheiras. As varas do fumeiro vão ficar penduradas sobre a lareira até tudo estar capaz de ser guardado para ser comido pelo ano fora.

 

ML Ferreira

segunda-feira, 17 de março de 2025

Como eram as matações e as descamisas







Ontem, o Conta-me histórias foi diferente, mais antropologia, etnologia e etnografia do que as habituais pequenas histórias passadas com as gentes da nossa comunidade. Mas a conversa foi muito animada e a maioria dos mais de 30 participantes deram o seu testemunho sobre os temas abordados: as matações e as descamisas. Ficou o registo áudio, agora a passar a escrito.

A Lurdes Marcelino até nos surpreendeu com duas canções das descamisas da sua juventude (noutras regiões designadas por desfolhadas). Uma delas cantada pelo rancho vicentino e a outra imortalizada pelo Zeca Afonso: Milho Verde.

O grande ausente-presente foi o Dr. Albano Mendes de Matos, do Casal da Serra, a propósito do seu estudo A Matação na Gardunha.

No final, um magnífico lanche, graças à generosidade da Libânia e da Lurdes Marcelino. Obrigado também à direção do Centro Cultural e Recreativo do Casal da Fraga.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Projeto Conta-me histórias, 6.ª sessão


No dia 9 come-se o almoço da matação e no domingo seguinte contamos as histórias, da matação do porco e outras que vierem a talhe de foice.
Desta vez, temos um contador de histórias convidado. Aparece, leva um objeto e conta uma história. Ou leva-te só a ti!

José Teodoro Prata

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Cantar as Janeiras

https://www.facebook.com/zemanel.santos.1485/videos/616414840758419

 As Janeiras cantavam-se e ainda se cantam, no mês de janeiro. Os cantores, grupo de amigos ou membros de uma instituição (por exemplo a Ordem Terceira, este ano) vão de porta em porta cantar as Janeiras, na expetativa de receber alguma paga.

As quadras que se seguem são de uma recolha realizada por Maria Isabel dos Santos Teodoro e publicadas no seu livro Etnografia de S. Vicente da Beira (e Arredores), editado em 2022.


Em cada quadra, repetem-se os versos terceiro e quarto (bis). As reticências (...), quando existem, assinalam o local em que se deve cantar o nome da pessoa, variável conforme a pessoa a quem os cantores se dirigem. Os cantores cantavam algumas ou todas estas quadras e/ou outras que achassem conveniente.

 

Refrão

Glória a Deus dizem os Anjos

Todos cheios de alegria

Já nasceu o Deus Menino

Filho da Virgem Maria

 

Inda agora aqui cheguei

Pus o pé numa escada

Logo o meu coração disse

Aqui mora gente honrada

 

S. José se levantou

Uma vela s´acendeu

Pr´adorar o Deus Menino

Que à meia-noite nasceu

 

De quem é aquele chapéu

Que além está dependurado?

Ai é do menino…

Que é um homem muito honrado

 

De quem é aquele anel

Que além está a luzir?

Ai é da senhora…

Que pró céu vai a subir

 

De quem é aquela tesoura

Que está de cima daquela cadeira?

Ai é da menina…

Que é uma bela costureira

 

Menina …

Meu raminho de salsa crua

Quando sai de sua casa

Alumia toda a rua

 

Viva lá menina…

Meu raminho de oliveira

Ainda anda neste mundo

Já no céu tem a cadeira

 

Levante-se sra. Maria…

Desse banquinho de cortiça

Venha-nos dar as Janeiras

Uma morcela ou uma chouriça

 

Levante-se sr.…

Desse banquinho de prata

Venha-nos dar as Janeiras

Que está um frio que mata

 

Esta casa está caiada

Do telhado até ao chão

Aos senhores que aqui moram

Deus lhes dê a salvação

 

Os donos da casa abriam a porta e ofereciam aos cantores filhós, chouriças, vinho, etc. Depois cantavam:

 

Despedida, despedida

Despedida vamos dar

Deus queira que daqui a um ano

Cá tornemos a voltar

 

Se não lhes abrissem a porta, cantavam:

 

Trinca martelos

Torna a trincar

Este barbas de chibo

Não tem nada pra nos dar

 

José Teodoro Prata

sábado, 18 de janeiro de 2025

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

Com esta postagem, concluo a publicação de informação de todos os combatentes da freguesia de São Vicente da Beira que participaram na I Guerra Mundial (1914-18), no cenário europeu ou em África (Angola e Moçambique). A recolha foi realizada pela Maria Libânia Ferreira e publicada no livro Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra, editado em 2018. Fica assim online toda a informação que conseguimos obter sobre cada um deles.

 Silvestre Serra

Silvestre Serra nasceu no dia 26 de julho de 1893. Era filho de Luciano Serra e Ana Bárbara, jornaleiros, residentes no Casal da Serra.

Mobilizado para fazer parte do CEP, embarcou para França, no dia 21 de janeiro de 1917, integrado na 7.ª Companhia do 2.º Batalhão do 2.º Regimento de Infantaria 21, com o posto de soldado n.º 639 e placa de identidade n.º 9544-A.

Sobre o período em que esteve em França, o seu boletim individual refere apenas o seguinte:

a)   Baixa ao hospital, em 8 de maio de 1918;

b)   Licença em 12 de junho de 1918, por um período de 30 dias;

c)    Baixa à Ambulância n.º 3, em 30 de setembro; alta em 6 de outubro, a fim de ser repatriado;

d)   Embarcou para Portugal, a bordo do navio Gil Eanes, no dia 12 de outubro de 1918.

Silvestre Serra vinha muito doente quando chegou a Portugal. Mesmo assim, dizem que veio sozinho de comboio, de Lisboa à terra, e teve que fazer o caminho todo a pé, desde Castelo Novo até ao Casal da Serra. Contam que, quando chegou ao Cavaco, lugar onde a família morava e que fica ainda mais acima do Casal da Serra, na encosta da Gardunha, vinha quase a desfalecer. Antes de entrar em casa, ainda foi espreitar o curral do porco e das vacas, e só depois subiu as escadas do balcão, já muito a custo, e sentou-se em cima duma arca que havia logo à entrada da sala. A mãe, quando encarou com ele, mal queria crer que era o seu filho, de tão desfigurado que estava. Mas assim que caiu em si, deu tantos gritos que toda a vizinhança acorreu, a ver o que se passava.

Silvestre Serra já pouco saiu de casa. Morreu a 16 de novembro de 1918, um mês após ter regressado a Portugal. Tinha 25 anos de idade. Dizem que a mãe ficou cega de tantas lágrimas chorar.

(Pesquisa feita com a colaboração de vários moradores do Casal da Serra, que se lembram de ouvir contar…)

Maria Libânia Ferreira

Do livro Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

domingo, 12 de janeiro de 2025

Os Ribeiro Robles

 

Ribeiro é português, mas Robles é castelhano e significa Carvalho. Os Robles chegaram a São Vicente da Beira na sequência do incremento industrial promovido pelo Marquês de Pombal. Este criou uma fábrica de lanifícios na Covilhã, onde atualmente se situa o Museu dos Lanifícios, bem no coração da UBI. E também se preocupou com a modernização dos processos e técnicas de fabrico, contratando para isso técnicos estrangeiros.

Um deles veio de Béjar, cidade espanhola localizada relativamente perto da nossa raia, e chamava-se João António Robles (casado com Belchior Gomes). Teve um filho, Bernardo António Robles que casou com uma Ribeiro de São Vicente da Beira. Nessa época, esta antiga sede de concelho era um dos polos industriais mais importantes do atual concelho de Castelo Branco, tendo inclusive uma fábrica de fiação ligada à fábrica da Covilhã, orientada também por técnicos estrangeiros.

Os seus descendentes ganharam assim os apelidos Ribeiro Robles e foram muito importantes nesta Vila, durante o século XIX e início do século XX: vários secretários da Câmara, uma professora do ensino elementar, um provedor da Misericórdia… e este Roberto da foto, que foi enfermeiro do Hospital da Misericórdia de São Vicente e depois seguiu a vida militar, decisão que lhe seria fatal, pois veio doente de França, na Primeira Guerra Mundial, morrendo precocemente aos 44 anos, da tuberculose renal que lá tinha contraído.

Outro Robles foi o conhecido ator Robles Monteiro. Casou com Amélia Rey Colaço e juntos formaram a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro. À sua filha deram o nome Mariana (Rey Monteiro), nome da mãe do ator (Marianna Ribeiro Robles). Estudou no Colégio de São Fiel e no Seminário da Guarda, onde o aconselharam a seguir antes as artes do palco.

Há poucos meses, um Robles apresentou-se na Misericórdia de São Vicente com mais de uma dúzia de inscrições para irmãos dos muitos Robles espalhados pelo país. Um gesto bonito!

José Teodoro Prata

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

 Roberto Ribeiro Robles


Roberto Ribeiro Robles nasceu em São Vicente da Beira, no dia 20 de julho de 1888. Era filho de Bernardo António Robles, ferrador, e de Sabina da Conceição, moradores na rua Velha. 

Para além da instrução primária, terá feito alguma formação na área da saúde, porque, segundo consta no registo de batismo de uma sobrinha de quem foi padrinho em 1905, tinha a profissão de enfermeiro do Hospital da Misericórdia de São Vicente.

Alistou-se como voluntário no Batalhão de Caçadores n.º 6 de Castelo Branco, em 1 setembro de 1906, e ali terá feito o curso de habilitação para 1.º Sargento das Escolas Regimentais.

Em Março de 1909, foi destacado para fazer serviço na província de Angola; regressou em Maio de 1910. Em Janeiro de 1911, fez parte do batalhão destacado para a ilha da Madeira, para ajudar a coadjuvar as autoridades locais na debelação duma epidemia de cólera-murbus. Regressou ao continente em 27 de Março.

Estaria colocado em Lamego em 20 de Julho de 1917, data em que foi deslocado para o Regimento de Infantaria n.º 19, em Chaves, por ordem da Secretaria da Guerra, onde ficou com o n.º 590 e na 9.ª Companhia. Em agosto desse ano, foi promovido a Alferes e colocado no Regimento de Infantaria 21.  

Fez parte do CEP e partiu para França, via terrestre, em 15 de novembro de 1917 (tinha acabado de ser pai do segundo filho), integrando a 6.ª Companhia do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21. Chegou a Paris no dia 18 do mesmo mês.

Sobre este período, o seu boletim individual do CEP refere o seguinte:

a)     Colocado no Batalhão de Infantaria 21, em 27 de novembro de 1917;

b)     Baixa ao hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, no dia 14 de abril de             1918; alta a 20 de maio;

c)     Licença de 60 dias para gozar em Portugal, a partir de 21 de maio. Em Lisboa foi sujeito a nova avaliação médica, no Hospital Militar Provisório, tendo-lhe sido concedidos mais 20 dias de licença para tratamentos;

d)     Embarcou novamente para França, a 16 de setembro, chegando a Brest três dias depois, e aumentado à sua unidade;

e)     Abatido ao efetivo do seu batalhão em 20/9/1918, por ter sido transferido para o Depósito de Infantaria.


Regressou a Portugal a 30 de maio de 1919 e passou ao Regimento de Infantaria 16, em 28 de junho. Desempenhou depois o cargo de Secretário Interino do Presídio Militar de Santarém e foi promovido a Tenente, por despacho de 1 de dezembro de 1921. Em 18 de setembro de 1926 passou ao quadro de adidos e, em julho de 1927, foi transferido para o Batalhão de Ciclistas n.º 2. Em 30 de setembro de 1929, foi considerado supranumerário permanente.

Condecorações e louvores:

·        Medalha Militar de Cobre da classe de comportamento exemplar, em 21/11/ 1910;

·        Louvado pela muita dedicação, zelo e inteligência com que desempenhou os diversos serviços que lhe foram confiados, quando fazia parte do Destacamento de Contacto n.º 3, em Terras do Bouro, a 30/11/1911;

·        Premiado no tiro com a espingarda em uso no exército, no ano de 1912;

·        Medalha Militar de Prata da classe de comportamento exemplar, em 30 de março de 1918;

·        Medalha de Prata comemorativa da campanha de Portugal em França, com a legenda França 1917 - 1918, atribuída em 30/11/1918;

·        Medalha da Vitória, em 27 de novembro 1919;

·        Medalha de Louvor da Cruz Vermelha, em 31 de maio 1922;

·        Louvor «… pela dedicação, muita inteligência e boa vontade com que sempre desempenhou o serviço de que foi encarregado, muito especialmente pelo desempenho do cargo de ajudante interino do Regimento nº 8.» (processo militar individual);

·        Louvado pela competência com que levou a cabo a organização da Secretaria Regimental anterior a 1919.



Por ter tomado parte na ação que deu lugar à condecoração do Batalhão do Regimento de Infantaria n.º 22 com a Cruz de Guerra de 1.ª classe, teve direito, nos termos do art.º 23 do regulamento das ordens militares portuguesas, ao uso do respetivo distintivo.

Família:

Antes de ser mobilizado para França, Roberto Ribeiro Robles já tinha casado com Palmira Lopes Leal, na freguesia de Salvador, Santarém, no dia 5 de maio de 1915. O casal teve 2 filhos:

1.   Fernando Leal Robles (também seguiu a carreira militar), que casou com Nair Júlia de Pinho Colaço Robles e tiveram 1 filho;

2.     Roberto Leal Robles (nasceu em São Vicente da Beira, onde os seus pais residiam acidentalmente, no dia 7 de outubro de 1917). Casou, na cidade de Chaves, com Gabriela Figueiredo e tiveram 1 filho.

Roberto Ribeiro Robles não terá mantido um contacto muito próximo com a terra, nos últimos anos de vida. Talvez por isso, mas sobretudo porque morreu muito novo, não haja muitas memórias dele em São Vicente. Faleceu de tuberculose renal, que terá sido adquirida durante a sua estadia em França, em 14 março 1932. Tinha apenas 44 anos.


(Pesquisa feita com a colaboração de Maria Teresa Nobre Monteiro Barroso, prima de Roberto Ribeiro Robles e Ana Maria Robles, esposa de um dos seus netos)

Maria Libânia Ferreira

Do livro Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra