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terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

O nosso falar: abelhudo e desabelhar

 Andámos a fazer o desdobramento de uma colmeia e no final uma abelha não nos largava, por mais fumo que lhe lançássemos em cima.  

- Desabelha daqui! – disse-lhe o Chico. E rimo-nos, porque a expressão vinha mesmo a calhar.

A abelha anda sempre de um lado para o outro, numa constante azáfama, por isso chamamos abelhudo a alguém com a mesma caraterística, sobretudo se aparece de forma constante e inoportuna. E desabelhar é mandar o abelhudo dar uma volta, desaparecer. Neste caso era mesmo uma abelha!

José Teodoro Prata

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

O nosso falar: pechorro

 Ando a ler o livro Os sertões, do brasileiro Euclides da Cunha (1866-1909), que fez a reportagem jornalística da Guerra dos Canudos (1896-1897) e posteriormente realizou um estudo sobre os sertões do Brasil (este livro), nas vertentes geográfica, humana e político-militar (neste caso, sobre a guerra acima referida).

O arraial dos Canudos situava-se no interior do estado da Baía e aí se concentraram milhares de sertanejos em torno de um louco (António Conselheiro, 1830-1897), a viver à margem da lei e da Administração Central. Esta guerra foi uma catástrofe humana, pois morreram cerca de 20 mil membros daquela comunidade sócio religiosa e 5 mil militares.

Sobre o assunto, foi realizado um filme (A Guerra dos Canudos) e Mário Vargas Llosa escreveu o romance A Guerra do Fim do Mundo.

 

Ora, à página 119, o autor escreveu que as pétalas das flores recém-abertas «…caem, mortas, sobre a terra imóvel sob o espasmo enervante de um bochorno de 35º, à sombra.»

As campainhas tocaram na minha cabeça quando li a palavra bochorno. Lembrei-me da expressão dos meus pais, quando estava um daqueles calores em que até o ar treme: Hoje está um pechorro! Ou seria pochorro ou bochorro? Ou mais certamente p´chorro ou b´chorro? Eu(tu), os meus(vossos) pais e as gerações anteriores fomos alterando oralmente a palavra bochorno, que existe de facto e significa muito quente.

José Teodoro Prata 

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

O nosso falar: Resto de Boas Festas

Uma das minhas vizinhas desejou-me, a meio desta semana, entre Natal e Ano Novo, Um resto de Boas Festas. Há que tempos não ouvi nem usava esta expressão, tão nossa (desconheço se de outras regiões).

Ela é do Ingarnal, que fica na nossa zona geográfica e cultural.

Lembro-me bem de usar e ouvir: Resto de um bom dia; Resto de bom domingo; Resto de boas férias; Resto de bom aniversário; Resto de Bom Natal....

Atualmente já se usa pouco, em parte porque a urbanização levou ao abandono de muitas expressões antigas, o que, consequentemente, provocou um empobrecimento vocabular. Por outro lado, há muitos preconceitos sobre certas palavras/expressões. Hoje não fica bem falar em resto, parece que o que falta é a parte má do todo.

José Teodoro Prata

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

O nosso falar: desassemelhado

Travei-me de razões com um galho de laranjeira e saí com um ligeiro raspão na testa. Agora secou e fez crosta, parecendo uma grande coisa. Hoje vi-me ao espelho e achei-me um pouco desassemelhado para a festa.

Desassemelhado é um adjetivo e o particípio passado do verbo desassemelhar. De certa forma, desassemelhado é sinónimo de desfigurado, adjetivo mais usado que este, que caiu em desuso.

Desassemelhado significa não estar semelhante ao que é habitual. No uso do nosso povo, penso que é mais suave que desfigurado.

José Teodoro Prata


Nota: há novo comentário (com informações importantes), na publicação Pe. Domingos Martinho Raposo (para voltar lá, escrever este nome da publicação na caixa da esquerda, ao alto)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O nosso falar: refeito

 Hoje a minha mulher levantou-se com alguma falta de apetite, realçada pelo meu apetite quase voraz na primeira metade do dia (à agricultor).

Provoquei-a: Estás refeita!

Depois pensei na origem desta expressão que me saíra espontaneamente.

A minha mãe usava-a, referindo-se a pessoas ou animais domésticos, satisfeitos após uma refeição.

De facto, o prefixo re, na palavra refazer, indica algo reconstruído, recuperado, corrigido. Neste caso o nosso equilíbrio físico através da alimentação.

O José Barroso, escreveu aqui, em "Crepúsculos I", a 6 de novembro de 2020:

"— O descanso está feito e o corpo refeito. Estais comidos e bebidos! Ide à vida! — dizia Garrancho incentivando-os ao trabalho! E eles lá iam, às vezes com um gesto a adivinhar uma pontinha de preguiça, a indiciar que os corpos queriam ainda permanecer na modorra por mais algum tempo."

Nota: Publicação alterada a 27 de fevereiro.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 14 de março de 2019

O nosso falar: sagorro

Ao escrever o texto dramático Pagar o vinho, já aqui publicado, usei a palavra sagorro e na altura consultei os dicionários.
Curiosamente, sagorro é sinónimo de avarento, enquanto na nossa terra é sinónimo de saloio.
Vá-se lá saber porquê esta colagem do avarento ao saloio! Talvez porque o avarento, por sê-lo, vive como um saloio.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O nosso falar. vagamundo


Há dias, já quase noite e um frio de rachar, tocou o telefone. Era uma vizinha a avisar:
- Olha que tu fecha as portas bem fechadas, que está um vagamundo mesmo aí à frente da tua casa.
Fui espreitar e, de facto, vi um homem sentado na paragem da camioneta. Tinha o cabelo comprido e as barbas brancas chegavam-lhe até ao peito. À roda dele, no chão, tinha dois sacos de plástico cheios com qualquer coisa, provavelmente roupa. Passado um bocado voltei a espreitar e o homem continuava no mesmo sítio, mas já embrulhado numa manta, como se fosse passar ali a noite.
A pretexto de lhe levar algum agasalho, saí de casa e fui meter conversa com ele. Era espanhol, por isso tive dificuldade em entender tudo o que disse, mas percebi que tinha nascido numa terra da Andaluzia. Percebi também que não se quedava por muito tempo no mesmo sítio e por isso abalava, sem destino certo, por esse mundo fora. Desta vez tinha vindo para Portugal e já andava por cá desde junho.
Ao outro dia, bem cedo, o homem tinha desaparecido. Na paragem da camioneta não havia qualquer vestígio de que alguém tivesse dormido naquele sítio. No centro do banco estava apenas a malga da sopa que lhe levara na véspera, bem lavada. Por baixo dela, um bocado de cartão com a palavra “gracias” escrita em letras mal alinhadas.
Durante alguns dias pensei várias vezes naquele homem e em como há vidas… (qualquer adjetivo pode ser válido ou descabido). Compreendi, finalmente, o sentido do termo vagamundo utilizado pela minha vizinha. E, cá no fundo, fiquei contente porque, do alto da minha sapiência, por pouco não lhe emendei o falar.  

Nota: A palavra vagamundo ainda consta numa edição já velhinha (sem data, infelizmente) do Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (se atentarmos bem, o significado do termo não é exatamente o mesmo de “vagabundo”), mas já não se encontra em dicionários mais recentes, como o Houaiss da Língua Portuguesa.

Maria Libânia Ferreira