quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O nosso falar: refeito

 Hoje a minha mulher levantou-se com alguma falta de apetite, realçada pelo meu apetite quase voraz na primeira metade do dia (à agricultor).

Provoquei-a: Estás refeita!

Depois pensei na origem desta expressão que me saíra espontaneamente.

A minha mãe usava-a, referindo-se a pessoas ou animais domésticos, satisfeitos após uma refeição.

De facto, o prefixo re, na palavra refazer, indica algo reconstruído, recuperado, corrigido. Neste caso o nosso equilíbrio físico através da alimentação.

O José Barroso, escreveu aqui, em "Crepúsculos I", a 6 de novembro de 2020:

"— O descanso está feito e o corpo refeito. Estais comidos e bebidos! Ide à vida! — dizia Garrancho incentivando-os ao trabalho! E eles lá iam, às vezes com um gesto a adivinhar uma pontinha de preguiça, a indiciar que os corpos queriam ainda permanecer na modorra por mais algum tempo."

Nota: Publicação alterada a 27 de fevereiro.

José Teodoro Prata

2 comentários:

M. L. Ferreira disse...

Apesar do interesse e do conhecimento que já existe sobre as estruturas e funcionamento do cérebro humano, continua a haver tantos mistérios por decifrar! Esse de trazermos à memória coisas que há muito tínhamos esquecido, é uma delas, provavelmente das mais simples, mas acontece-me também com frequência.
Há pouco tempo passou na RTP uma série muito interessante que falava destes fenómenos duma forma compreensível, mesmo para quem não tem grandes conhecimentos na área das neurociências. Um dos participantes foi o António Damásio, um dos maiores nesta área, o que muito nos deve orgulhar. Provavelmente quase toda a gente viu, mas para quem não pôde ver na altura, ainda está disponível na RTP PLAY. A série chama-se Deus cérebro.

José Barroso disse...

Num artigo meu intitulado "Crepúsculos 1", publicado neste blog a 6 de novembro do ano passado, consta o seguinte trecho:

"— O descanso está feito e o corpo refeito. Estais comidos e bebidos! Ide à vida! — dizia Garrancho incentivando-os ao trabalho! E eles lá iam, às vezes com um gesto a adivinhar uma pontinha de preguiça, a indiciar que os corpos queriam ainda permanecer na modorra por mais algum tempo."

No dicionário o que é que consta para o termo "refeito"?

"1. Que se refez.

2. Reparado, restaurado.

3. Emendado; corrigido.

4. Restabelecido.

5. Esforçado, robusto."

Ou seja, nós, no nosso liguajar, pensamos que distorcemos muita coisa e isso, às vezes, é verdade; outras, pelo contrário, é na raíz popular que melhor encontramos a definição de certos conceitos linguísticos. Este exemplo é a prova disso. Se formos ver, das hipóteses que nos apresenta o dicinário, há pelo menos duas, que assentam que nem uma luva à palavra "refeito", a significar o estado de alguém que acabou de tomar uma boa refeição: "reparado" e "restabelecido". No fundo, tem a ver com a energia corporal que é reposta em cada refeição; para mais, quando se pensa em trabalhos pesados. E tanto pode referir-se a uma pessoa, como a um animal. Mas na nossa terra é verdade que se usa muitas vezes para estes últimos.
Já não é a primeira vez que aqui discutimos as palavras e o seu significado. Tudo isto é muito importante porque estamos a falar de uma das coisas mais interessantes do reino animal, particularmente, da nossa espécie, a linguagem. É esse conjunto de gráficos e sons (mas que também podem ser gestos, atitudes ou sinais corporais), a que se atribui um significado que permite a comunicação. Imagine-se como é que alguém podia manifestar, por exemplo, os seus sentimentos (sobretudo os mais nobres) sem comunicação!
E por causa disto, lembrei-me do grande poema de Miguel Torga "Mãe" onde ele retrata o momento em que viu a mãe morta no seu féretro. Com o "rigor mortis" as pessoas endurecem o semblante e tornam-se inexpressivas, a ponto de perguntarmos se se trata da mesma pessoa.

"Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes..."

E essa sensação era o "terror" do poeta (ou de qualquer de nós que já passou por tal experiência).

Pensem vocês, agora, onde me trouxe a impossibilidade da conunicação e se isso é, ou não é, um enorme drama!

Abraços, hã!
JB