sábado, 29 de julho de 2017

A nossa Beira

Beira charneca, Beira montanha
Beira campina, Beira em flor
Beira pinhal, Beira azenha
Beira meu bem, meu amor

Beira estevas, giestas
Rosmaninho, carqueja, alecrim
Beira de romarias e festas
Onde tudo é belo, nada é ruim

Beira de águas cristalinas
Refrescantes sem igual
Sejam fontes, presas ou minas
Não há melhor em Portugal

Beira da Senhora da Orada
Romaria sem rival
Fica na encosta da serra
Este santuário medieval

Senhora de São Vicente
Banhada pela ribeira
Grande fé tem nossa gente
Para nós, tu és a primeira

Tua água tem virtude
Para nossos males curar
Todos a bebem sem cessar
Para recuperar a saúde

Beira São Vicente
Do Santo Cristo milagreiro
Que bem a gente se sente
Na praça, no Seu terreiro

Beira São Vicente
Das filhoses e do Natal
Fritas na noite celestial.
Na praça, a fogueira aquece a gente

Beira das janeiras
Pelas ruas cantadas
Todos cantam sem peneiras
Sejam solteiras ou casadas

Beira dos entrudos
Mascarados a preceito
Magros, altos ou barrigudos
Cada um a seu jeito

 Beira da semana santa
A de São Vicente sem igual
Das ladainhas que a gente canta
Tradições sem rival

Cantam-se loas pungentes
Os martírios lembram a paixão
São assim estas gentes
Sejam, Vicentinos ou não

O São João é cantado
À volta da fogueira
Seja solteiro ou casado
É assim na nossa Beira

 Lá vem o Senhor Santo Cristo
Festa grande sem igual
Todo o Vicentino gosta disto
Não há outra em Portugal

Terra de grandes olivais
Vila bela e amorosa
Está cercada de pinhais
Meu lindo botão de rosa

Na torre tocam os sinos
Para o povo rezar
Na igreja cantam-se hinos
Para Cristo se adorar

Lá vem o povo leal
Sempre alegre e contente
Do Cimo, Caldeira, Fundo ou Casal
Bem-disposto e sorridente

Beira dos pífaros e pandeiros
Adufes e tocadores de bombos
Partida, Almaceda, São Vicente ou Pereiros…
Carregam-nos, pum, pum…aos seus ombros

Cedo de manhãzinha
Eis os bombos a chegar
O barulho já se avizinha
Lá vem o povo a cantar

Passa a banda Vicentina
Sempre muito afinadinhos
Ao passarem na esquina
Alegram todos os vizinhos

Zé da Villa

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Adro D. Sancho I



Vai ser à tangente, mas acho que tudo estará pronto para as Festas!

NOTAS:
Chamara-lhe praceta, mas mudei para adro, pois o espaço não pode/não deve ser batizado com um nome se já tem outro.
E D. Sancho I, para homenagearmos o rei que nos concedeu o foral e a quem nós nunca agradecemos.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Transporte de passageiros


Desculpe o torcicolo, mas a imagem não me obedece quando a mando ficar na vertical e, entre ficar assim e não publicar, optei por deixar ficar.
É publicidade ao serviço de "táxi", em 1916, publicada no jornal albicastrense O BEIRÃO, de 2 de dezembro.

José Teodoro Prata

domingo, 23 de julho de 2017

O lobisomem da Partida

Bem a avisaram que não casasse com ele, que havia ali coisa do diabo. Mas, já diziam os antigos, o amor é cego e ela não acreditava numa palavra do que ouvia. Onde lhe punham defeitos, ela só via qualidades: bom rapaz, trabalhador, não faltava ao respeito a ninguém. Ainda por cima bem parecido e com alguma coisa de seu. E casaram.

Apesar de não lhe terem agoirado nada de bom, era feliz e achava-se uma mulher com sorte. Cumpridor de todos os deveres conjugais assumidos no dia do casamento, o homem estimava-a, enchia-lhe a casa de tudo quanto era bom que trazia da horta e depressa a encheu também de filhos. Que mais podia ela querer?

Às vezes ainda se ria das más-línguas que lhe quiseram estragar o namoro e, mesmo já depois de casada, continuavam a encher-lhe a cabeça com patranhas: que era ele, transformado em lobo, que atacava os homens e animais que apareciam mordidos ou mortos em certos dias da semana; ou então, feito cavalo, andava por lá à solta em noites de lua cheia, atormentando quem se demorava nas hortas ou tinha que madrugar. Mas ela não dava ouvidos a ninguém, que havia muita gente assim, sem escrúpulos, capaz de dar cabo duma casa por tudo e por nada. Tudo invejas!

Nem mesmo quando ele se lhe escapava da cama, julgando-a a dormir, e voltava de madrugada, tão cansado que ela lhe ouvia o bater do coração, desconfiava de nada. Ficava numa inquietação, mas encontrava sempre uma explicação para aquelas saídas noturnas: ou era a presa que tinha que ser despejada; alguma vaca que estaria para parir ou uma encomenda de lenha de última hora. Confiava nele e não fazia perguntas. Já lhe bondava a lida da casa e os filhos, sempre tão asseados que era um regalo olhar para eles.

Uma vez, era inverno, e até parece que tinha parido a galega no forno da Barroca. Não que nos outros dias a forneira tivesse uma hora de descanso, que naquele tempo as casas estavam cheias de filhos e às vezes um tabuleiro de pão por semana não chegava para acalmar a fome a tanta boca. Mas naquele dia foi uma coisa por demais. De tal maneira que a vez dela ficou para tão tarde que já era noite alta quando o pão lhe saiu do forno e pôde voltar para casa. O que vale é que a lua estava tão grande que alumiava como se fosse dia.

Começou a subir a rua, com o tabuleiro à cabeça, e nisto ouviu um barulho que até parecia um tremor de terra; primeiro ao longe, depois cada vez mais perto, até que sentiu que estava mesmo encostadinho a ela. Só teve tempo de se atirar para a valeta para não ser levada à frente do que quer que aquilo fosse. Viu então que era um cavalo enorme que abrandou junto a ela, lhe abocanhou um bocado do xaile e continuou a galopar rua fora.

Um pouco mais acima era a casa de um dos cunhados, irmão do homem. Também deve ter ouvido o galope do cavalo e, mais que sabia ele do que se tratava, saiu da cama a correr e galgou as escadas até à loja das vacas que era mesmo por baixo da casa. Pegou no agulhão e espetou com ele no lombo do cavalo que se transformou logo ali no homem que era.

Quando a mulher chegou a casa, toda a tremer, encontrou o homem sentado ao cimo das escadas, a arfar, e ainda a tirar restos das franjas do xaile da boca. Nem quis crer no que os olhos dela estavam a ver, mas foi aí que o homem lhe confessou o mal que o atormentava desde novo e que tinha sido a ferroada do agulhão que o tinha feito perder a perneta.

M. L. Ferreira

sábado, 22 de julho de 2017

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Comunidade

Um dia, o Pe. Jerónimo confidenciou-me que tem uma enorme admiração pelos autarcas, de qualquer partido. Todos se entregam à comunidade que os elegeu, sacrificando as suas vidas a troco de nada, pois o subsídio que recebem muitas vezes nem dá para as despesas.
Estou de acordo com ele e por isso ando há que tempos para tratar o tema de hoje.
A “feira medieval” que marcou o fim do mandato da anterior equipa da Junta de Freguesia foi uma excelente festa (não gosto de feiras medievais, mas adoro as reconstituições históricas, tão ao gosto dos nórdicos), mas teve aspetos deploráveis. Houve momentos em que o jovem casal que dramatizou a animação quase caiu em desespero, tal era o alheamento de tanta gente, para não dizer recusa ostensiva em colaborar. Acho que pouquíssimas pessoas se aperceberam disto, mas vim de lá envergonhado e por isso enviei uma mensagem ao jovem casal a pedir desculpas.
Rei morto, rei posto. Ainda não havia rei posto, mas o antigo rei pouco mais tempo estaria no poder. Depois, não sei como se fez a transição do poder velho para o novo, mas desconfio que sem grandes proximidades.
Já me esquecera daquele episódio, mas infelizmente recordei-o neste janeiro, aquando da passagem do testemunho na Misericórdia, entre a antiga mesa e a eleita. Não estive presente, mas senti que os velhos não apareceram, porque já não era nada com eles, e os novos não terão sentido a sua falta.
Sei que os processos eleitorais têm a sua dinâmica própria, às vezes necessariamente injusta para algumas pessoas. Mas penso que, à parte disso, devemos valorizar tanto os que saem como os que entram e o momento da passagem do testemunho devia ser de grande confraternização e partilhas.
É uma questão de civismo. Vai sendo tempo de sermos uma comunidade madura!

Notas:
- Genericamente, as outras terras não são melhores que nós, temos algumas próximas bem piores, mas com os defeitos dos outros posso eu bem!
- Durante séculos, até há poucas dezenas de anos, os nossos poderes estiveram sempre nas mãos de uma pequena elite, marginalizando completamente a esmagadora maioria da população, que aliás estava demasiado ocupada com a sobrevivência, com o pão de cada dia. Por isso temos andado a aprender, é natural. Mas talvez seja chegado o tempo de dar o passo seguinte!
- Querem um exemplo de são convívio? No início do verão passado, um grupo de vicentinos promoveu uma ação de protesto contra a não limpeza das valetas da nossa estrada. Num domingo de manhã, juntaram-se e foram limpar eles as valetas. Quem me contou, disse-me que era um grupo de pessoas que queria concorrer à Junta de Freguesia contra a atual equipa. Estavam no seu direito e louvo a iniciativa.
Mais tarde, soube que o José Duarte (Zé Pasteleiro) ofereceu o almoço a todos, na Senhora da Orada. Embora possamos considerar este ato como um enorme furo político (ele é membro da atual junta), tenho a certeza de que nele esta fraternidade foi genuína.

José Teodoro Prata

Nada se perde...


José Teodoro Prata

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Comentários novos

Há novidades em "O primeiro Moreira?".

José Teodoro Prata

A nossa vida

(…) Sendo assim, vou continuar com os meus escritos para ir enchendo papel, o papel só tem valor se tiver palavras, frases, desenhos, rabiscos…se não tiver nada, não passa de uma folha em branco ou de outra cor. Não é sobre este assunto que quero escrevinhar algumas palavras.
Vamos a isto.
  A vida de um ser humano tem uma duração limitadíssima, o máximo cem anos mais dez, menos dez. A maior parte das pessoas quando ultrapassam os noventa têm uma saúde muito frágil, estão limitadíssimos, os reflexos já não são o que eram, passam as horas à espera…
  É a regra, embora haja pessoas com uma memória invejável, ainda se movimentam razoavelmente bem; não é a regra.
  A qualidade de vida não acompanhou a longevidade, os lares são um bom exemplo daquilo que estou a dizer. As funcionárias de manhã levantam os velhinhos, muitos deles são transportados em cadeiras de rodas, entram na sala, sentam-nos no sofá e ali ficam até à hora do pequeno-almoço.
  Voltam novamente para o sofá até ao lanche e assim sucessivamente. Findo o jantar, cama.
  Quem se movimenta ainda se levanta e dá uma volta pelo corredor, quem não se mexe…
  Coitados deles, tanto lutaram, de repente ficam incapacitados, à merce dos semelhantes.
  O destino tem destas coisas, longevidade igual a limitação. As pessoas acomodam-se, não têm outro remédio, os filhos trabalham, vivem longe.
  Precisam de muito carinho, muita atenção e amor. Quantos há que foram “despejados” nos lares pelos familiares e nunca mais lhes ligam, não querem saber deles, esqueceram-se depressa dos trabalhos, das canseiras, dos sacrifícios que passaram para os criarem.
  Um dia terão a recompensa, alguém lhes fará o mesmo.
   A vida é feita de bons e maus momentos, é uma labuta diária e constante; impostos, obrigações, problemas de toda a ordem, de vez em quando surge um dia de alegria, de festa
  O nascimento de um filho, o baptizado, a licenciatura, uma promoção no trabalho, um aumentozito… coisa pouca em oposição aos maus momentos.
  Invejas, doenças, incompreensões, ódios, compromissos assumidos… A vida é uma chatice, mesmo assim, julgo que a maioria gosta de cá andar. De vez em quando há alguém…põe fim à vida, porquê? Só ele sabia. Um desgosto, uma dívida que não conseguiu controlar… Quem termina bruscamente com a existência lá terá as suas razões, não o podemos condenar, que tenha uma vida mais favorável na outra…
  Se houver alguém que consiga adivinhar através de sinais o pensamento da pessoa com pensamentos suicidas que o acompanhe e o demova a fazer tão tresloucado ato.
  Tudo se remedeia desde que haja compreensão entre os homens.
  Uma casa centenária, velhinha, pode ser reconstruida e durar outro tanto tempo, mas também pode ser destruída num instante e nunca mais ninguém a torna a ver.
  Com o suicida acontece a mesma coisa, se alguém o amparar, salva-se, se ninguém lhe deitar a mão, num instante termina…
  Todos sabemos que a vida são dois dias, é tão frágil a vida; vela acesa exposta numa corrente de ar, uma aragem... A vida começa num choro, tal como a fogueira começa por fumegar, depois vem o brasido, para finalmente terminar em cinza.
  Olhem: a vida, quanto mais estica, mais curta fica
  Fiquem bem!


J.M.S

domingo, 16 de julho de 2017

Luís e José



Nota: Ambos os poemas são de Luís de Camões.

José Teodoro Prata

sábado, 15 de julho de 2017

Balcaria


Olival com rega gota a gota, no Balcaria. 
Atrás da casa e na área que se vê acima da estrada já há medronheiros.
Ao fundo, na raiz da serra, a casa do ermitão, da Orada.

Os nossos mais velhos sempre disseram Balcaria.
O Zé Barroso escreve Vale de Caria, como seria originariamente.
Mas eu volto ao Balcaria, até porque nos documentos dos séculos XVIII e XIX aprendi que a nossa região é nortenha, neste aspeto (trocava o v pelo b em inúmeras palavras).

José Teodoro Prata

Nota: O texto foi alterado após o comentário do Zé Barroso.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

O primeiro Moreira?


O  Inácio (Ignacio), batizado a 30 de dezembro de 1824, era filho de José Moreira, da Aldeia das Dez, 
e Rosa Luísa, de São Vicente da Beira.
O avô paterno também se chamava José Moreira e era igualmente da Aldeia das Dez, Oliveira do Hospital.
É possível que os muitos Moreira de SVB sejam descendentes deste José Moreira da Aldeia das Dez.

Festa da castanha, Aldeia das Dez, 2011

Uma aldeia risonha e encantadora, sobranceira ao rio Alvôco. Toda ela parece um demorado miradouro, com vista privilegiada para as serras envolventes. 
(http://aldeiasdoxisto.pt/aldeia/aldeia-das-dez)

A lenda da Aldeia das Dez tem origem na Reconquista da península Ibérica e está ligada ao actual nome da aldeia. Segundo a lenda, durante a Reconquista cristã dez mulheres terão encontrado um tesouro numa caverna situada na encosta do Monte do Colcurinho. De acordo com a tradição oral e alguns documentos que sobreviveram, esse tesouro possuía um valor que ultrapassa o material. Estas mulheres ter-se-ão apercebido da sua importância e, num pacto que persiste até hoje, terão separado entre elas as peças que o compunham e passando-as de geração em geração, mantendo até hoje por desvendar o segredo que encerram. Quanto ao tesouro, crê-se que dele façam parte moedas Antonini com inscrições cifradas, sendo que uma destas encontrar-se-á cravada na moldura de um quadro que narra esta lenda. Deste quadro pouco mais se sabe, além de ter ressurgido em meados do século XX num antiquário de Oliveira do Hospital, para novamente desaparecer. Terá sido pintado por uma das descendentes das dez mulheres e crê-se que retratando a lenda poderá oferecer uma chave para o seu segredo.
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Aldeia_das_Dez)

José Teodoro Prata

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Vila-poema

VILA DA MEIA SERRA 

Vagas verde-escuras dos pinheirais,
Mar ameno de agulhas fremente,
Levantado pela aragem da Gardunha,
Meu olhar de menino,
Desfazendo-se a poente,
Onde, ao cair do dia,
O sol de ouro metálico se punha.

Vale das encostas da serra,
Em que fraldejam casas,
Assentes no granito rijo e puro,
Casario a estender-se pela terra,    
Telhados vermelhos,
Paredes brancas de cal e pedra alva,
Mescladas de sombras do xisto escuro.

Do ventre da guardiã granítica,
Nasceste quase na raia de Espanha, 
Montes por onde lutou o bravo lusitano,
Do primeiro e do segundo reis, vila mítica,     
Que os ares gelados da estremenha,
Fustigam, danados, no inverno,
Como nos agrediu o soberbo castelhano.

Os olivais também ondeiam pelas hortas,
Revirando as folhas no gris dos dias de novembro,
Em maio exibes o imenso amarelo das giestas,
Em janeiro, o branco da neve e o negro das azeitonas,
No verão, as cerejas rubras,
E os cachos de uvas roxas em setembro,
Como bandeirinhas na praça pelas festas.

Vila robusta, feita de pedra, até à alma,
A ribeira rega-te, no verão, os lameirais viçosos,
Enquanto no verde dos cômoros do caminho,
Esvoaçam folhas, ao de leve, em tarde calma,
Como o melro roça a asa nos olmos frondosos,
Onde, furtivo, vai dar de comer aos filhos,
No aconchego do arbusto em que fez o ninho.

Terra de séculos, dos tempos idos da história,
De muitíssimas gentes e grandes eventos de outrora,
Mas também de desgraças e de concelhos perdidos.    
Destes, quero esquecer-me e guardar, somente, na memória,
Os júbilos e contentamentos antigos, as festas e romarias,
Porque as coisas vis e a má fortuna, essas, lancei-as fora,
Como se tiram da lembrança os maus instantes e se deixam esquecidos. 

Joaquim Benedito

sábado, 8 de julho de 2017

D. Sancho I

Os sinos do mosteiro de Santa Cruz dobram, dentro do templo encontra-se uma urna que contém o cadáver do rei Sancho I de Portugal, colocada em cima de uma essa ricamente ornada, ladeada por seis tocheiros, três de cada lado.
  Frades agostinianos com seus hábitos negros cantam em cantochão salmos fúnebres, imploram ao Senhor o perdão dos seus pecados e receba sua alma na morada eterna do Céu
  O largo fronteiro ao mosteiro está apinhado de gente que reza e chora a morte do bom rei. Sofria de uma doença terrível que grassava em Portugal e em toda a Europa, a lepra.
  Não poupava ninguém, pobre ou rico.
  D. Sancho I morreu desse terrível mal, a igreja considerava castigo de Deus.
  Findas as exéquias fúnebres, o cadáver foi colocada num mausoléu, perto do túmulo de seu pai D. Afonso Henriques.
  Tinha 56 anos quando naquele dia 26 de Março do ano 1211 entregou a alma ao Criador.
  A vida quotidiana decorria com normalidade em Sanctus Vincencii; os servos trabalhavam para os senhores, donos das melhores terras, alguns tinham que fazer corveio, que consistia em trabalhar gratuitamente um ou dois dias da semana para o senhor dono da terra, os que moravam nas Vinhas, na Fonte da Portela, eram livres de qualquer encargo perante o senhor feudal, dai haver alguns renitentes…
  Alguns dias após a morte do rei, um arauto entrou em Sanctus Vincencci, contactou os Homens Bons, estes, imediatamente mandaram tocar o sino da igreja.
  Mensageiro anunciou a todos os moradores o trágico desfecho.
O povo chorou amargamente a morte de D. Sancho, prior rezou ofícios divinos pela alma de sua majestade.
  Rei morto, rei posto; D. Afonso II seu filho, sucedeu-lhe no trono.
  D. Sancho nasceu no dia 11 de Novembro do ano 1154, ”dia de São Martinho”; por esse motivo deram-lhe o nome Martinho.  
  Henrique, seu irmão, “morreu criança”; por morte deste, o herdeiro da coroa passou a ser Martinho. Os nobres achavam que este nome não era o mais apropriado, passou a chamar-se Sancho Afonso.
  Casou D. Sancho I com Dª Dulce de Aragão no ano 1174 de quem teve dez filhos: D. Afonso; D. Pedro; D. Fernando; D. Henrique; D. Raimundo; D.ª Berengária, que foi rainha da Dinamarca; D.ª Branca e as beatas Teresa; Mafalda e Sancha.
 Para além dos filhos legítimos D. Sancho teve alguns filhos naturais: D. Martim Sanches e D.ª Urraca Sanches; filhos de D.ª Maria Aires de Fornelos.
  De D.ª Maria Pais Ribeira teve seis filhos: D. Rodrigo; D. Gil; D. Nuno; D. Maior; D.ª Constança; D.ª Teresa.

  O campo, nomeadamente as Vinhas, Fonte da Portela, eram lugares onde ainda moravam muitas pessoas; certo dia, ouvem-se gritos aflitivos, vinham do lado da Oles.
  Fujam… vêm aí os sarracenos; matam e queimam tudo por onde passam!
  Pedro Afonso homem possante, valente, imediatamente reúne malados, peões, cavaleiros vilãos…armados de chuços, vão ao encontro dos sarracenos; estes vendo que não conseguiam vencer os habitantes das Vinhas e Fonte da Portela fugiram em direcção à campina dilatada de Vila Franca da Cardosa.
  D. Afonso I já tinha atribuído nome à nova povoação que se encontrava mais acima no sopé da serra, as brenhas, os ursos e outros animais por onde passavam devastavam… eram como o inimigo quando fazia algum fossado.
  Os moradores aos poucos foram deixando o campo, apesar de as terras serem mais fáceis de arrotear, as formigas e a falta de água, obrigava-os a deixarem suas cabanas.
  Os vizinhos, à medida que iam chegando a Sactus Vincencii, eram logo ajudados pelos que já lá moravam, todos juntos levantavam paredes e nascia mais uma casa; as mulheres pariam, o povo rezava na pequena igreja, até que um dia o rei D. Sancho querendo povoar o interior do reino convidou gente da Flandres, da Borgonha… a viverem em Portugal.
  Sanctus Vincencii, já era uma terra importante, o rei sempre preocupado com a governança, defendendo o comércio e fomentando a criação de riqueza atribui forais a muitas terras das beiras.
  Covilhã, 1186; Viseu, 1187; São Vicente 1195; Guarda 1199…
  D. Sancho I não se preocupou somente com a criação de concelhos atribuindo forais, também era meticuloso na administração dos dinheiros públicos, deixou muitos morabitinos nas arcas.
 
  Naquele dia pelas ruas da vila ouviam-se pandeiros, guizos, castanholas; eram dois jograis que anunciavam um folguedo no terreiro, vinham acompanhados por uma amásia e uma soldadeira.
  Saltério, viola de arco e outros instrumentos eram tocados pelos jograis, o povo acorreu em massa, as mulheres dançavam enquanto uma tocava o pandeiro e a outra, castanholas...
  O largo estava todo iluminado com archotes e banhado pela lua cheia; compareceram todos os moradores, que assistiram ao espectáculo com alegria.
     
A do mui bom parecer
mandou lo adufe tanger
louçana, d`amores moir`eu

  A hora ia adiantada, mas ainda houve tempo para ouvirem um jogral declamar uma trova da autoria do rei D. Sancho I; foi um grande protector de trovadores e jograis.
Vamos lá então:
Ai eu, coitada, como vivo em gram cuidado
Por meu amigo, que hei alongado!
Muito me tarda
O meu amigo na Guarda!

Ai eu, coitada, como vivo em gram desejo
Por meu amigo, que tarda e nem vejo!
Muito me tarda!
O meu amigo na Guarda!

  Quando os jograis deram por terminada a função, todos foram para a deita satisfeitos.

  Em nome da Santa e indivisa Trindade, Pai, Filho; Espírito Santo, ámen. Eu, rei Afonso, filho do rei Sancho, juntamente com minha mãe rainha Dulce, e ao mesmo tempo com G. Martins, prior de São Jorge e todo o seu convento e com frei João de Albergaria de Poiares, queremos restaurar e povoar o lugar de São Vicente, damos e concedemos o foro e costumes da cidade de Évora a todos, tanto presentes como futuros que lá quiserem habitar…
 (…) Se alguém quiser rasgar este facto nosso seja amaldiçoado de Deus.
Concedemos a todo o cristão, embora servo, desde que habite durante um ano em São Vicente, seja livre e ingénuo, ele e toda a sua progénie…

  Resumindo: uma vila do tempo da fundação de Portugal, e nunca houve ninguém que tenha atribuído o nome de uma rua, largo ou praça ao rei Sancho I ou erguer-lhe um busto. Nunca é tarde para corrigir…
Fiquem bem!

Notas:
Essa: Estrado onde se coloca o caixão com o cadáver durante as cerimónias fúnebres
Cantochão: Canto da igreja católica, canto gregoriano
Malado: Pessoa sujeita a encargos e serviços dos senhores feudais
Peão: Soldado de Infantaria; plebeu
Jogral: Músico
Amásia: Amante
Soldadeira: Mulher que serve por soldada, criada
Saltério: Instrumento musical de cordas
Louçana: Louçã
Hei alongado: Tenho ausente

Pesquisa:
História de Portugal, Fortunato de Almeida, Promoclube
Fotografia D. Sancho I, História de Portugal, Fortunato de Almeida, Promoclube
História da Literatura Portuguesa Ilustrada, Albino Forjaz de Sampaio, Livrarias Aillaud e Bertrand
Cantiga de amigo, (Ai eu, coitada…) História da Literatura Portuguesa Ilustrada, D. Carolina Michaelis de Vasconcelos

J.M.S

José Barroso

sexta-feira, 7 de julho de 2017

O primeiro Lobo?


O Bonifácio nasceu a 6 de agosto de 1824 e era filho de Francisco Duarte Lobo e Ana Jacinta, 
ambos de S. Vicente da Beira.
O avô paterno chamava-se simplesmente Francisco Duarte.
Será que o pai do Bonifácio foi o primeiro a ter o apelido Lobo, em São Vicente?

José Teodoro Prata

quarta-feira, 5 de julho de 2017

O nosso falar: marmeludo

Fui aos figos, há já umas semanas. Não em São Vicente, porque as figueiras de figos do Algarve que lá tinha (ando a enxertá-las) não dão nada, por via do frio da serra.
Foi nos Cebolais de Cima, terra demasiado quente, mas boa para os figos desta variedade.
Ao chegar às figueiras, a minha mulher deitou logo as mãos a uma pernada e eu avisei-a:
- São marmeludos, não prestam. - eram de uma figueira pindo de mel.
- O que é isso?
- Agora...
A expressão tinha saído à São Vicente, mas eu nem tinha consciência do que dissera e por outro lado os figos da figueira ao lado chamavam-me na urgência da colha.
Depois é que me pus a pensar. Então marmeludos é o mesmo que lampos. São os figos que aparecem semanas ou meses antes da época. Alguns nem prestam, estão inchados, mas nem sabem bem!
A minha mãe também aplicava o termo às pessoas soberbas, com aquele ar zangado que as faz parecer inchadas artificialmente, como os figos fora do tempo.

Já aqui tratámos o tema dos figos do Algarve, por outros chamados simplesmente Algarves. Estive a ver uns sites e alguns chamam-lhes dauphine e outros lampa preta. Não sei se é a mesma variedade ou se são os figos das fotos que parecem os do Algarve.

Este era marmeludo, mas uma delícia!
Numa figueira lisboa branca ou pingo de mel.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 3 de julho de 2017

A Cruz da Oles

No dia 17 de Janeiro de 2015, com o título a “Cruz da Oles”, salvo erro, publiquei o meu segundo escrito no blogue.
Um pouco abaixo do cruzamento da estrada da Cascalheira (tão mal tratada está) e que dá acesso ao Casal da Serra, a estrada da Oles, que liga a vila à vizinha freguesia de Louriçal do Campo, existiu em cima de uma pesserra uma coluna cilíndrica encimada por uma cruz.
Com o corte dos pinheiros no local, terão sido os lenhadores que descobriram a coluna toda escavacada e terão colocado um pedaço na pesserra.
Dei uma volta para ver se descobria a cruz, missão infrutífera.
Para memória futura, aqui deixo fotografias dos pedaços e um troço da estrada.

Cada vez que há um corte, a estrada fica uma lástima.




J. M. S.

sábado, 1 de julho de 2017

O prazo da Paradanta

Rua e casas da Paradanta; foto do Carlos Matos

Em 1836, realizou-se o "Inventário dos Bens e Acções do Extinto Convento das Religiosas Franciscanas", de São Vicente da Beira. A dado passo escreveu-se:


«Um prazo que consta do Casal do Povo da Paradanta, freguesia desta vila de São Vicente da Beira, que parte com a divisa do termo em outro tempo da Covilhã e hoje do Fundão, águas vertentes, e do outro lado com fazenda da antiga religiosa Ângela do Céu e com fazenda de Manuel Antunes do povo dos Boxinos, cujo casal as religiosas do Convento de São Francisco desta vila de São Vicente da Beira aforaram em "fathoerim perpetuo", enquanto o Mundo durar, aos moradores do dito povo da Pradanta, a saber, Brás Leitaõ e sua mulher, a Manuel Mendes e sua mulher, a João Antunes e sua mulher, a Mateus Fernandes e sua mulher, a Iria Francisca viúva e aos mais moradores, pelo foro anual de cinquenta e um alqueires e meio de centeio, meados de trigo, em cada ano, e mais um carneiro vivo e um bode capado, três galinhas e duas dúzias de ovos, tudo pago em dia de Nossa Senhora de Agosto de cada ano, por escritura feita nas Notas do Tabelião Manoel de Andrade Azevedo desta vila, em doze de abril de mil setecentos e vinte e três. Cujo contrato foi avaliado pelos louvados fazendeiros deste inventário, abatido o foro, em trezentos e oitenta e sete mil e seiscentos réis.»

Vocabulário:
aforar - arrendar
águas vertentes - águas que correm encosta abaixo; neste caso, a propriedade ia do vale até ao cume do monte, cume que era o limite do concelho de S. Vicente da Beira com o concelho do Fundão
alqueire - medida de capacidade, neste caso para sólidos, correspondente a 15,48 litros, em S. Vicente da Beira (a medida variava de concelho para concelho).
bode - macho caprino adulto
foro - renda; os moradores da Paradanta pagavam 51,5 alqueires meados de trigo e centeio; considerando que um foro correspondia a um oitavo do que a propriedade podia produzir, o prazo da Paradanta produziria cerca de 400 alqueires, o que correspondia a mais de 6.000 litros de semente.
louvado - testemunha
Nossa Senhora de Agosto - dia 15 de agosto, em que se comemora a Assunção de Nossa Senhora; neste dia é que se pagavam quase todas as rendas, nesta região
prazo - propriedade arrendada
tabelião - notário

José Teodoro Prata