segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Festa e bodo de S. Vicente e S. Sebastião

 Após a missa, na Igreja Matriz, São Sebastião voltou a casa e levou São Vicente como convidado.

A nossa banda filarmónica tocou no adro da Matriz, participou na procissão e voltou a tocar no adro da capela.

Agora, São Vicente ficou em casa de São Sebastião. 

 E cumpriu-se a tradição do bodo de São Sebastião: distribuição de papossecos benzidos, para proteger das maleitas, e filhós.

Este ano, o bodo reviveu-se de forma mais completa, através de um almoço comunitário. Quatro mesas a cerca de 30 pessoas cada uma dá 120 participantes. Com o pessoal da organização (o meu obrigado a todos), terão participado entre 125 e 140 pessoas. Bem bom, para uma primeira vez.
Não sei de quem foi a iniciativa do almoço, mas englobou gente de vários quadrantes, o que constituiu um momento de vida comunitária muito bonito e necessário.
Que venham muitos mais e sobretudo que esta unidade se reviva em situações de outros tipos.

José Teodoro Prata
Fotos de Conceição Teodoro, Jaime da Gama e José Teodoro

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Gente e histórias da nossa terra

Joaquim Rodrigues Marques

O tio Joaquim nasceu em São Vicente da Beira no dia 28 de junho de 1853. Era filho de António Rodrigues Marques e Maria José Raposa.
Eram muitos filhos em casa, mas o pai, homem humilde, mas de grande sabedoria, mandou-os todos à escola. «Não há melhor ferramenta que saber ler, escrever e fazer contas.» - dizia muitas vezes. Mesmo assim, pela vida fora, não se livrou do cabo da enxada e do trabalho à jorna, sorte de quem não tinha terras suas para sustentar a família.
Casou com Josefa Augusta, uma mulher trabalhadora, que herdara da mãe a arte do governo da casa e do tear, e tiveram nove filhos. O primeiro foi um menino, todo desenxovalhado; puseram-lhe o nome do avô. Seguiram-se sete raparigas que se fizeram todas mulher; por último, outro rapaz; esperto que só visto, mas quis Nosso Senhor levá-lo ainda criança, mesmo à justa de receber os Sacramentos da Santa Madre Igreja.
Foi sempre um homem rijo, o tio Joaquim. Nunca perdia um dia, se lho davam a ganhar, quer fosse na ceifa, na azeitona ou a cavar. E quando não era à jorna, era nos bocaditos que tinha herdado do pai ou comprado com o pouco que ia apurando. Com a ajuda da mulher e dos filhos, era lá que colhia um pouco de tudo para o governo da casa.  
Viveu num tempo de grandes acontecimentos e, a propósito de tudo aquilo que tinha visto e ouvido contar, tecia um enredo. Os netos, pelavam-se por o ouvir. Sempre que os pais davam ordem, fosse de inverno ou de verão, mal acabavam a ceia abalavam de casa para irem seroar com ele. Para além das passas e das castanhas, tinha sempre uma história.
Eram quase sempre histórias de arrepiar, as que contava: Vidas de santos mártires; bandidos que saltavam ao caminho de quem passava, e roubavam e matavam quem lhes fizesse frente; almas penadas que atormentavam quem cá ficava, por promessas por cumprir; bruxas que deitavam maus olhados a quem se cruzasse com elas; trovoadas com raios que deixavam num tição rebanhos inteiros e pastores; lobos que desciam da serra, no tempo das neves, e até gente comiam; moléstias que vinham de repente (lembrava-se bem das bexigas, era ainda criança, e da pneumónica, já entrado nos anos. Casa onde entrassem, levavam tudo a eito. O dobrar de um finado misturava-se com o do outro a seguir, e nem terra sagrada já havia para enterrar tanta gente. Dizia-se até que, por serem males tão pegadiços, se enterravam os mortos à pressa e, por mais que uma vez, se ouviu gente já amortalhada a gemer por uma pinga d’água). Eles, mesmo que já soubessem de cor essas histórias, ouviam-nas com olhos arregalados de susto, como se fosse a primeira vez; e tinham os mesmos arrepios quando voltavam para casa, à luz da lanterna, e dobravam uma certa esquina onde se lhes afiguravam vultos negros à espreita, ou passavam à porta da casa onde morara uma costureira, morta há que tempos, mas de onde saía ainda o som cadenciado do pedal da máquina de costura.    
Contava também uma, passada com ele, que nunca mais tinha esquecido. Era uma manhã fria e enevoada de janeiro, a Vila quase deserta, que em tempo de azeitona só ficavam em casa sapateiros, alfaiates, ferreiros e pouco mais que algum porte tivesse. Calhou também ele estar de cama por causa duns febrões de três dias. De manhã bem fez por se pôr de pé, quando ouviu o búzio a chamar, mas nem acolheu as pernas fora da cama.
Naquele tempo morava numa casa na rua Nicolau Veloso, mesmo na esquina com a Manuel Mendes, e, quando foi a meio da manhã, começou a ouvir um serrabulho que parecia o fim do mundo. Veio-lhe logo à ideia uma história que o avô contava, que a ouvira já do avô dele, quando uma corja de castelhanos entrou Vila adentro, roubou tudo o que havia para roubar, matou e prendeu quem quis e, ao fim, atearam fogo ao que não puderam levar. Muitas casas ficaram reduzidas a cinzas, até a Casa da Câmara. Inteira, só escapou a Igreja da Misericórdia, mesmo ali ao lado. «Milagre do Senhor Santo Cristo!» - clamava o povo, e dizem que foi a partir daí que começaram a fazer-Lhe a festa, todos os anos, no mês de setembro (ou terá sido por causa da nuvem de gafanhotos que desceu sobre o renovo e, não fossem as preces ao Santo Cristo, tinha deitado a perder toda a colheita desse ano?).
Não era homem de ter medo, o tio Joaquim, mas foi com alguma cautela, e a muito custo, que saiu da cama e foi assomar ao postigo: até metia medo, tal era o mar de gente a correr rua abaixo, tudo com paus, forquilhas, foições e machadas no ar, aos gritos: «Fujam que vem aí a tropa!» Quando se meteu para dentro encarou com um desconhecido, mesmo ao lado dele. Era um velho, pr’aí a meio entre os sessenta e os setenta, de pernas bambas amparadas a um pau, enfiado num gabão que o cobria da cabeça aos pés. Arfava que até parecia que lhe saltavam os bofes p’la boca. A porta estava sempre no trinco e, com a algazarra, nem tinha dado conta d’ele entrar.
- O qu’é que vosmecê quer?
- Deixe-me aqui descansar um bocado, que nem me tenho nas pernas.
O tio Joaquim, ainda mal afeito aos acontecimentos, nem sabia o que dizer, mas lá se resolveu. Apontou-lhe o mocho com o queixo «assente-se aí», e enfiou-se a ele debaixo do fato, que já estava a bater o dente.
Mais calmo, o velho pôs-se a contar: Era de Almaceda, e para aqueles lados da serra andava o povo preado por causa da cobrança das contribuições, aumentadas para mais do dobro. Nas tabernas e à saída da missa (o padre sempre a louvar a ordem e a obediência ao rei e às outras autoridades), não se falava noutra coisa. Era demais, desta vez! Ainda por cima gostavam de saber para onde é que ia o dinheiro de tanto imposto, que para proveito do povo não era: só se lembravam deles quando era para cobrar. Era mas é para encher o bandulho dos que não faziam nada, mas viviam à tripa forra - o rei, lá por Lisboa, e os condes e viscondes, por cá.
Como é que se faz, como é que deixa de se fazer… Cada cabeça sua sentença. Diziam uns que não se pagava, e pronto; que fossem lá os ladrões da Vila, que haviam de levar que contar. Diziam outros, a maioria, que não bastava; tinha era que se armar uma revolta e cortar o mal pela raiz. Ao fim, concordaram todos que o remédio só podia ser um: «Vai o povo até à Vila, toma-se a Câmara de assalto e queima-se a papelada toda. E ai de quem se meta à frente! Depois muda-se a gente para Castelo Branco, se for preciso, que mais mal servidos não hemos de ficar.» Assentaram o dia e passaram a palavra às terras todas das redondezas.
De madrugada, mal passava da meia-noite, Almaceda começou a encher-se de gente vinda de toda a freguesia, e marcharam por aí arriba, com as armas que tinham à mão. Quando chegaram aos Pereiros já lá estavam à espera os da Partida, do Violeiro, do Mourelo, do Tripeiro e da Paradanta. Para cima de mil homens, novos e velhos. À frente ia o Almeida Afonso, um ricalhaço de Valbom que era quem dava as ordens. À entrada da Vila começaram a rufar tambores e tudo a bradar «Morte aos ladrões! Abaixo as contribuições!» Assim que chegaram à Praça, uns, mais valentes, meteram ombros à porta da Câmara e deitaram-na abaixo. Depois foram-se à papelada, atiraram com tudo cá para fora e chegaram-lhe lume. Uma fogueira que só visto! Dabanão, começou-se a ouvir o búzio e alguém aos gritos, que vinha lá a tropa, e pôs-se tudo a correr, rua abaixo. Ninguém queria ser apanhado e metido na enxovia, que ainda havia a azeitona para acabar de colher.
- E vosmecê, c’a idade que tem, com’é que se meteu num trabalho destes?
- Inté parecia mal fequer na cama. Já estou velho, mas não sou intrevado e inda sou homem com’ós outros. Nem que fosse a últema coisa que fezesse na vida, tinha que vir. Os de cá da Vila chamam-nos charnecos, como se fossem mais que a gente, mas tomaram muitos! Em brio e união, ninguém nos chega aos calcanhares. Quando os sinos tocam a rebate, seja pró que for, acode o povo todo, novo e velho; não é com’em muito lado, cada um por si… Bom, e agora vou andando, que, não tarda, é noite.
 - Beba um copito d’aguardente. Tem ali a garrafa ao despor, não se acanhe. Olhe qu’é da boa!
Meteu a garrafa à boca, bebeu um golo e ao fim até estalou os beiços.
- Ó diabo, esta aquece!
- Beba mai um golo.
- Bem-haja, mas vou-me indo. Até outro dia! E perdoe lá aquelas palavras d’ há pouco. A gente sabe qu’em todo o lado há bom e há mau, que, ao fim e ao cabo, somos todos do mesmo sangue…
- Vá com Deus!

Teve alguns desgostos, o tio Joaquim. Para além da morte do filho mais novo, e depois da mulher, uma das coisas que mais lhe tinha custado na vida foi não poder ir ao casamento da filha mais velha, a sua Maria de Jesus, que tinha ido servir para Lisboa e por lá arranjou namoro. O pai bem lhe escreveu a pedir que viesse casar-se à terra, mas ela teimou que fosse ele lá.
Não foi difícil convencê-lo, que era um sonho já antigo que tinha, ir a Lisboa. Queria ver o mar que tinha ouvido dizer que era tão grande que não se lhe via o fim. E também queria ver se, como se dizia, as ruas à noite eram tão alumiadas que até aparecia sempre dia. E amontar no comboio, que só o tinha visto de longe, e era assim como uma bicha a deitar fumo como a chaminé das fornalhas dos carvoeiros.
Uns tempos antes da data do casamento mandou fazer umas botas novas no sapateiro mais fino da Vila. Tirou também as medidas para um fato completo, com colete e tudo para meter o relógio de bolso. Nas vésperas preparou a bilha de azeite e um cesto, o maior que tinha, com tudo o que havia de melhor em casa para levar à filha. No dia marcado saiu de casa de madrugada, tão excitado que parecia uma criança a antecipar uma aventura. Mas quando chegou a Castelo Branco e viu uma lambança que ninguém se entendia, ficou com o coração nas mãos. Quando lhe disseram que não havia comboios, que estavam em greve, até sentiu um frio na alma. Estava-se nas entradas de 1914, e o tio Joaquim já tinha ouvido falar em greves, por alto, mas lá longe. Por modos, também já cá tinham chegado, e logo agora, nas vésperas do casamento da filha...
De regresso à terra, quase lhe vieram as lágrimas aos olhos, mas, pensando bem, não fora o transtorno que esta greve lhe dava, até louvava a coragem daquela gente, que era uma vergonha a miséria em que o povo vivia. Ele era muito religioso, não faltava a uma missa nem à desobriga na Quaresma, mas tinha as suas dúvidas sobre algumas passagens dos Evangelhos. Não acreditava que Deus, um Ser tão bom e tão justo, estivesse de acordo com o estado do mundo: uns poucos a viver à grande, com terras que a vista não alcançava, e a maioria, com jornas que começavam com a aurora e se espichavam para lá do sol-posto, mal tinham com que encher a barriga aos filhos. Quando acabaram com a monarquia, os republicanos bem se tinham fartado de fazer promessas; houve esperança que as coisas mudassem para melhor, mas continuava tudo na mesma. Até que enfim, que o povo estava a abrir os olhos e a levantar-se contra a escravidão em que sempre tinha vivido.

A melhor coisa que inventaram, o comboio! Por onde quer que passasse, quem o via ao longe sonhava com mundos maiores. Mundos que não acabassem, para lá das serras que se avistavam ao longe. O pior foi quando o ladrão começou a levar para Lisboa a mocidade das nossas terras, despejando-a depois em navios que a levava para a guerra, lá longe; primeiro para África e depois para a França. Só da freguesia tinham ido uma tormenta deles. Não houve família de onde não tivesse abalado alguém, fosse filho ou parente chegado. Um pranto que era o fim do mundo, quando abalavam! Na igreja, as velas estavam sempre a arder, e as novenas e ladainhas eram umas a seguir às outras. Pelo que contaram, morreu por lá tanto soldado que nem davam vazão a enterrá-los todos. Deve ter sido milagre do Senhor Santo Cristo e da Nossa Senhora, que tinha aparecido em Fátima, que, dos nossos, só por lá ficaram dois. Quando regressaram foi uma alegria tão grande que os sinos não se calavam, horas a fio a badalar a festa!   

Para cima dos oitenta, se o tempo deixava, o tio Joaquim ainda saía todos os dias até à fazenda, que mais não fosse para dar campo à moucha, sempre a balir na corte: nascida e criada na serra, nunca se avezara às quatro paredes e ao lusco-fusco da loja. À noite, à luz da candeia ou da ala das cavacas, lia tudo o que lhe chegasse à mão, fossem as páginas de algum jornal já atrasado «para saber as novidades» - dizia ele, alguma pagela, um livro de orações ou vidas de santos. E quando morreu, aos 87 anos, dizem que ainda nem precisava de óculos para ler!

M. L. Ferreira

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

O massacre de Alpedrinha

Volto a publicar aqui as minhas crónicas na Rádio Castelo Branco, porque esta e as próximas têm um caráter fortemente regional e até local (de SVB). Devem clicar no link e depois no logotipo de História ao Minuto. A última (que coprresponde ao título da  publicação no blogue) é  a que está primeiro, na listagem.
http://www.radiocastelobranco.pt/audioteca/

José Teodoro Prata

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

O primeiro Nicolau



Nicolau Francisco nasceu a 29 de Novembro de 1783, filho de João Franco (nasceu a 30 de agosto de 1749, Tinalhas) e de Genoveva Maria da Conceição (nasceu a 18 de Outubro de 1748, Alcains); casaram a 4 de Fevereiro de 1772.
·       Genoveva Maria da Conceição era filha de José Martins Bicho, de Alcains, e Maria Gonçalves, de Sarnadas de Rodão.
·        Nicolau Francisco casou, em 27 de Junho de 1808, com Anna Vitorina dos Prazeres, da Lardosa; tiveram um filho de nome Francisco Nicolau, que nasceu a 24 de Março de 1809.
·     Francisco Nicolau (moleiro) casou com Joaquina Augusta, de São Vicente da Beira, a 18 de maio de 1836; deste casamento nasceram(*):
·      *Bonifácio Nicolau, 30 de Janeiro de 1841, casou a 20 de Novembro de 1872 com Maria do Carmo Silva; avós do sr. António Maria e outros…
·        Maria Joaquim Nicolau, 1843, casou, a 29 de Janeiro de 1866, com António Henriques.
·    *José Nicolau, 20 de Março de 1845, casou a 24 de Julho de 1873, com Maria Umbelina Lopes. (avós de Jaime Pedro, Joaquim Pique, Francisco Pedro (Arefa), etc).
·      *Maria José Nicolau, 1849, casou a 27 de agosto, com Joaquim José Bau. (trisavós do Pedro Miguel Bau, 1977).
·      António Nicolau, 26 de Julho de 1855, casou, a 24 de Fevereiro de 1886, com Francisca de Jesus Ferreira. (avós do sr. Manuel Diogo).
·      *Anna Victorina Nicolau, 5 de Abril de 1855, casou a 18 de Dezembro de 1879, com Joaquim da Silva Lobo. (avós da Ilda Canhoto).
·        *Maria Antónia Nicolau, 13 de Junho de 1858, casou, a 15 de Julho de 1885, com Joaquim Hipólito de Jesus. (avós do Ernesto Hipólito).
·        *João Nicolau, 23 de Abril de 1861.
·        Casou, em segundas núpcias, a 13 de Outubro de 1819, com Ritta Jacinta da Conceição de Oliveira, de São Vicente da Beira (1791) tiveram os filhos(#):
·        #Maria Genoveva da Conceição,14 de agosto de 1820, casou, em São Vicente da Beira, a 13 de Outubro de 1841, com Damião Alves de Sousa, natural de Santo Estevão da Facha, Ponte de Lima, deste casamento nasceram(&):
·        &Francisco Alves de Sousa, casou com Clara de Jesus Vas.
·   Maria Emília Alves de Sousa, casou com Manuel Martins Gama, avós paternos de Artur Parreira da Gama.
·        &Manuel Alves de Sousa, casou com Maria Delfina, avós materno de Maria Ângela Alves de Sousa Craveiro.
·        &;Simão Alves de Sousa, casou com Maria da Natividade Raposa.
·        #Francisca do Carmo, 11 de Janeiro de 1822, casou em São Vicente da Beira, a 24 de agosto de 1853, com José da Costa (Enxabarda); deste casamento nasceram(%):
·        %Maria José do Carmo, 13 de Março de 1859, no Casal da Fraga;
·        %Maria do Carmo Costa, 3 de Abril de 1861:
·        %Maria da Costa, 4 de Fevereiro de 1864
·        #Catharina dos Santos de Oliveira, 4 de fevereiro de 1829, casou em São Vicente da Beira, a 19 de agosto de 1860, com João Gonçalves Faustino; deste casamento nasceram(”):
·        “Maria dos Santos Faustino, 8 de agosto de 1860;
·        “António dos Santos Faustino, 1 de junho de 1863;
·    “Joaquim dos Santos Faustino, 3 de Setembro de 1865 (a mãe faleceu após o nascimento, talvez um parto muito difícil…)

Jaime da Gama

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

O nosso falar: galandrou

Nestes dias que passaram tive cá a minha netinha e fartámo-nos de andar no galandrou, pelo bairro, a apresentar-lhe a bicharada: pessoas, cães, gatos, galinhas....
Diz-me um site online que galandrou é andar na moina, na vadiagem. Em São Vicente da Beira tem a mesma carga negativa, mas ainda se aplica a situações mais inocentes como a que vivi por estes dias. Por outro lado, o termo adjetiva também a pessoa que pratica o galandrou: És um galandrou!, assim, sem variação de género. 
O site consultado apresenta o livro "Como se fala na minha terra", de Aníbal da Cunha Belo. E a terra em causa é Gavião de Ródão.
Para quem gosta destas coisas, vale a pena consultar:

José Teodoro Prata

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

António Marques



António Marques nasceu em São Vicente da Beira, no dia 30 de março de 1895. Era filho de Francisco Marques e Maria Bárbara.
Assentou praça no dia 19 de junho de 1916, como recrutado, e foi incorporado no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21. Pronto da instrução da recruta, em 29 de abril de 1916, domiciliou-se em São Vicente da Beira. Era, na altura, analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro.
Mobilizado para a guerra, embarcou para França no dia 21 de janeiro de 1917. Fazia parte da 1.ª Companhia do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, como soldado, com o n.º 437 e a placa de identidade n.º A-8893. Foi vacinado.
No seu boletim individual apenas consta uma diligência a Paris, entre os dias 11 e 21 de junho de 1918. Regressou a Portugal, no dia 28 de fevereiro de 1919, a bordo do vapor Helenus.



António Marques com a farda da GNR

Em fevereiro de 1920 ingressou na GNR, como soldado de 2.ª classe. Foi promovido a soldado de 1.ª, em julho, e a aprendiz de corneteiro, em novembro do mesmo ano. Em agosto de 1921, foi promovido a 2.º Cabo Corneteiro, passando a integrar o Batalhão n.º 2 do Regimento de Infantaria 21. Em 16 de abril de 1922, por efeito de reorganização, passou ao Batalhão n.º 2 da GNR. Licenciado em 2 de fevereiro de 1922, regressou novamente à terra.
Condecorações:
  • Medalha Militar de cobre com a legenda: França 1917-1918;
  • Esta medalha foi substituída pela Medalha Militar de cobre da classe de Comportamento Exemplar, pelo Decreto 6568, de 24 de abril de 1920. (O Comandante Interino do seu batalhão, numa informação de serviço com a data de 7 de março de 1922, faz referência ao cumprimento zeloso dos seus deveres e ao seu exemplar comportamento);
  • Medalha da Vitória.
Família:
António Marques e Maria de Jesus Paulino casaram-se, em maio de 1923, e tiveram quatro filhos:
  1. Felicidade de Jesus, que casou com José Ramos e tiveram 7 filhos;
  2. José Marques, que casou com Carlota Caio e tiveram 7 filhos;
  3. Deolinda de Jesus, que casou com Joaquim Paulino e tiveram 4 filhos;
  4. Maria Bárbara Marques, que casou com Manuel Mateus Jerónimo e tiveram 2 filhos.
António Marques com a esposa, filhos e netos

«Não gostava muito de falar dos tempos da Guerra, mas quando lhe perguntávamos como é que era a França, respondia-nos que era uma terra muito longe, de muita miséria, e tinham lá passado muita fome e muito frio; que a única coisa que lá havia com fartura era piolhos.
Diz que às vezes andavam tão desacorçoados que só tinham era vontade de chorar. Por causa disso até inventou uma cantiga que era assim:

Soldado que vais p’ra guerra,
Vais deixar a tua terra,
O cantinho do teu lar;
Tantas mágoas te consomem,
Mas não choras porque és homem,
E é feio um homem chorar.

Às vezes puxávamos por ele e contava-nos que um dia passaram por um sítio onde viram umas raparigas muito bonitas. Eles, rapazes novos, ficaram todos contentes e alguns saíram da formatura e deixaram-se ficar para trás, para ver se arranjavam namoro com alguma delas. Pelos vistos não conseguiram grande coisa, apesar de, como ele dizia, a mãe duma das mademóselas dizer para a filha: «Leonilde, fé bisu à Antoane!». Mas nunca nos disse se sempre tinha conseguido um beijinho. Diz que depois é que foram elas, porque se perderam e viram-se e desejaram-se para encontrar os companheiros. E, claro, quando chegaram foram castigados.

José da Silva Lobo (José Cipriano) e António Marques

Quando voltou da guerra, em 1919, entrou para a GNR e ficou colocado em Lisboa. Andou por lá alguns anos, mas entretanto começou a namorar a minha mãe e, como ela não quis abalar para Lisboa, ele fez-lhe a vontade: deixou a Guarda e voltou para a terra.
Teve uma vida de muitas dificuldades, igual à da maior parte das pessoas desse tempo, mas a verdade é que era do trabalho do campo que ele gostava. Semeava de tudo um pouco, mas apesar de trabalhar muito, a fartura não era grande, porque as colheitas às vezes mal davam para as rendas e as sementes. Os tempos também eram difíceis, porque não havia dinheiro, mas também havia pouco que comprar por causa das outras guerras que vieram a seguir àquela em que ele tinha andado. Houve alturas em que, para se comprar um bocadinho de açúcar ou um rabo de bacalhau, tínhamos que ficar horas numa bicha.
Ficou viúvo em 1962, e em 1968, quando eu fui para França, levei-o comigo e viveu lá ainda durante dezasseis anos. Mal ele adivinhava que, passado tanto tempo, havia de voltar àquela terra onde tanto tinha sofrido! Mas desta vez as condições eram outras e ele viveu estes anos com alguma tranquilidade, mas sempre com o pensamento em Portugal.
Em 1984, viemos passar férias e ele ficou doente e já não quis voltar para França. Morreu passados poucos meses, na terra de que mais gostava!» (testemunho da filha Maria Bárbara).
António Marques faleceu no dia 19 de maio de 1985. Tinha 90 anos de idade.

(Pesquisa feita com a colaboração das filhas Felicidade Marques e Maria Bárbara Marques)


Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"