quarta-feira, 25 de junho de 2025

Ó meu São João Batista

 Acordei com um forte batuque e vozes de mulheres a cantar. Cheguei-me à janela e uma pequena multidão descia a rua, atrás de adufeiras, que cantavam e bailavam ao ritmo dos seus adufes.

São João subiu ao céu

A regar o seu jardim.

Trouxe um cravo p´ra Sant´Ana

Outro p´ra São Joaquim.


Vesti-me à pressa, saí para a rua e misturei-me com as pessoas. O que é isto?, perguntei. São as adufeiras de Penha Garcia, é uma homenagem à Ti Rita!, alguém me informou.


São João não tem capela

Venha cá que la darei.

Tenho cá cravos e rosas

E outras flores buscarei.


Descemos a rua e o cheiro a rosmano e marcela a arder sentia-se cada vez mais forte. Na praça ardia uma grande fogueira e em volta um grupo fazia coro com o Manel Ceguinho que tocava na concertina uma modinha do São João. As adufeiras e acompanhantes juntaram-se a eles e depois todos se dirigiram para o pelourinho, onde lançaram ginjas à rebatinha.

Esta noite hei de ir às ginjas

Esta noite hei de ir a elas – ai lindó.

Quem as tiver que as guarde – ai lindó

Se não ficará sem elas – ai lindó.


Fui beber água à fonte de São João. Como estava linda, enfeitada com vasos de cabeleiras brancas amareladas! Quem fez isto tudo? Como apareceram aqui? As crianças da escola!, disseram-me. E os papelinhos com as quadras ao São João? Também foram elas.

São João lá vai lá vai

Ai se lá vai, deixai-o ir.

Ai qu´ele é menino mimoso

Ai vai ao céu e torna a vir.


Desci a Rua do Beco e, em frente à padaria, as filhas da Sr.ª Céu tinham trazido um cântaro para a rua, que rapazes e raparigas, em fila e de costas, lançavam à pessoa que estava atrás de si. Além falhou e o cântaro caiu no chão e ficou em cacos. Risada geral.


São João era bom homem

Se não fosse tão velhaco.

Ia à fonte com três moças

E vinha de lá com quatro.


Mais animação no largo da Fonte Velha, também ela enfeitada com cabeleiras. Outra fogueira ardia, enchendo o largo de fumo acre do rosmaninho e adocicado da marcela. Rapazes saltavam as chamas, constantemente avivadas pelo guardião da reserva de rosmano ali ao lado. Um tocador desceu a Rua da Costa, vindo lá do alto de onde se avistava fumarada. Era o Zé Té-Té, com a concertina, que deu voltas à fogueira com os rapazes e as raparigas a cantar e a bater palmas.


Para o São João que vem

Já não moro nesta rua.

Inda não tenho casa

Menina arrende-me a sua!


Depois seguiu pela Rua Velha e eu segui os foliões. Ao fundo da Rua Nicolau Veloso, mais animação, e na Fonte de São António juntámo-nos às adufeiras acabadas de chegar. Os adufes e a concertina animaram um bailarico em frente à casa do sr.º Manel da Silva.


Donde vens tu São João

Donde vens tão molhadinho?

Venho do rio Jordão

De regar o cebolinho.


O cortejo voltou à Praça e, surpresa, já não era um tocador, eram muitos, cada um vindo de um cruzamento de ruas, todos convergindo para o centro. Quem são? Porquê tantos?, perguntei. São os da Carapalha e vieram recordar todos os nossos tocadores de concertina.


No altar de São João

Nasceu uma cerejeira.

Qual será a mais ditosa

Que lhe colherá a primeira?


O arraial de São João estava animado, mas eu regressei à minha rua, atraído pelo cheirinho a sardinha assada do tradicional arraial organizado pelo Zé Cavalheiro. Estavam os vizinhos todos, às voltas com sardinhas, pão e vinho, em alegre cavaqueira. Na fonte havia vasos de manjericos. Passei-lhes a mão, cheirei e fui ficando, sem pressas de voltar aos lençóis.

Do São João ao São Pedro

Quatro a cinco dias são.

Moças que andais à soledade

Alegrai o coração.

Notas:

1.     Não há sincronia neste texto, pois cruzo nele pessoas e tradições de épocas diferentes.

2.     Um dia, poucas semanas antes do início da pandemia, reuni-me com o Carlos Semedo, sugerindo-lhe a realização de algumas das nossas tradições do São João, no Festival Água Mole em Pedra Dura, que se realizava no fim de semana próximo da festa deste santo. Este texto é um pouco do que combinámos, mas ficou por concretizar.

3.     As quadras foram retiradas do livro Etnografia de S. Vicente da Beira, de Isabel Teodoro

José Teodoro Prata

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