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segunda-feira, 25 de abril de 2016

Manifesto político

Dizer Não
Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros.
Diz NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem dos cemitérios.
Diz NÃO à cultura com que queiram promover-te, se a cultura for apenas um prolongamento da polícia. Porque a cultura não tem que ver com a ordem policial mas com a inteira liberdade de ti, não é um modo de se descer mas de se subir, não é um luxo de «elitismo», mas um modo de seres humano em toda a tua plenitude.
Diz NÃO até ao pão com que pretendem alimentar-te, se tiveres de pagá-lo com a renúncia de ti mesmo. Porque não há uma só forma de to negarem negando-to, mas infligindo-te como preço a tua humilhação.
Diz NÃO à justiça com que queiram redimir-te, se ela é apenas um modo de se redimir o redentor. Porque ela não passa nunca por um código, antes de passar pela certeza do que tu sabes ser justo.
Diz NÃO à verdade que te pregam, se ela é a mentira com que te ilude o pregador. Porque a verdade tem a face do Sol e não há noite nenhuma que prevaleça enfim contra ela.
Diz NÃO à unidade que te impõem, se ela é apenas essa imposição. Porque a unidade é apenas a necessidade irreprimível de nos reconhecermos irmãos.
Diz NÃO a todo o partido que te queiram pregar, se ele é apenas a promoção de uma ordem de rebanho. Porque sermos todos irmãos não é ordenanmo-nos em gado sob o comando de um pastor.
Diz NÃO ao ódio e à violência com que te queiram legitimar uma luta fratricida. Porque a justiça há-de nascer de uma consciência iluminada para a verdade e o amor, e o que se semeia no ódio é ódio até ao fim e só dá frutos de sangue.
Diz NÃO mesmo à igualdade, se ela é apenas um modo de te nivelarem pelo mais baixo e não pelo mais alto que existe também em ti. Porque ser igual na miséria e em toda a espécie de degradação não é ser promovido a homem mas despromovido a animal.
E é do NÃO ao que te limita e degrada que tu hás-de construir o SIM da tua dignidade.
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'.

Nota: Este texto do Vergílio Ferreira é todo um manifesto político de uma revolução que deve começar dentro de cada um de nós, que é onde todas as revoluções têm de se fazer, mais tarde ou mais cedo. Vem na linha do existencialismo dos anos 50-70 do século passado,uma filosofia centrada no homem, em todos e cada um.
E para ouvir hoje, 25 de ABRIL, duas canções do Zeca.




José Teodoro Prata

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Liberdade

Se um dia me perguntassem qual a minha palavra de eleição, escolheria liberdade. Ela é intrínseca à natureza humana, traduz uma das mais importantes caraterísticas do homem. Motiva rebeliões individuais e coletivas, provocando as revoluções que mudam o curso da História.
Normalmente, atribuímos à economia a causa impulsionadora destes movimentos sociais, mas a ânsia de liberdade acompanha sempre as motivações económicas e continua presente mesmo quando o materialismo está ausente, de todo.
Por isso, ao pensar numa canção do Zeca Afonso, para assinalar o 25 de Abril, de entre tantas excelentes, escolho um poema escrito e musicado em honra do seu amigo Alfredo Matos, preso nas masmorras da PIDE.
Chama-se "Por trás daquela janela" e saiu no álbum "Eu vou ser como a toupeira", em 1972.


Por trás daquela janela

Por trás daquela janela [bis]
Faz anos o meu amigo / E irmão

Não pôs cravos na lapela
Por trás daquela janela
Nem se ouve nenhuma estrela
Por trás daquele portão

Se aquela parede andasse [bis]
Eu não sei o que faria / Não sei

Se a minha faca cortasse
Se aquela parede andasse
E grito enorme se ouvisse
Duma criança ao nascer

Talvez o tempo corresse [bis]
E a tua voz me ajudasse / A cantar

Mais dura a pedra moleira
E a fé, tua companheira
Mais pode a flecha certeira
E os rios que vão pró mar

Por trás daquela janela[bis]
Faz anos o meu amigo / E irmão

Na noite que segue o dia[bis]
O meu amigo lá dorme / De pé

E o seu perfil anuncia
Naquela parede fria
Uma canção de alegria
No vai e vem da maré

Por trás daquela janela[bis]
Faz anos o meu amigo / E irmão

Não pôs cravos na lapela
Por trás daquela janela
Nem se ouve nenhuma estrela
Por trás daquele portão

domingo, 25 de abril de 2010

Em Abril, lutas mil

Era uma vez um povo que labutava de sol a sol, para garantir o pão de cada dia. A sabedoria das suas coisas simples condensava-a nos provérbios que fazia:

Em Abril, águas mil.
Em Abril, salga o teu olivil.
Abril frio e molhado, enche o celeiro e farta o gado.
Abril molhado, sete vezes trovejado.


Uma vida simples, sem ambições e de horizontes estreitos.

Bendita seja a miséria, porque faz o povo humilde.
(Cardeal Cerejeira)


Mas os poetas vêem as coisas noutra perspectiva.

Habito o sol dentro de ti
descubro a terra aprendo o mar
rio acima rio abaixo vou remando
por esse Tejo aberto no teu corpo.

E sou metade camponês metade marinheiro
apascento meus sonhos iço as velas
sobre o teu corpo que de certo modo
é um país marítimo com árvores no meio.

Tu és meu vinho. Tu és meu pão.
Guitarra e fruta. Melodia.
A mesma melodia destas noites
enlouquecidas pela brisa no País de Abril.
...
(“A Rapariga do País de Abril”, Manuel Alegre)


E semearam a inquietação:

Menina dos olhos tristes
o que tanto a faz chorar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar


ou

Eles comem tudo
eles comem tudo
eles comem tudo
e não deixam nada


ou

Grândola, vila morena
terra da fraternidade
o povo é quem mais ordena
dentro de ti, ó cidade
(José Afonso)


E no dia 25, até o poeta se comoveu ante a realização do sonho.

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
(Sophia de Mello Breyner Andresen)


Depois, o povo fez desse dia 25 de Abril um marco divisório, entre um antes...

O tempo da fome
O tempo da outra senhora
Um tempo dum filho da p…


...e o depois:
o direito ao voto para todos,
melhores salários,
mais educação,
melhor saúde...

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Memórias de Abril e Maio


Em 1974, eu frequentava o 6.º ano (actual 10.º ano), no Seminário do Tortosendo.
No dia 25 de Abril, logo cedo, o P.e Guerra, pároco diocesano de Peraboa, chegou de carro e saiu a correr para a sala de professores. A seguir tivemos aula com ele. Com um rádio junto à secretária e outro no fundo da sala, em emissoras diferentes, tentávamos saber mais qualquer coisa do que se estava a passar em Lisboa.
Contagiou-nos com o seu entusiasmo, mas cumpriu o dever de educador: atenção, pois liberdade rimava com responsabilidade! Uma chatice, para quem tinha 16 anos.
No dia seguinte, fomos ao Tortosendo. Pessoas ligadas ao Unidos disseram-nos que queriam o nosso P.e Jerónimo no comício de 28 de Abril!
O Unidos era o grande clube desta vila operária, um centro da oposição ao regime, com o qual o Seminário tinha uma boa colaboração cultural e desportiva.
E depois veio Maio.
Já conhecia as tradições das lutas dos operários do Tortosendo no 1.º de Maio. Anualmente, vários trabalhadores teimavam que era feriado e faltavam ao trabalho. Os patrões avisavam a GNR e, pela tarde, os guardas e a Pide iam buscá-los, eles que apenas estavam a comer umas chouriças assadas e a beber uns copos com outros amigos, à sombra de uma latada.
Mas o 1.º de Maio de 1974 foi diferente. A Vila preparou os farnéis e mudou-se para a ponte Pedrinha, no rio Zêzere. O meu pai andava a fazer a instalação da rede de esgotos no Cabeço e também foi à festa. Encontrámo-nos na estrada, mas eu fui com os outros seminaristas e ele com a família de um companheiro.
Meses depois, veio a greve dos operários dos Lanifícios. Nas últimas semanas, já havia fome. Os operários das aldeias em redor tiveram de trazer comida para os camaradas do Tortosendo. E venceram.
A Construção Civil foi igualmente beneficiada. Melhoraram os salários e reduziu-se a semana de trabalho. Com mais dinheiro e tempo livre, o meu pai já passava o sábado connosco e pode comprar e recuperar a casa da Vila, que se tornou a nossa morada. Ele costumava dizer que a nossa casa fora construída graças ao 25 de Abril.
Em 1975, criaram-se as camionetas dos estudantes e os adolescentes, bloqueados após a conclusão da Telescola, puderam prosseguir os estudos em C. Branco. Também eu, sem emprego, nem possibilidades de ir para a universidade, beneficiei delas um ano depois e tornei-me professor do Ensino Primário.
Durante muitos anos, em cada 25 de Abril, emocionava-me aos primeiros acordes da Grândola Vila Morena. Agora, felizmente, já não. A liberdade e os direitos dos trabalhadores tornaram-se tão naturais como o ar que respiramos. E se, infelizmente, as coisas não mudaram o suficiente para o bem de todos, temos a liberdade de contribuir para que tudo melhore.


Quadros de Helena Vieira da Silva