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quarta-feira, 29 de abril de 2009

Memórias de Abril e Maio


Em 1974, eu frequentava o 6.º ano (actual 10.º ano), no Seminário do Tortosendo.
No dia 25 de Abril, logo cedo, o P.e Guerra, pároco diocesano de Peraboa, chegou de carro e saiu a correr para a sala de professores. A seguir tivemos aula com ele. Com um rádio junto à secretária e outro no fundo da sala, em emissoras diferentes, tentávamos saber mais qualquer coisa do que se estava a passar em Lisboa.
Contagiou-nos com o seu entusiasmo, mas cumpriu o dever de educador: atenção, pois liberdade rimava com responsabilidade! Uma chatice, para quem tinha 16 anos.
No dia seguinte, fomos ao Tortosendo. Pessoas ligadas ao Unidos disseram-nos que queriam o nosso P.e Jerónimo no comício de 28 de Abril!
O Unidos era o grande clube desta vila operária, um centro da oposição ao regime, com o qual o Seminário tinha uma boa colaboração cultural e desportiva.
E depois veio Maio.
Já conhecia as tradições das lutas dos operários do Tortosendo no 1.º de Maio. Anualmente, vários trabalhadores teimavam que era feriado e faltavam ao trabalho. Os patrões avisavam a GNR e, pela tarde, os guardas e a Pide iam buscá-los, eles que apenas estavam a comer umas chouriças assadas e a beber uns copos com outros amigos, à sombra de uma latada.
Mas o 1.º de Maio de 1974 foi diferente. A Vila preparou os farnéis e mudou-se para a ponte Pedrinha, no rio Zêzere. O meu pai andava a fazer a instalação da rede de esgotos no Cabeço e também foi à festa. Encontrámo-nos na estrada, mas eu fui com os outros seminaristas e ele com a família de um companheiro.
Meses depois, veio a greve dos operários dos Lanifícios. Nas últimas semanas, já havia fome. Os operários das aldeias em redor tiveram de trazer comida para os camaradas do Tortosendo. E venceram.
A Construção Civil foi igualmente beneficiada. Melhoraram os salários e reduziu-se a semana de trabalho. Com mais dinheiro e tempo livre, o meu pai já passava o sábado connosco e pode comprar e recuperar a casa da Vila, que se tornou a nossa morada. Ele costumava dizer que a nossa casa fora construída graças ao 25 de Abril.
Em 1975, criaram-se as camionetas dos estudantes e os adolescentes, bloqueados após a conclusão da Telescola, puderam prosseguir os estudos em C. Branco. Também eu, sem emprego, nem possibilidades de ir para a universidade, beneficiei delas um ano depois e tornei-me professor do Ensino Primário.
Durante muitos anos, em cada 25 de Abril, emocionava-me aos primeiros acordes da Grândola Vila Morena. Agora, felizmente, já não. A liberdade e os direitos dos trabalhadores tornaram-se tão naturais como o ar que respiramos. E se, infelizmente, as coisas não mudaram o suficiente para o bem de todos, temos a liberdade de contribuir para que tudo melhore.


Quadros de Helena Vieira da Silva