segunda-feira, 11 de outubro de 2021

A guerra do ti Hipólito

Em setembro de 2012, quando escrevi e aqui publiquei o texto “Coisas do diabo”, ignorava que a perturbação mental do ti Hipólito era afinal um trauma de guerra, como logo na altura uma sua familiar me informou em comentário ao texto. Depois, aquando da investigação para o livro “Os combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra” fui sabendo coisas novas e é justo que agora aqui deixe mais informações sobre o que foi esta expedição a Moçambique, na qual participou Hipólito dos Santos Nascimento, possivelmente como soldado do 7.º grupo de metralhadoras de Castelo Branco ou de artilharia de montanha (regimento de Évora ?). Em Penamacor existe um monumento com os nomes de dezenas de militares mortos nesta 2.ª expedição a Moçambique.

A 23 de Agosto 1915 foi decretada uma segunda expedição a Moçambique. Tal como a primeira expedição, esta nova força enfrentou as mesmas dificuldades que a anterior, isto é, foi preparada à pressa, razão pela qual levou a mobilização do pessoal doente. Estas doenças não eram incapacitantes, mas dificultavam a adaptação dos soldados ao clima de Moçambique, associado a isto estava a má preparação das praças que fazia com que muitos destes fossem punidos por razões disciplinares. Os serviços de saúde eram inadequados, os medicamentos e os géneros alimentícios eram insuficientes, não só por causa da má preparação da expedição, mas também, devido ao facto de muitos géneros estarem deteriorados à chegada

Esta 2.ª Força Expedicionária de Moçambique era formada por:

- 3.º Batalhão do Regimento de Infantaria n.º 21 (Penamacor)

 - 2.ª Bataria do 7º Grupo de Metralhadoras (Castelo Branco)

 - 5.ª Bataria do Regimento de Artilharia de Montanha (Évora)

- 4.º Esquadrão do Regimento de Cavalaria n.º 3 (Estremoz)

- Tropas de Engenharia - Serviço de Saúde - Administração Militar

(41 oficiais, 1.502 praças). 

A expedição chegou Porto Amélia (Moçambique) a 7 de novembro de 1915. O comandante da expedição Major José Luís de Moura Mendes nunca tinha servido nas colónias e a sua nomeação estava mais ligada aos seus contactos políticos no Governo da República, do que ligado à sua capacidade militar. As suas ordens eram para defender a fronteira do rio Rovuma e criar uma rede de postos de observação ao longo do rio desde o Oceano Índico até ao afluente rio Lujenda. 

O Major Moura Mendes ignorou os avisos do comandante da 1.ª Força Expedicionária, quando o avisou do que o Governo de Lisboa lhe estava a pedir e que deveria resolver rapidamente o problema do aquartelamento das tropas no Porto Amélia. Manteve o Quartel-general perto do porto, numa zona insalubre, e por falta de hábitos de higiene das tropas aquarteladas, rapidamente apareceram doenças que também se tornaram epidémicas e atingiram quase todos os expedicionários. Os militares mantiveram-se dentro das fronteiras da colónia portuguesa numa posição defensiva, tendo passado o ano de 1915 sem qualquer contacto com as forças alemãs. 

            A 9 de Março de 1916 a Alemanha declarou guerra a Portugal e o Governador Geral de Moçambique, Álvaro de Castro, retoma novamente o objetivo de reocupar o Quionga, de invadir a colónia alemã até ao rio Rufigi e de colaborar com as tropas britânicas.

Em fins de março organizou-se em Porto Amélia um pequeno destacamento, sob o comando do Major Portugal da Silveira, com uma companhia do Regimento de Infantaria n.º 21, uma bateria de artilharia de montanha (m/82) e um pelotão de cavalaria, tendo por fim ocupar Quionga e fazer um reconhecimento ofensivo na direção de Mikindani, Lindi. O destacamento foi transportado, em princípios de abril, no vapor "Luabo", até Palma, onde incorporou forças indígenas. O Major Portugal da Silveira marchou ao longo do litoral de Palma até Quionga, cerca de 12 quilómetros, com as referidas forças e uma companhia indígena, ocupando, a 10 de abril de 1916, a localidade que se encontrava abandonada pelos alemães, deixando, no entanto, algumas trincheiras construídas. A 23 de Abril as restantes forças expedicionárias foram transportadas a bordo do vapor "Limbo" de Porto Amélia para Palma.

De seguida procedeu-se à ocupação de todos os postos militares alemães que se encontravam na margem direita do rio Rovuma: Namaca, Namiranga, Namôto, Nachinamoca e Nhica, os quais passavam a ser a base defensiva da colónia, numa linha que se estendia por 50 km desde a foz do rio. Em frente na margem esquerda do rio ficavam os postos militares alemães de Fábrica, Migomba, M'chinga, Marunga e Tchidia.

A 23 de abril os alemães iniciaram incursões militares para recuperar o Quionga, através de ataques sucessivos aos postos militares portugueses, mas que não tiveram êxito. Os alemães abriram fogo de metralhadora sobre o posto de Namôto e o pelotão de praças indígenas (landins) e os graduados europeus fugiram para Quionga. O pelotão foi reorganizado e enquadrado por outros graduados que contra-atacaram e recuperaram o posto de Namôto.

A 19 de maio chegou à foz do rio Rovuma o Cruzador "NRP Adamastor" e a Canhoneira "NRP Chaimite" que colaboraram ativamente com as forças expedicionárias. Uma pequena força de marinha desembarcou junto do posto alemão Fábrica e incendiou tudo quanto era combustível, palhotas e cercados, sem que o inimigo disparasse um tiro.

A 23, tentou a marinha, com as suas lanchas, novo desembarque no mesmo posto, mas foi alvejada pelas metralhadoras alemãs, pelo que teve de retirar com três mortos e seis feridos. Foi então resolvido tentar-se a passagem do Rovuma, em força e assim a 27 de maio, forçou-se a passagem, sob o comando do Major Moura Mendes, assistindo o Governador Geral Álvaro de Castro de bordo do cruzador Adamastor. Foi um ataque coordenado entre forças da marinha que tinham por missão um desembarque e forças do exército que tinham por missão atravessar o rio mais a montante. O ataque foi repelido pelos alemães após várias horas de combate, tendo-se verificado 3 oficiais e 30 praças mortos, 4 oficiais e 20 praças feridos e 2 oficiais e 6 praças prisioneiros. Representou um grande esforço, bem executado, mas malsucedido.

Este insucesso paralisou a 2.ª expedição durante quatro meses e inutilizou a sua ação ofensiva, mantendo-se, contudo, a reocupação da margem sul do Rovuma. Verificaram-se numerosas ações neste período, tendo esses pequenos combates o mesmo aspeto do ataque alemão ao nosso posto de Maziúa. 

Pequenas forças alemãs vinham atacar os nossos postos desde o Oceano Índico até ao Lado Niassa e com fortuna vária terminavam os assaltos, que não podiam ter continuidade em vista do isolamento dos postos, mas conseguiam do lado alemão manter o espírito ofensivo, enquanto do nosso lado nos enervavam fazendo-nos enfraquecer o espírito combativo. 

 

Texto elaborado a partir de informação tirada dos sites:

https://www.momentosdehistoria.com/MH_05_02_Exercito.htm

https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/14690.pdf

http://www.portugalgrandeguerra.defesa.pt/Documents/A%20PRIMEIRA%20GRANDE%20GUERRA%20EM%20MO%C3%87AMBIQUE.pdf

 

José Teodoro Prata

Um comentário:

M. L. Ferreira disse...

Felizmente que nesse monumento de Penamacor não consta nenhum Sanvicentino morto em Moçambique, mas muitos trouxeram problemas de saúde que lhes condicionaram o resto das vidas de forma muito marcante.
É arrepiante a pintura de José Joaquim Ramos (Tropas de África), exposta no Museu Militar, que mostra como foi penosa a participação dos nossos militares na G. G. em Angola e Moçambique, não tanto pelos confrontos militares com os alemães, mas sobretudo pelas dificuldades de toda a ordem que tiveram que enfrentar: o clima, as doenças, a fome e a sede, as más condições de aquartelamento e transporte, etc. que mataram mais do que as armas.
Como dizia um dos nossos militares: “As guerras são a pior coisa que há no mundo.” Ainda hoje…