terça-feira, 5 de outubro de 2021

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 Hipólito dos Santos Nascimento

 

Hipólito dos Santos Nascimento nasceu em abril de 1894. Segundo a sua filha Maria de Jesus, foi colocado na roda da terra onde eram deixados os meninos desamparados e sem família. Posteriormente, foi dado a criar a Maria Saraiva do Nascimento casada com António Craveiro, que por essa altura tinham tido uma menina. Criaram-no como se fosse mais um filho e deram-lhe o nome de família. Passou a chamar-se Hipólito dos Santos Nascimento. Segundo consta, o apelido Santos provinha do seu pai biológico, um médico oriundo de Lisboa.

Assentou praça em 9 de julho de 1914 e foi incorporado no Regimento de Artilharia de Morteiro (Montanha?) de Castelo Branco. Segundo a sua folha de matrícula era jornaleiro, analfabeto e foi vacinado. Pronto da instrução da recruta em 24 de maio de 1915, foi destacado para a província de Moçambique, para onde seguiu no dia 7 de outubro, integrando a 2.ª Expedição enviada para o norte daquela província ultramarina.

Tal como os seus companheiros de expedição, também terá ficado retido durante alguns meses em Porto Amélia, em muito más condições de higiene e alimentação. Só em 1916 partiu para a zona de guerra, na fronteira com os territórios alemães, com a missão de recuperar Quionga e passar o rio Rovuma, para norte.

Regressou à Metrópole, em 14 de maio de 1916. Viria doente, pois foi licenciado em 25 de agosto de 1917, por ser julgado incapaz para o serviço no Ultramar. Apresentou-se de novo em 11 de outubro de 1918, nos termos da circular n.º 46 da 3.ª Repartição da 1.ª Direção Geral da Secretaria da Guerra, mas foi novamente licenciado em 5 de julho de 1919.

Passou ao 2.º Escalão do Exército e ao 7.º Grupo de Baterias de Reserva, em 31 de dezembro de 1924, e ao Depósito de Licenciados, a 18 de agosto de 1926. Em 9 de setembro 1930, passou à Companhia de Trem Hipomóvel e, em 31 de dezembro de 1932, passou à reserva territorial.

Condecorações:

·         Medalha Comemorativa das Campanhas Portuguesas em Moçambique;

·         Medalha da Vitória.

Família:

Hipólito dos santos é o da última fila, à esquerda

Quando regressou à Metrópole, Hipólito continuou o namoro com Maria da Luz Candeias, a namorada que já cá deixara antes de partir. O namoro não era muito do agrado dos pais da noiva, mas, por fim, consentiram no casamento que se realizou no dia 14 de setembro de 1918. O casal ficou a viver em São Vicente, onde lhes nasceram os seus 8 filhos:

  1. Maria do Carmo Candeias (morreu com poucos dias);
  2. Maria José Candeias, que casou com António Lino e tiveram 5 filhos;
  3. Maria Antónia Candeias, que casou com Manuel Ricardo e tiveram 1 filho;
  4. Carlota Candeias, que casou com Jaime Martins e tiveram 2 filhos;
  5. José dos Santos Candeias, que casou com Valentina Marques da Fonseca (não tiveram filhos);
  6. Maria de Jesus Santos Candeias, que casou com Guilhermino Candeias e tiveram 3 filhos;
  7. Pedro José Santos Candeias, que casou com Maria Delfina e tiveram 2 filhos;
  8. Francisco Candeias, que casou com Ema Caetano e tiveram 2 filhos.

A felicidade do casal teve muitos altos e baixos, porque a guerra tinha deixado marcas profundas na saúde de Hipólito dos Santos. Sobre o tempo da guerra, também não contava muito. «Era pouco falador e não contava muito sobre a guerra; só dizia que passaram por lá mal, principalmente por causa da fome, da sede e do calor; mas também por terem medo de ficar por lá como os outros que viam morrer todos os dias ao pé deles. Essas coisas deixaram-no muito doente. Correram todos os médicos e hospitais, mas ninguém encontrou cura para aquele mal. Ainda esteve internado algum tempo no hospital de São José e pareceu ter algumas melhoras. Nessa altura a minha mãe resolveu ir para Lisboa connosco, para estar mais perto do meu pai, e acabámos por ficar lá a morar.» (testemunho da filha Maria de Jesus)

Após a saída do hospital, Hipólito fez-se à vida e criou um negócio de penhorista, comprando e vendendo objetos em ouro. Um dos seus netos, agora com 72 anos, mas que na altura era ainda muito jovem, recorda-se de acompanhar o avô às casas de penhores onde ele ia fazer negócio. Lembra-o como um homem «…bem vestido e penteado com brilhantina, sapatos de última geração, um “Gingão Lisboeta”, com a sua malinha de cartão; sociável com toda a gente que o rodeava, e respeitado por todos, porque era honesto nas compras e nas vendas. Ainda o acompanhei duas vezes a contactar os clientes na zona da Fonte Luminosa e no Alto de São João, em Lisboa. Eram os seus lugares prediletos e onde se movimentava muito bem, talvez por serem dali as suas raízes paternas.»

Passados alguns anos, a doença que acompanhava Hipólito desde o tempo da guerra voltou a manifestar-se e a família regressou a São Vicente da Beira, para poderem ter uma vida mais calma. Ainda foi feitor da Casa Agrícola José Neves, por algum tempo, mas, numa tarde de setembro de 1963, logo a seguir às Festas de Verão, pôs termo à vida. Tinha 69 anos.

«Vida difícil: triste no nascer, honrado no viver e triste no morrer…» (testemunho do neto Francisco Eduardo, um dos netos que, juntamente com outro primo, já falecido, passou as últimas Festas de Verão com o avô).

(Pesquisa realizada com a colaboração da filha Maria de Jesus Candeias e do neto Francisco Eduardo)

Maria Libânia Ferreira

Publicado no livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

Um comentário:

M. L. Ferreira disse...

A história "Coisas do diabo", publicada no dia 14 de setembro de 2012, dá uma achega grande a esta publicação. Vale a pena...