domingo, 22 de janeiro de 2023

Homens e bichos

Acabei de ler este livro que tem dois aspetos relativos a nosso património local já aqui referidos.

O primeiro diz respeito ao nosso hábito antigo de os irmãos mais velhos serem padrinhos de batismo dos mais novos. Uma das razões será o comodismo da situação: não ter de ir pedir “favores” a ninguém e ainda ter a vantagem de ser a própria família a escolher o nome da criança. Mas este hábito ancestral poderá ter ainda outra origem, já perdida na nossa memória coletiva (ou talvez não).

O livro refere, nas páginas 99 e 100, a propósito de lendas e crenças relativas à interação entre humanos e lobos:

«…Na zona de Bragança, o povo crê que o lobisomem é o resultado de uma relação pecaminosa entre padrinho e afilhada. Ainda na raia, mas na Beira Baixa, as gentes culpavam os padres. Bastava que o pároco se confundisse com as fórmulas do batismo para condenar a criança a este negro fado. Nas aldeias de Pitões das Júnias, em Riba de Mouro ou em Parada do Outeiro, o lobisomem seria o sétimo filho varão de um casamento. E a única forma de quebrar a maldição era a criança ser batizada pela mão do seu irmão mais velho.

            Apesar de menos frequente, o malefício também acontecia às irmãs. O investigador Leite de Vasconcelos, no Tomo II da sua Etnografia Portuguesa, recolheu testemunhos no Minho que se referiam às lobeiras ou peeiras. «E quando se perguntava ao povo o que significa “peeira”, ele responde: a que vive ao pé dos lobos», conta o investigador. Esse fenómeno, segundo a tradição popular, era semelhante ao dos rapazes: quando nasciam sete raparigas numa mesma casa, a mais nova acabaria lobeira. Isso só seria evitado se a irmã mais velha aceitasse ser madrinha de batismo da mais nova


O segundo aspeto diz respeito aos cavalos. No meu livro “O concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular” dei notícia da entrega aos franceses, logo no início da 1.ª invasão, de um cavalo de lista, por João Leitão, de Tinalhas.

Em publicação posterior, aqui no blogue, referia a existência em Portugal de antigos cavalos listados ou zebrados, espécie ainda sobrevivente através do cavalo Sorraia, de que restam poucos exemplares.


Sorraia é um tipo de cavalo de origem portuguesa, redescoberta em 1920 por Ruy d'Andrade e cujos indícios remetem para a zona de confluência entre as ribeiras de Sor e da Raia (daí o seu nome), charneca de Coruche, onde haveria uma extensa população, popular entre criadores de gado para trabalhos do campo. Admite-se que estes cavalos no estado selvagem tenham sido conhecidos em Portugal por "zebro".

Continuar a ler em: https://www.wikiwand.com/pt/Sorraia

O livro “Feras e Homens” fala da caça ao zebro, na época medieval, um cavalo selvagem então muito abundante do nosso país. E conta que os portugueses, nos séculos XV e XVI, ao verem em África um animal também listado como o zebro, lhe chamaram zebra, nome e grafia por que passou a ser designado em todo o mundo.

José Teodoro Prata

Um comentário:

M. L. Ferreira disse...

Interessantes estes mitos, lendas e superstições, alguns comuns a várias localidades, mas outros bastante diferentes de terra para terra, por vezes até próximas geograficamente. Ainda bem que tem havido quem se dedique à sua recolha e divulgação.
Sobre os irmãos mais velhos apadrinharem os mais novos, para além da influência das superstições ou motivos de comodidade, isso só era possível porque os casais tinham muitos filhos e havia, muitas vezes, bastante diferença de idade entre o mais velho e o mais novo (não seria só por isso, porque encontrei nos registos de batismo dos Registos Paroquiais, uma menina de sete anos a ser madrinha de um irmão recém-nascido).
Também era frequente que os avós fossem os padrinhos de alguns dos netos, por isso era frequente que na mesma família houvesse três gerações de homens ou mulheres com o mesmo nome. Penso que, para distinguir o avô do pai e do neto, por vezes se acrescentava ao nome o apelido “O Moço” ou “O Velho”.