quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O nosso falar: condanados

A palavra condanados, no sentido que lhe damos, é a soma de condenados + danados.
Condenado é alguém que cometeu um ato socialmente condenável e por isso sofreu punição.
Danado é uma pessoa entusiasticamente empenhada em alcançar os seus objetivos. Faz tudo o que for preciso e só descansa quando o consegue.
Condanado é alguém que faz tudo o que é preciso para alcançar os seus objetivos, usando mesmo meios socialmente reprováveis.
Com exemplos, explico melhor:
O Joaquim da Marta era condanado. Numas Festas de Verão, recém regressado do Ultramar, onde prestara serviço como paraquedista, armou uma enorme zaragata no arraial, por causa de uma rapariga com quem queria dançar/namorar, mas que andava a dançar com um rapaz também soldado paraquedista do Sobral. Claro que, à maneira antiga, não perguntou a opinião à moça. Atirou-se ao outro rapaz, rebolaram pelo terreiro da Praça, saltaram do muro para a rua lateral e continuaram naquilo durante imenso tempo, com o adversário a passar, a certa altura, do rival nos amores para os guardas da GNR. Forte e bravo como era, só o tempo e o cansaço o acalmaram e domaram. Penso que a GNR foi compreensiva com tamanha bravura de um combatente. Consideraram-no condanado.
Condanados são os Taletas (os irmãos José e Luís Moreira, ambos cinquentões). Desde adolescentes que se dedicam ao atletismo, acumulando participações premiadas. Há poucos anos, fui assistir, do passeio, a uma prova de atletismo nas ruas de Castelo Branco. A cada passagem de alunos e ex-alunos meus, saudávamo-nos mutuamente. A certa altura, passaram os Taletas, cabelos grisalhos e corpos secos, só músculos e tendões, a chamarem-me para correr também. Que pouca vergonha! A essa hora deviam estar a tratar da horta na Oriana ou sentados na Praça, em amena cavaqueira com os rapazes da sua idade. Há dias, preocupado em definir o percurso do passeio pedestre na 3.ª Feira de Gastronomia e Artesanato, perguntei ao José Moreira como é que se ia do alto da Devesa para o Pelome. Ofereceu-se logo para me mostrar o caminho! Se eu tivesse aceite, aposto que aparecia em calções e tinha de correr com ele Calçada da Ponte abaixo, Devesa acima e depois descida a pique para o Pelome e subida para a Estrada Nova. Livra, dava cabo de mim! Há idades para tudo e não fica bem que um homem feito ande a correr como os cachopos. Estes Taletas são uns condanados!

domingo, 5 de agosto de 2012

Água milagreira

Ontem, passei o dia com a família, na Senhora da Orada.
Estive com a prima Celeste de Alcongosta, filha do ti Joaquim Teodoro, que me confirmou o que este e o meu pai já me tinham contado: a fonte antiga era nas atuais traseiras da capela (há referências antigas à fonte frente à porta da capela, pelo que talvez na Idade Média a porta estivesse virada para nascente e não para o poente, como hoje).
À tardinha, muitos foram os que regressaram a casa com os tradicionais garrafões de água da fonte da ermida.


Curiosamente, hoje, o José Miguel Teodoro enviou-me um artigo do jornal A Batalha, de 21 de fevereiro de 1926.
Meses mais tarde, terminaria a I República, com o golpe militar de 28 de maio, que instituiu uma Ditadura Militar, seguida da ditadura do Estado Novo. Estes anos da I República foram marcados por uma intensa polémica religiosa, com posições extremas de ambos os lados.
O artigo refere o regresso clandestino dos jesuítas a Portugal, de onde tinham sido expulsos em 1910, e indica as povoações mais dominadas pelo fanatismo religioso (Alpedrinha, Fundão e São Vicente da Beira). Demora-se particularmente na nossa terra:

«Nesta última vila as supertições religiosas estão fortemente enraizadas. Existe até, nela, uma água que é considerada milagrosa: - a água da Senhora da Ourada que até tem restituído a vista a cegos... Em Fátima chegaram a ser comentados estes fantásticos milagres, aventando-se a hipótese de que a água da Senhora da Ourada viesse a fazer concorrência à outra. Essa água da Senhora da Ourada tem ainda outra particularidade milagrosa: faz crescer o cabelo às raparigas que lhe façam rezas em vésperas de São João ao bater da fatídica e clássica meia noite. Em São Vicente da Beira há a imagem de São Anselmo que é um santo preto: serve para os pais amedrontarem seus filhos, batendo-lhes com as cabecitas nos pés da imagem.
Numa terra imbuída destas supertições, onde a alegria foi banida e as próprias raparigas são lúgubres, fácil foi a penetração dos jesuítas.
Inimigos fidagais de todos os sentimentos humanos são insensíveis a todas as dores: sacrificam tudo e todos aos seus planos. De São Vicente da Beira saíu para Espanha, levado por eles, um rapaz de 20 anos que era o único amparo de seus velhos pais, condenado-os assim à miséria. Este seu gesto foi tão indigno que até os mais fanáticos o desaprovaram.
A Beira Baixa está infestada destas aves de rapina: missões de jesuítas percorrem-na constantemente realizando, com frequência, retiros espirituais.»

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O nosso falar: torta

Usamos a palavra torta com três significados:
1. Uma vara ou uma linha que não está direita, em linha reta.
2. Uma pessoa que se recusa a fazer o que os outros querem que faça. Neste caso, a pessoa até é direita, pois segue as suas convições sem se desviar delas, por desejo dos outros. Estes é que a querem torta, isto é, maleável às suas vontades.
3. Torta é o mesmo que omelete, um prato da nossa culinária feito com ovos (batidos), erva aromática (salsa ou coentros), leite/queijo e pequenos pedaços de carne de qualquer tipo. Frita-se a mistura até ganhar consistência. O computador informa-me que teve origem na Pérsia (Irão). O termo omelete veio-nos da França e é sobretudo esta palavra que hoje usamos. Torta é a mesma coisa, mas usamo-la por influência espanhola (torta, tortilha), devido à nossa proximidade territorial. Já é pouco usada, empregando-se sobretudo na doçaria, mas sem ser o mesmo que omelete.
(4.) Uma valente bebedeira também pede o uso da palavra torta. O bêbado avança curvado e aos ziguezagues. Tudo nele é torto, até o falar. "Vai com uma torta!"

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

(Re)Conquista

O jornal Reconquista inicia hoje a publicação de uma série de artigos meus sobre o foral manuelino de São Vicente, a pretexto do seu 5.º centenário (1512-2012).
Serão publicados entre 4 e 6 artigos, incidindo sobre o foral em si, mas principalmente sobre o concelho de S.  Vicente da Beira, nos séculos XV e XVI, a época do foral.
A periodicidade da publicação dos artigos poderá ser semanal ou quinzenal.

terça-feira, 31 de julho de 2012

National Geographic

A Revista NATIONAL GEOGRAPHIC PORTUGAL, Agosto de 2012, traz um longo artigo sobre o GEOPARK NATURTEJO, com Mapa Suplemento sobre o mesmo tema.
São Vicente colocou-se/está à margem deste grande projeto patrocionado pela UNESCO, apesar de na nossa freguesia se situar parte de um dos 16 geomonumentos do GEOPARK, as Morfologias Graníticas da Gardunha. Mesmo assim, é sempre bom um acontecimento destes.
As fotos da reportagem são do nosso conterrâneo Pedro Martins, cujos pais são originários do Vale de Figueiras.


Soube recentemente que, na noite de São João, a Associação Solstício (Soalheira) organizou uma caminhada noturna entre o Casal da Serra e o Castelo Velho.
O velho castro foi palco de um concerto musical, dando mais magia ao momento do nascer do sol.

domingo, 29 de julho de 2012

O nosso falar: arrufar

Todos os dicionários, on-line ou em papel, por mim consultados, apresentam arrufar como uma pequena zanga entre pessoas, um amuo, uma irritação.
Mas nós não usamos a palavra com esse sentido. Quem arrufa é o leite, fervido depois de ordenhado das tetas das vacas e das cabras, para matar as bactérias. Ferve-se o leite, mas espera-se pelo início da fervura, pois aumenta tão rapidamente de volume que sairá toda da vasilha se não baixarmos imediatamente o fogo. Arrufa.
Também se aplica para a sopa e outras cozeduras, mas o termo está em desuso, por menor prática da arte culinária e pela utlização de nova maquinaria (consumo de leite empacotado, utilização do microondas...).
Ficou famosa a atitude do nosso Fernando, deixado pela mãe a guardar o leite que cozia no fogão. Quando a mãe voltou, encontrou-o sentado à porta de cacete na mão, garantindo que o leite não fugira por ali. Não saíra pela porta, mas já transbordara pelos bordos do fervedor, arrufara.

Mas existe uma relação entre os arrufos das pessoas e o arrufo do leite: ambos fervem em pouca água, ultrapassam os limites, transbordam.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Sei um ninho



Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
a voar .

Miguel Torga


Achei um ninho com três ovos verdes pintalgados de preto.
Uma semana depois já tinha três passarinhos cobertos de penugem.
Voltei lá ontem, armado em fotógrafo, mas eles tinham partido. É esse o encanto da natureza: funciona à margem da vontade dos homens. (Espero que não tenham sido comidos pela cobra que há tempos deixei seguir em paz, na esperança de que comesse os ratos que, no verão, roem a casca das raízes das árvores, secando-as)
No mesmo dia em que achei o ninho, a natureza brindou-me ainda com um outro encontro maravilhoso. Ao passar de carro no entroncamento da estrada de alcatrão com a estrada romana, junto à Fábrica, avistei ao longe uma fila estranha e abrandei até quase parar. Era uma perdiz com a sua ninhada de 8 perdigotos, um ao lado da mãe e os restantes em fila indiana atrás dela. Atravessaram a estrada em paz e depois subiram para o pinhal.
Há dias assim, plenos de vida harmoniosa!