quarta-feira, 1 de maio de 2013

Dia do trabalhador

Metamorfoses
Viriato Soromenho Marques (Diário de Notícias)
Que o 1.º de Maio português continue a oferecer o triste espetáculo de duas centrais sindicais separadas nas suas comemorações é apenas mais uma prova de que o capitalismo continua a ser, com a sua extraordinária capacidade de metamorfose, o grande sujeito da história mundial. O movimento sindical segue no cortejo dos distraídos. Nos últimos trinta anos, a paisagem económica mudou. E, com o atraso habitual, mudaram os ingredientes sociais e a arquitetura política. Muita gente, entre os quais se conta uma multidão inumerável de pequenos e médios empresários, e, certamente, quase todos os dirigentes sindicais europeus, ainda julga que capitalismo e economia de mercado são a mesma coisa. Julgam que a impossibilidade de obterem crédito é uma coisa passageira. Consideram que a atual austeridade é da ordem da conjuntura. Esquecem que o sistema financeiro que não empresta é o mesmo que já custou 4 500 000 000 000 de euros aos contribuintes europeus, não contando com as operações de engenharia do tipo das swap, que acabam sempre no défice público. Os indicadores que nos chegam dos EUA, da Europa e do resto do mundo, incluindo a China, mostram que o capitalismo de hoje deslocou a sua imaginação da esfera da produção de riqueza, onde se revela cada vez mais incompetente e relapso de imaginação, para se concentrar com afã na redistribuição de riqueza disponível, concentrando-a nas mãos de uma superminoria, à custa do empobrecimento das classes médias e da fragilização do trabalho. Os sindicalistas modernos parece que já não leem Marx, mas os super-ricos, esses, continuam a ser praticantes fervorosos da religião da luta de classes.


José Teodoro Prata

domingo, 28 de abril de 2013

Boletim agrícola


O frio da Semana Santa queimou as frutícolas mediterrânicas: laranjeiras, pessegueiros, ameixoeiras e amendoeiras. De colheita, estamos conversados (se o Ernesto Hipólito vier aqui escrever que não é bem assim, eu explico: a zona da horta dele, entre o Caldeira e a Oles, é protegida dos ventos frios, pela serra; já a canada do vale da Senhora da Orada...). Em alguns locais, as batatas temporãs também ficaram totalmente cozidas com o frio e a humidade.
As cerejeiras adoraram. Na foto, em primeiro plano, à direita, uma cerejeira que já limpou da flor; à esquerda, uma amendoeira parcialmente sem rama, queimada pelo frio. A cerejeira é a árvore ideal para a nossa região: gosta do frio e não sofre pragas nas folhas; um único senão - imediatamente após a floração, não gosta de frio (faz abortar a formação do fruto, acabado de conceber). Algumas das minhas atrasaram-se e estão precisamente nesse ponto. O frio deste fim de semana poderá fazer alguns estragos. Vamos aguardar!
Aconteça o que acontecer, reafirmo que a cerejeira é a produção ideal para a nossa região serrana. Espanta-me que, ao contrário de outras terras, ninguém aposte nela como fonte de rendimento. Depois do Sr.º José Matias, há já uns bons anos, ninguém mais quis ganhar dinheiro com a produção de cereja para o mercado.
Outro fenómeno que me causa estranheza é o desprezo com que se encara a produção de gado caprino. Nos dois maiores rebanhos que conheço nem sequer se aproveita o leite! Embora serranos, vivemos sempre demasiado virados para o campo, território de ovinos. Mas a carne de cabra/cabrito e o queijo de cabra são muito mais saudáveis do que os seus congéneres de ovelha. E têm mais procura!
Duma coisa podemos estar certos: esta crise económica veio para ficar e muitos não encontrarão saídas profissionais nas áreas que até agora eram habituais. Mas existe uma alternativa na terra: produção de cereja e de caprinos, para o mercado!

José Teodoro Prata


sexta-feira, 26 de abril de 2013

Prec com rock “n” roll

Deu-se Abril e o sonho passou de uns poucos para milhões. Foram tempos bonitos, aqueles entre Abril de 74 e Novembro do ano seguinte. Vínhamos da escuridão e caminhávamos profundamente otimistas em direção a um futuro que acreditávamos radioso.
Por isso o sonho e o fazer para melhorar, individualmente e em comunidade. Tempos de mudança e por isso necessariamente de ruturas, nem sempre pacíficas, muitas vezes apressadas, pois o futuro era logo ali!
Os militares deixaram as armas nos quartéis e vieram melhorar a vida dos povos. Um regimento de engenharia andou pela Charneca a abrir e a melhorar caminhos entre povoações. Dizia-se que andavam lá para os lados do Mourelo e do Tripeiro.
Também os havia no Casal da Serra, a abrir caminhos e a levantar pontes sobre os ribeiros. Jovens ingleses vieram ver como era a nossa revolução e juntaram-se aos militares no esforço de melhorar as condições de vida dos casaleiros. Cuco onde canta aí janta, assim eram eles, na partilha do dia a dia com os habitantes do Casal.
Na Vila soubemos deles e alguém os convidou a virem conviver connosco. Foi num sábado de verão, ao entardecer. Subiram para um palco de madeira que havia na Praça e deram-nos um concerto. Que música maluca! Era rock ou mais que isso, esguias silhuetas negras ondulantes e cabelos loiros a esvoaçar. Uma rapariga cantava. Ninguém dançou, penso que ainda ninguém sabia dançar àquele ritmo, só uns anos mais tarde.
A penumbra envolvia a Praça, grandes árvores barravam a luz fraca dos candeeiros. A eletricidade para as guitarras veio do café do Noco, como era costume nalgumas festas e bailaricos que se faziam na Praça desse tempo.
Cotizámo-nos para pagar as despesas. Éramos todos uns tesos, mas conseguimos juntar o suficiente para pagar a eletricidade e oferecer um lanche aos músicos, no terraço do café. À falta de melhor, a ti Janja encheu um alguidar de salada de tomate com rodelas de cebola, a que juntou atum de uma data de latas. Envolveu tudo e o pitéu foi levado para cima, pelos filhos. Os ingleses atacaram o alguidar com uma satisfação que só as pessoas generosas sabem ter. Nem o molho ficou no fundo, ensopado nas fatias de pão cortadas de uma regueifa vinda da padaria Matias.
O povo esperou cá fora, no lusco-fusco da Praça e dentro e à porta do café. Depois os ingleses saíram e não tocaram mais, voltaram para o Casal da Serra. E nós satisfeitos, por tê-los tido connosco.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Ele há dias assim que são o dia

A gente diz "foi há 39 anos". Não é muito, é meia vida de um homem. Mas foi mesmo há muito, no outro século. Pouco antes, no abril anterior, em 1973, cinco bracarenses estavam na casa de um deles. A PSP bateu à porta e multou-os por não terem avisado da reunião. O 1.º Juízo da Comarca de Braga confirmou a multa. E no jornal República, corajoso, o jornalista Vítor Direito, corajoso, tinha de escrever crónicas assim: "Manhã de nevoeiro transforma a cidade. Não se vê um palmo em frente do nariz. Andam por aí uns senhores a prever "boas abertas". Mas o nevoeiro persiste." E no Porto, a comemorar o 31 de Janeiro, houve um comício no Coliseu. Um estudante ia a meio do seu discurso quando o representante do Governo Civil (cuja presença era obrigatória) se ergueu e disse: "O senhor cale-se!" O estudante meteu o discurso no bolso. E ainda em janeiro, mas em Lisboa, António José da Glória, da tabacaria na Alameda, frente ao Técnico, disse, enquanto servia uma cliente: "Ontem, lá houve mais bordoada entre estudantes e polícias." Um guarda da PSP, desfardado e também cliente, logo lhe deu voz de prisão. O sr. Glória foi a tribunal por "propagação de boatos". Veio nos jornais. E em fins de fevereiro, alguém escrevia, no Comarca de Arganil: "Que aconteceu ao boateiro? Ficava bem uma lição eficaz." Hoje é o 25 de Abril. Eu amo-o como se fosse ontem. Sobretudo por pequeninas coisas que me recordam que antes dele foi há mais de um século.
Ferreira Fernandes, Diário de Notícias

José Teodoro Prata

terça-feira, 23 de abril de 2013

O centro cívico

A Praça de São Vicente da Beira sempre foi o centro da vida social, económica, religiosa e política desta antiga vila, cujas origens conhecidas datam do reinado do primeiro rei de Portugal, em 1173.
À maneira dos fóruns romanos, é ladeada pela Igreja Matriz dedicada a São Vicente (séc. XII) e pela Igreja da Misericórdia, do século XVI/XVII, mas provavelmente substituta da medieval Albergaria do Espírito Santo; a antiga Câmara Municipal, hoje sede da Junta de Freguesia, ostenta a esfera armilar, onde funcionava o tribunal a Câmara e a cadeia; ao lado situou-se o solar dos condes de São Vicente; depois outras casas particulares e comércios; e finalmente um jardim da Ordem de Avis (local da fogueira de Natal), já desaparecido.
Até há 60 anos, era atravessada pela estrada de ligação entre Alpedrinha e Almaceda, que passava pelo Marzelo, São Sebastião, Fonte Velha, Rua Dona Úrsula (a do Beco era um beco, com escadaria), Rua Nicolau Veloso, Calçada da Ponte, ponte de pau sobre a ribeira e depois Devesa acima.
Nesta Praça de juntavam os vicentinos para arrematar as ervagens dos baldios, nela concentraram as palhas para alimentar a cavalaria que conquistou Cidade Rodrigo, nas Invasões Francesas, foi recreio de crianças em meados do século passado, quando a antiga Câmara era Escola Primária, nela nos encontramos ainda hoje para simplesmente conversar, assistir a um concerto da banda ou a um espetáculo do rancho, celebrar as Festas de Verão, terminar a procissão do Santo Cristo, festejar o Natal em torno da fogueira…
No espaço circundante sempre houve comércio: tabernas, mercearias… A estalagem situava-se numa rua adjacente (Rua Dona Úrsula).
No centro, o pelourinho altaneiro e orgulhoso, com a barca do padroeiro Vicente, a cruz de Avis, o pelicano de D. João II e o escudo real, símbolo da nossa autonomia.
Foi em torno deste centro cívico que construímos a nossa identidade, ao longo dos séculos e ainda hoje ele é o centro da nossa comunidade.

(Resumo da minha intervenção na sessão do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios)



Ana Jerónimo Patrício (foto)
José Teodoro Prata (texto)