segunda-feira, 23 de julho de 2012

Sei um ninho



Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
a voar .

Miguel Torga


Achei um ninho com três ovos verdes pintalgados de preto.
Uma semana depois já tinha três passarinhos cobertos de penugem.
Voltei lá ontem, armado em fotógrafo, mas eles tinham partido. É esse o encanto da natureza: funciona à margem da vontade dos homens. (Espero que não tenham sido comidos pela cobra que há tempos deixei seguir em paz, na esperança de que comesse os ratos que, no verão, roem a casca das raízes das árvores, secando-as)
No mesmo dia em que achei o ninho, a natureza brindou-me ainda com um outro encontro maravilhoso. Ao passar de carro no entroncamento da estrada de alcatrão com a estrada romana, junto à Fábrica, avistei ao longe uma fila estranha e abrandei até quase parar. Era uma perdiz com a sua ninhada de 8 perdigotos, um ao lado da mãe e os restantes em fila indiana atrás dela. Atravessaram a estrada em paz e depois subiram para o pinhal.
Há dias assim, plenos de vida harmoniosa!



quarta-feira, 11 de julho de 2012

A avó Rita

Francisco Barroso

A minha avó Rita foi a maior avó do mundo. Na verdade, todas as avós, quando gostamos delas a sério são as maiores avós do mundo. Mas a minha avó, a Ti Rita, principalmente para o pessoal do Cimo de Vila, que com ela privou mais de perto e foi cúmplice das suas famosas arruadas, pelo S. João ou pelo Carnaval concordarão comigo: era um ser excepcional.

Aqueles que foram marcados pela história ganharam com isso a imortalidade, mas os que não o foram só morrem verdadeiramente quando caem no esquecimento total da memória dos que ficaram. Por isso, decidi hoje prolongar um pouco mais a sua vida, lembrando-a e dando-a aqui a conhecer aos mais novos.

A minha avó era uma mulher radiante. Irradiava alegria e contagiava os outros com ela. Não tinha razões visíveis para isso, mas o seu coração era transbordante. Órfã aos sete anos. Casada ainda nova com o Ti Augusto (manha), que era um bom homem, muito trabalhador, mas pouco dado a folguedos e que, apesar de aparentar uma fé inabalável, andava sempre: ai que eu morro, ai que eu morro.

Era o raio da hérnia a dar-lhe guerra e a imagem que nos ficou foi a de um homem sofredor agarrado ao seu bordão, que era a bengala dos homens simples do campo, atrás da burrita a caminho dos Aldeões.

 No entanto, na rudeza que era a vida dos pobres a trabalhar nos campos, horas sem fim, dia após dia, até lhe restarem apenas algumas forças, nunca a avó Rita se entregava a desânimos ou tristezas.

É nos tempos doces de primavera, no tempo das ginjas, por alturas do S. João, que mais me acode à memória, alta e magrinha. Já perto dos 70, ainda metia os pés a caminho da Serra muito antes do sol aparecer a oriente, para ir apanhar as ginjas que do cimo do Pelourinho deitaria à rabatinha na noite de S. João, depois de saltar as fogueiras na sua arruada pela Vila tocando o adufe, cercada de jovens e adultos todos euforicamente a cantar.

Pelo Carnaval, outra altura de folguedos, disfarçava-se de Entrudo. Vestia um dos seus saiotes à burra, montava-se nela e lá ia a dar uma volta pela Vila com a trupe atrás, em grande algazarra. E pelas festas de Verão não faltava nunca no arraial, pois que não lhe perdoariam a desfeita.

Como é que ela conseguia honrar sempre os seus compromissos nestes festejos, com o Augusto que não alinhava em nada destas paródias? Com arte e com manha ou não fora esta a alcunha da família, pois quem não tem arte nem manha, morre no ar como uma aranha, alegam os manhas em sua defesa.

O que acontecia, na verdade, é que nesses dias ela estragava o seu homem com mimos. Fazia-lhe um bom jantar, servia-lhe mais uns copitos que o habitual e depois de confortado o corpo dizia-lhe: anda Augusto, vamos mas é para a cama que amanhã é preciso levantar cedo. O meu avô, com a barriguinha cheia de batatas (era doido por batatas) e duma talhadinha de chouriça, farinheira ou toucinho entremeado, lá ia todo contente atrás dela. Lá fora, a expectativa aumentava, quando sentiam que a luz se apagara e não se ouvia qualquer ruído vindo de dentro. Será que o Ti Augusto vai adormecer depressa?

Mas a verdade não foi nunca desvendada. Não se sabe se por obra dos copitos a mais ou por obra de uns beijinhos mais carinhosos, a realidade é que o processo se mostrou sempre infalível.

 E a alegria que surgia nos rostos ansiosos que a esperavam em silêncio à porta, quando ela assomava à janela e lhes dizia baixinho: já ressona. E em menos de cinco minutos lá vinha vestida a preceito com o adufe na mão. A paródia ia começar. Já havia mestra.

A Ti Rita era muito vaidosa e tinha sempre uns vestidos muito alegres (a condizer com ela), de tecidos que por vezes as amigas de Lisboa lhe levavam, para lhe agradecer os mimos de umas frutas, um litro de azeite ou até de uma morcela de cozer, quando lá iam passar as férias de verão.

E assim se criou um ícon da tradição popular, sem castings, sem formação, só com a alegria do seu coração e a sua enorme capacidade de a partilhar.

O meu avô, não creio que não tivesse vindo a saber destas actuações deveras famosas. Como homem sábio que era, deve ter achado o que o Passos Coelho achou da miraculosa licenciatura do dr. Relvas: um não assunto.

Digam lá sinceramente, a minha avó Rita não era um espectáculo? Espero que ela fique contente com as memórias que nos deixou, quando souber desta crónica lá no Céu.

Adeus Avó Rita.

Do teu neto Francisco Barroso que também dá por Chico manha


A avó Rita com a sua bisneta Margarida





sábado, 7 de julho de 2012

O sal da terra

Chama-se Bruno Miguel André, é professor de educação física e trabalhou na Escola de São Vicente da Beira, durante o ano letivo que agora termina. Neste momento, talvez já esteja no desemprego.

Classe de Ginástica de Manutenção, em atuação na cerimónia de abertura da 3.ª Feira de Gastronomia e Artesanato

Além de ter mantido uma classe de Ginástica de Manutenção, com pessoas dos 20 aos 70, em horário pós-laboral, teve um papel especialmente positivo na Escola, pois foi autor de um projeto que deu mais sentido à vida dos nossos adolescentes.
Quem anda nestas coisas da educação sabe que o insucesso escolar tem como principal causa o desinteresse dos alunos e não as dificuldades de aprendizagem, como seria lógico.
No final do 1.º período, apenas 37% dos alunos dos 2.º e 3.ºciclos obtiveram sucesso. Então o professor Bruno André apresentou à escola o projeto CRISE DE NEGAS. O prémio para os alunos sem negativas era uma ida à praia de Quiaios (Figueira da Foz), durante 3 dias, totalmente grátis. No final do ano letivo, o sucesso foi de 60%.
O professor Bruno foi incansável na angariação de apoios aqui e em Quiaios e o projeto concretizou-se, nos dias 27 a 29 de junho. Imagino o que terá significado para os nossos adolescentes!



Os nossos adolescentes, em Quiaios

Há pessoas que fazem a diferença. Deixam a sua marca por onde passam e o mundo fica melhor cada dia que vivem. Jovens como o Bruno André são o sal da nossa terra.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Universidade Sénior

A USALBI (Universidade Sénior Albicastrense) fechou este ano letivo com um convívio em São Vicente, no passado dia 14 de Junho. Estiveram presentes centenas de pessoas.


À chegada, convergiram para a Praça, onde alunos e professores da Escola apresentaram uma reconstituição histórica.



 Seguiu-se a atuação o coro (orquestra?) da USALBI. Depois visitaram a sede da filarmónica e os nossos museus.



 O almoço foi servido na Senhora da Orada, pelo restaurante "A Mila", com a ajuda dos Sapadores Florestais da Partida e pessoal da Junta de Freguesia.



A animação da tarde esteve a cargo dos alunos da Escola.


"Que belo dia aqui passámos!"
"Soube a pútegas, compadre!"

sábado, 30 de junho de 2012

Mais Feira



A Natureza engalanou-se.



O moinho do Pelome, com a sua mó de partir o milho.



Houve muitos guias no passeio pedestre. Junto à casa da roda, foi o Pedro Gama Inácio a botar faladura.



Os lisboetas foram às cerejas. Espero que tenham espantado os javalis!


Nota: As fotos são da Sara Varanda, que entretanto já partiu para Inglaterra. Muitas felicidades neste novo ciclo da sua vida!

sexta-feira, 29 de junho de 2012

3.ª Feira: o balanço

A Feira de Gastronomia e Artesanato que decorreu no último fim de semana já ganhou foros de acontecimento marcante na vida da nossa comunidade.
Estive apenas em dois momentos, tarde e noite de abertura e manhã de domingo, mas não me é difícil adivinhar o êxito que terão sido as atuações do rancho e da banda. Na parte dos comes e bebes, a animação já era muita na sexta feira e continuou no sábado e no domingo, segundo me constou.

Cerimónia de abertura: reconstituição histórica de um julgamento medieval, por alunos e professores da Escola de São Vicente, com a colaboração do bombos VICENTINOS.
Pela parte que me toca, o balanço que faço é francamente positivo. A apresentação do meu livro “O Concelho de S. Vicente da Beira nos finais do Antigo Regime” correu muito bem, tendo o Pe. Jerónimo falado para uma sala repleta de gente. Das suas sábias palavras, destaco esta ideia: «Um livro é para se abrir e para se ler, tal como um território é para se percorrer e se contemplar. Só assim ele revela toda a sua riqueza de informação e nos instrui e delicia.»




Quanto ao passeio pedestre que descrevi na anterior publicação deste blogue, foi o completar de um projeto que iniciei há dois anos. Embora a participação tenha sido fraca, tal como nos anos anteriores, tal fato não retira riqueza aos momentos que os participantes viveram. Todos os anos oriento vários passeios deste tipo, na zona histórica de Castelo Branco, para os meus alunos, e tanto se me dá que participem 5 como 35. Costumo dizer que se fosse só 1 já era muito importante. É curioso que o Pe. Jerónimo tenha terminado a apresentação do meu livro fazendo precisamente um apelo para a realização destes passeios, ao mesmo tempo que nos lançava este desafio: Que S. Vicente estamos a construir e que terra queremos deixar aos que nos seguirão?
Vamos continuar e durante este passeio até já programámos o do próximo ano: Da Praça a Santa Bárbara (Valouro).

O sr. António Craveiro, nosso cicerone no Pelome, a mostrar-nos o velho moinho.

Dois aspetos a melhorar, nas futuras feiras:
1. O tecido económico tem de se envolver mais na feira. Não sei como mobilizá-lo, mas é fundamental que isso aconteça.
2. E as nossas tradições do São João? Porque não incorporá-las na feira?


Nota: As fotos são da Sara Varanda e da São Teodoro.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

À descoberta dos encantos e recantos de São Vicente, parte II

Éramos poucos, mas bons! Depois de uma breve resenha histórica sobre o concelho de São Vicente da Beira, na época do foral manuelino, em jeito de comemoração do seu 5.º centenário, seguimos pela rua que vai da praça para a ponte, nome da rua Nicolau Veloso até finais do século XVIII, com paragem na casa que foi dos viscondes de Tinalhas.

Pela Calçada da Ponte...

Em Santo André, recordámos a ponte de pau, a única que existiu sobre a nossa ribeira até meados do século XX. Também vimos as ruínas do lagar dos irmãos Cabral de Pina do Violeiro, mais tarde herdado pelos antepassados dos viscondes de Tinalhas.
Passou por nós o tio João da Cruz, a quem pedira para ser nosso cicerone à sua Azenha Nova. Fomos andando, enquanto ele ia deixar o molho de feno ao palheiro do Pombal e fechar as cabras na corte.
A custo entrámos na azenha, que também foi dos Cabral de Pina, no passado. Evitámos as urtigas, mas lá dentro não havia nada de interesse. Fomos ver a roda da azenha, mas ela estava escondida por silvas e salgueiros. Só a Libânia a conseguiu vislumbrar, com ervas pela cintura.
Regressámos, pois o tio João da Cruz tardava e a manhã prometia aquecer. Já íamos na casa que os pais dele construíram, quando chegou, perguntando-nos se tínhamos visto o engenho no interior. Não havia lá nada, dissemos. “Se não viram isso, não viram nada!”, ralhou ele sem se deter, na certeza de que o seguíamos.
Atravessou o matagal de urtigas e nós fomos atrás dele, mas com cautelas. Desviou umas telhas e puxou um taipal, por onde se deixou escorregar para um buraco escuro. Gritámos, mas ele sossegou-nos e pediu um codaque. Não percebemos e só à terceira insistência é que entendemos que queria uma máquina fotográfica para nos fotografar o engenho. A São e a Sara juntaram-se-lhe e tiraram mais fotos. Por cima, espreitávamos o engenho, encantados com o que víamos e que nem imaginávamos existir.

Na Azenha Nova...
Puxámo-los do buraco e saímos, maravilhados e entristecidos por deixar a apodrecer tamanha riqueza da engenharia hidráulica. O Ernesto lembrou outra maravilha dos nossos artesãos: recordava-se de ver, na sua infância, o João Ventura pai a fazer uma roda de um carro de bois a partir do zero, usando pedaços de madeira de azinho.
Despedimo-nos do tio João da Cruz e continuámos. Vimos o sítio da forca e depois virámos para o Belo Jardim e descemos para o Pelome, onde as peles eram curtidas no passado, mesmo ao lado do moinho também arruinado.
Subimos para a Estrada Nova, nova de cerca de 1940, pois a antiga passava pela Praça. Seguimos direitos a São Sebastião e notámos as semelhanças da fachada da capela com a da Igreja. No cruzamento milenar do Marzelo, percebemos as duas estradas que no passado ali se cruzavam, uma este-oeste, pelo sopé da serra, e outra norte-sul, vinda do Alentejo para Beira mais alta. E ainda existe o troço romano junto à fonte da Portela, para mostrar a sua antiguidade. Enquanto estudávamos o local à sombra de uma cerejeira, fomos colhendo e comendo, pois ainda não estavam quentes.
Continuámos pela Corredoura e parámos a meio, no local da capela de São Domingos, agora nada, como a de Santo André. E, no alto da rua da Cruz, unimos esta à visita de há dois anos, descendo a rua sem pressas, recordando coisas que alguns já sabiam mas os estreantes ignoravam.
Como diziam os nossos antigos: soube a ginjas!


Esta roda interior é movimentada pela roda exterior, por um eixo na horizontal, e, ao passar naquele corpo de paus, em cima, encaixa neles os dentes e movimenta-o, fazendo girar este eixo vertical que transmite o movimento à mó superior.

Fotos do Ernesto Hipólito e da Sara Varanda