quarta-feira, 25 de junho de 2014

Jogos tradicionais na Feira

O JOGO DOS PREGOS


Material: Um cepo de madeira
                Pregos
                Martelo

Objectivo: Não ser o último a espetar completamente o prego
Penalização: Pagar uma rodada (vinho, cerveja…) a todos os jogadores

Espetam-se os pregos (um por cada jogador) superficialmente no cepo. Cada jogador, na sua vez, dá uma martelada no respetivo prego. Quem for o último a conseguir espetar completamente o prego, perde e paga a rodada.

M. L. Ferreira

Nota: Este jogo teve muitos participantes e despertou a curiosidade até das crianças. Talvez fosse interessante que, em próximas edições desta feira, se organizasse um espaço para a divulgação dos jogos que aprendemos com os nossos pais e avós…

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O passeio da Feira




José Teodoro Prata

Comentário:

Foi a terceira vez que participei nestes passeios (tenho pena de não ter participado nos outros, principalmente naquele em que subiram ao cimo da serra, mas espero que um ano destes se repita…). Para além das muitas coisas que fiquei a saber sobre a história da nossa terra, cada um deles tem sido uma viagem no tempo e um reavivar de memórias da infância e juventude.
Do primeiro lembro sobretudo a passagem pelo Pelome. Trouxeram-me à memória as aflições da minha mãe quando dava conta da bolsa dos livros do meu irmão ao fundo da escada e percebia que, em vez de ter ido para a escola, teria ido nadar para a Ribeira. Lá ia ela, quelha abaixo, à procura dele! Uma vez, já desesperada, ainda lhe trouxe a roupa e ele teve que voltar encarrapato para casa…
Do segundo, à passagem pelas vinhas do poço, lembrei-me do meu primeiro trabalho remunerado. Foi durante umas férias, a vindimar. A injustiça que senti quando, na hora de recebermos, me pagaram metade do que deram às outras mulheres. Achei que não era justo porque, apesar de inexperiente, nunca tinha ficado para trás das outras.
No domingo, seguindo o curso das águas, passámos por sítios lindíssimos! Alguns, qual Gerês, qual Buçaco!... Mas foi ao passar pelo tanque da regadia, no Cimo de Vila, que me senti a recuar no tempo. Acho que era de lá que saía a água que vinha pela valeta da rua do Convento abaixo, seguia depois pela rua da Igreja e se sumia num boeiro na rua Velha, ao fundo da Nicolau Veloso. Era uma alegria quando, nas tardes de verão, víamos a água começar a correr lá de cima! De saias e calças aforradas e pés descalços, andávamos rua acima, rua abaixo, a chapinhar na água. De que é que nos importava que nos dissessem que as mulheres do Cimo de Vila despejavam lá os penicos?!
Trabalho notável, o do José Teodoro que nos proporciona estas viagens no tempo!

M. L. Ferreira

domingo, 22 de junho de 2014

quarta-feira, 18 de junho de 2014

As nossas feiras

Há dias nem sequer me dei ao trabalho de responder a um comentário da  Libânia em que  (mostrando a sua grande ignorância), afirmava que o Borda d´Água  não fazia alusão às nossas festas e feiras. Fiquei então a saber que ela nunca o deve ter lido, porque nas páginas 20 e 22 dessa folhinha,  na secção festas e feiras, lá está escrito 3.º Domingo de Janeiro e 3. º Domingo de Setembro,   S. VICENTE DA BEIRA.
Esta deve ser daquelas que  transplanta as cenouras enterrando-lhe a rama, ficando a cenoura de fora!
Mas não era disto que eu queria falar;  foi só um desabafo de uma pessoa ofendida.

Nos anos cinquenta, além dos mercados mensais que ainda hoje se fazem, havia também duas grandes feiras em S. Vicente da Beira. Eram a feira de Janeiro como era conhecida, pendente da Festa de São Vicente (22 de Janeiro), e a feira de Setembro que coincidia com as Festas de Verão no terceiro Domingo desse mês.
Eram feiras de grande nomeada que atraíam muita gente das redondezas e em  que além dos tendeiros normais  também havia gente do povo a vender. Eram os agricultores que vinham vender ou comprar gado; esses agricultores vendiam também os produtos das suas colheitas tais com o feijão pequeno, o feijão grande, o grão, os alhos, as cebolas etc.
Vinha o cesteiro que enquanto vendia uns cestos ia fazendo outros. Os oleiros vinham com as suas carroças carregadas de talhas, alguidares, cântaros e cântaras, caçarolas, tachos etc.
Havia também os quinteiros que vinham vender os leitões galinhas e pitos que lhe sobravam e que muitas vezes trocavam por produtos que faziam falta.
Para a cachopada era dia de festa. Lembro-me que numa feira de Setembro o meu pai me comprou uns sapatos muito bonitos que iriam servir para aquelas festas e por aí adiante. Com o entusiasmo do dia achei que devia estrear logo os sapatos e fui jogar à bola. À noite o meu pai deu-me um jeito na roupa. Bem o merecia. Hoje seria violência doméstica!
Noutra vez, deu-me vinte e cinco tostões (uma fortuna), para gastar na feira e nas festas. Com a moeda na mão, fui direitinho  à taberna da Viúva e gastei tudo em amendoins. Fiz a festa toda logo nesse sábado.
Numa dessas feiras, uma velhota foi vender um leitãozito muito enfezadito  que andava a criar.
Sentou-se na primeira escada do balcão da cadeia com o animal ao lado, na esperança de o conseguir impingir. Era no tempo da miséria e muita gente não tinha dinheiro para comprar ou mandar fazer roupa interior e por isso simplesmente não usava.
A  velhinha era pobre e, ao sentar-se, ficou descomposta. Passaram então dois rapazes já espigadotes e um deles, vendo a velha naquele preparo, vira-se para ela e pergunta:
- Oh Tiazinha, quanto é que vale o seu arrepiado?
A velha,  muito desempenada, olha para o rapaz com  má cara e responde-lhe:
- Arrepiédo não,  que já hoje mamou duas caldeiradas!


E.H.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Passeio pedestre


Vamos visitar, por dentro, as minas e os depósitos da água que bebemos todos os dias.

Ana Jerónimo e José Teodoro

sábado, 14 de junho de 2014

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Santo António Casamenteiro

Em tempos que já lá vão, no arco da Rua das Donas, a Alfama, perfilava-se em seu nicho envidraçado o divino Padre Santo António. Era de pedra policrómica, e chamavam-lhe familiarmente Sant’Antoninho. Uma lâmpada ardia dia e noite à sua ilharga. O nicho era fechado a loquete para que os gatunos de cutiliquê não roubassem o azeite. Um ano fora visitado por um quadrilheiro, tão infeliz pilho e miserando que se deixou apanhar e foi enforcado na Praça da Lã. Santo António tivera com isso um profundo desgosto, resultando ele sugerir, em sua atiladíssima inspiração, ao vereador do pelouro que fosse dotada a charola com uma tranqueta de segurança.
Para o precioso óleo cotizavam-se os moradores, á cabeça do rol a família Coelho Manso, que tinha a chave e professava a mais afervorada devoção pelo beato taumaturgo. Tratava-se de um lar infraburguês, superpovoado, o pai oficial de Contos e Casa, um dos filhos alferes, o outro França, duas tias velhas, com lugar certo na Constelação da Onze mil Virgens, e três meninas bonitas, sécias, solteiras e namoradeiras, das tais de derreter com a labareda dos olhos e a sofreguidão de amar quem pisasse a rua para cá dos cem passos. Chamavam-lhes no sítio, para não fugir ao lugar comum, as Três Graças Mansas. Os rapazes, esses eram afogadiços de génio e estroinas, sempre na rosa divina, tanto o militar como o que não exercia outro emprego do que o de fazer semblante de que andava à procura dele.
Santo António trazia debaixo de olho, um olho de argos vigilante e caridoso, o bairro todo, primitivo e pobrinho, mas honrado, dado a luxos e amigo de se divertir, mas temente a Deus e ainda mais testo a círios e festas de altar que a própria Madragoa. Agora quem ele desvelava particularmente era a família Coelho Manso. Pudera! A velha Conegundes, sempre queixosa das cruzes quando não era do flato, do reumático quando não era do baço, com achaques mais numerosos do que os dentes que lhe caíam, da manhã á noite dentro da bata de fundo amarelo semeado de ervilhas verdes, cabelo em regueifa para a nuca, o infalível carocho preto no regaço, deixaria faltar o azeite no prato das sextas, e na sopa de repolho com feijão barriga-de-freira, dia sim, dia não, mas lá na lamparina do santinho, jamais. Acabava-se o mundo se se extinguisse o fanal que ali bruxuleava pela noite velha, quando a escuridão parecia um avejão imenso, de asas estendidas, a afogar o casario torcicolar.
As Coelhas Mansas, Maria Ana e Marta, votavam a Santo António uma dilecção extremada, patusca se bem que não original. Volta e meia, a pretexto de renovarem o azeite, palmavam o Menino ao santo. Palmavam-lhe o Menino que estava rechonchudo e nu sentado sobre o breviário, as pernocas à dependura, a mãozita papudinha no jeito amoroso de prender-se-lhe à sotaina. Era o modo de exercer coacção sobre o taumaturgo para que desse bom e lesto despacho às suas deprecadas. Santo António, que suportaria tudo menos ver-se separado do cachopinho, não resistia àquela chantage amorável. No dia seguinte, os anelos das Três Graças obtinham ganho de causa. Por via de regra estavam em jogo os seus amores. Embora ao santo repugnasse o papel de pau-de-cabeleira, que remédio? Antes de mais era preciso que o Menino voltasse para o divã de ocasião que era o ripanço.
Uma das vezes que se tinha demorado a obtemperar, estivera iminente a catástrofe. Conjurando, as três manas Mansas tinham-se ido, horas mortas, ao nicho e tentado atar uma corda ao pescoço do Santo para o mergulhar no poço do quintal até que dignasse deferir a deprecada. Valera-lhe ser de pedra de Ançã, mais pesado que todos os pecados do bairro, e as conspiradoras, por muito que soprassem, suassem, gemessem, não conseguiram deslocar a estátua do absidíolo.
Não eram apenas elas as almas súplices. Estava para nascer o primeiro mariola na Alfama que lhe não apresentasse os mais inverosímeis requerimentos. De modo geral só por grande casualidade faltavam ajoelhados a Sant’Antoninho. Além da rogação directa, de caso pensado, era ao passar que muitos, nada mais que in pétto, apelavam para sua intercessão e, após a vénia da regra, ala, que se faz tarde. Os mais próximos, tais as Coelhas Mansas, vinham à varanda e dali formulavam seus votos mentalmente. Santo António sabia interpretá-los na sua linguagem muda como se fossem rezados, embora, de facto, lhes passassem pelas cabeças ocas mais surdos que lagartas nas couves. Interpretava-os, decifrava-os, bem como a todos mais, e dava-lhes, consoante a fé dos suplicantes, provimento ou não.
Ora uma daquelas tardes – estamos no século XVIII com guerra nas fronteiras e nas províncias ultramarinas, e uma nobre vadiagem, acobertada pelo escudo dos avós, a infestar as ruas – soprava um vento de desbarato sobre a casa de Coelho Manso. Além do alferes ser chamado ao regimento que partia em expedição contra os castelhanos, empresa a que era ainda mais avesso que o Diabo à Cruz, ó sorte infanda! era mobilizado o pai Coelho, oficial de Contos e Casa. Os namorados da meninas, porque não lhes cheirasse o dote bastante, pareciam querer desarvorar um, meter outro o idílio para rumo desonesto, ainda o terceiro brandir o punhal de Otelo contra a ingrata e infiel, surpreendida na Sé a trocar miradas langorosas com um chichisbéu.
E vá de irem todas à sacada e apelarem sucessivamente para o miraculoso padroeiro, interpretando a lição, aprendida com o leite da boa mãe Conegundes:
- Ó meu beato António, santinho da minha alma, luzeiro da Itália e resplendor de Portugal – congeminava Maria, a filha mais velha, alevantadiça de trunfa e de vozes – guardai-me o namorado, que ameaça deixar-me pela filha do mercador de sola, rico como um porco, aquela gorda e sardenta Rosa Fagundes, para mais taxada de sangue marrano. Guardai-mo rendido e fiel ao bem que lhe quero, Glorioso Sol do Empírio, e prometo rezar-vos tantos padre-nossos que eu caia para a banda de cansaço e vós tapeis os ouvidos, azoado. Não serei eu mais bonita que a correeira, e mesmo mais prendada e discreta? Oh, que as peças que tem o pai lhe sirvam de brasas no inferno! Ouvi-me, meu divino Padre Santo António! Amparai-me na demanda com a maldita, invencível advogado! Valei-me, nas minhas penas, boticário dos corações aflitos!
Retirou-se a moça da varanda ao ver que vinha lá a mana – uma peste por baixo das sete falinhas doces, uma acusa-cristos que ia contar tudo ao pai – quando o santinho começara a dar mostras de comovido. Uma lágrima teria mesmo começado a aflorar-lhe aos olhos, daquelas que o menino costumava esmagar-lhe com a cabecinha do dedo róseo. Mas, schiu, de facto abria-se de novo a porta na varanda das Coelhas Mansas. Era Aninhas, a cadeta, branca, poética e vaporosa que se debruçava sobre o vão da rua.
- Padre Santo António – rompeu a exortar a perlequitetes – senhor de estranhos poderes, que em Limoges vos condoestes da pobre dona desfeada e, pegando nos cabelos que lhe cortou o ciumento, lhos repusestes em sua formosura e inteireza; que açaimastes os tiranos; que destes vista aos cegos; que endireitastes os estropiados e os coxinhos – alumiai o meu caminho! Posso seguir, confiada, o homem que adoro? Devo por ele deixar pai, mãe, irmãos e o lar sossegado a que presidis com solicitude paternal, meu glorioso Padre Santo António, meu adorado Sant’Antoninho!? Inundai de luz minha alma, ó preclaro luminar do céu! Dignai advertir-me se as pétalas de rosa com que o meu mais que tudo promete atapetar-me o caminho escondem a víbora que mata! Dizem-me que há um bicho mau chamado trigonocéfalo, que disfarça o covil no meio das flores. Não vá eu dar nesse bicho! Por quem sois, guiai-me nesta senda de verdadeira Primavera, que me inebria, e tanto pode conduzir-me à ventura como á perdição, no dizer da mãe Cunegundes.
Recolheu-se a doidinha e, no seu nicho, Santo António que guardara uma atitude carrancuda de reserva, entregou-se logo a movimentos vários de cólera. Debalde tentava o Menino acalmá-lo. Com a mão, enclavinhada em martelo, fazia o gesto de britar, de reduzir a grude a cabeça da serpente, e ante disposição tão cómica, o menino não conseguia reprimir-se e soltava-lhe nas bochechas risadinhas deliciadas. Mas, de repente, ouviu-se o ranger duma porta nos gonzos enferrujados. Que sarna! Era ainda na varanda das Coelhas Mansas. Lá assomava a terceira Graça. Só faltava aquela cabeça de alho chocho, engraçada como um pássaro do paraíso, garrida, e a mais lambisqueira e casquivana das três. Não abria a boca, mas, como já se disse, Santo António via os pensamentos loucos voarem-lhe na alma como pulgões numa açucena.
- Meu santo quebrador de infusas, meu Sant’Antoninho de papas de leite e mel, que culpa tenho eu que os rapazes olhem mais para mim do que para as outras?! Se o meu rosto é prazenteiro, a minha voz meiga, o meu olhar requebrado, foi Deus que assim me fez. Por quem sois, meu rico Padre Santo António, abri, ou melhor, fechai os olhos ao meu namorado que se ofuscam com tudo que não seja derreterem-se os meus nos dele. Reacendei a idolatria que me tinha, encaminhai-mo e eu vos prometo uma novena e missa cantada, quando me casar, no vosso altar da Sé.
Retirara-se a donzela, ficando Santo António a saborear o sainete daquela alma especiosa. Ao cabo do seu enlevo, que não foi longo, murmurou para o Menino:
- Coitadinha! Coitadinha! É bonita, não se há-de fechar numa trapeira.


Aquilino Ribeiro – Humildade Gloriosa