segunda-feira, 9 de março de 2015

Com o coração a rebentar de dor

Comentário à publicação anterior (Óbitos, 1812):
Que grande razia, principalmente entre os menores, provavelmente muito por causa da fome causada pela guerra! Mais um ano de grande sofrimento para muitas mães e pais.
A propósito de algumas dúvidas sobre a expressão do amor maternal e paternal levantadas por estes registos, deixo uma pequena história que me foi contada há tempos.
Bem sei que se passou numa época mais recente, mas ainda assim, num tempo em que a mortalidade infantil era ainda grande.
Esta história pode dar-nos também alguma informação sobre as incipientes manifestações de afeto por parte dos pais, naquela época: Não querendo significar necessariamente que não existisse amor, haveria alguma vergonha em expressá-lo. Parece que nesse papel, eram substituídos pelos avós, como no caso do Zezinho:

O meu primeiro filho era a coisa mais linda deste mundo, mas morreu logo ao nascer, coitadinho. Passado pouco mais de um ano nasceu-me o segundo. Também era muito desenxovalhado, e esperto que nem um alho. E para cantar? Parecia um lírio! O meu pai gostava tanto de o ouvir que às vezes o punha de pé em cima da mesa e dizia-lhe assim:
- Ó Zezinho, canta lá aquela do Zé aperta o laço, que te dou um naco grande de chicha.
E ele punha-se a cantar:

Ó Gé, apet’ó lacho,
Ó Gé, apet’ó bem,
O lacho bem apetado
Ai, ó Jogé, fica-te bem!

Até parece que ainda o estou a ver: muito rosadinho, aqueles olhos sempre contentes, não havia mal que lhe chegasse.
Mas um dia, já andava pelos seis aninhos, o cachopinho começa a andar esmorecido, com uma tosse de cão e um fastio de morte. Nessa altura calhou lá a ir o doutor para assistir a uma mulher que estava muito mal por causa dum filho que estava atravessado,  e eu fui lá a mostrar-lhe o meu menino. Mal olhou para ele disse-me assim:
- Vai mas é para casa com o cachopo e dá-lhe de comer, que o mal dele é fome.
O que é que havia de fazer? Voltei para casa, mas quando foi à noite o meu menino começou a piorar. Eram umas duas da manhã, ardia em febre. Chamei o meu homem e disse-lhe que se vestisse depressa para irmos à Vila ao doutor.
Saímos de casa pouco passava das três. Uma noite de breu e um frio de rachar, mas a aflição era tanta que nada nos metia medo. Corremos por aquelas veredas com o menino nos braços, como se fugíssemos do diabo.
Quando chegámos à Vila, ainda era noite. Batemos à porta do doutor, mas lá de dentro disseram-nos que ainda não eram horas de consulta. Que fossemos para o hospital e, se estivesse fechado, que batêssemos que alguém havia de nos abrir a porta.
Ficámos lá mais que tempos à espera dele. Quando chegou, mal olhou para o menino disse logo que tinha uma pneumonia e já pouco se podia fazer. Mesmo assim escreveu uma receita e deu-a ao meu homem. Que fosse ao Louriçal buscar uma injeção; era a última esperança.
Mesmo com a injeção, não se viam melhoras nenhumas e quando foi à noite disseram-me que não podia ficar ao pé dele. Eu disse logo que nem que me matassem, não saía dali e deixava lá o meu filho. Agarrei nele e abalei porta fora. Fui bater à porta duma prima minha que estava cá casada e morava no cimo de vila.
Passei a noite sentada num banco, à beira do borralho, com o meu menino ao colo, mas ainda não era dia quando o senti a morrer-me nos braços. Nesse momento não consegui deitar uma lágrima. Chamei a minha prima e foi ela que me ajudou a levá-lo de volta a casa. Só quando lá cheguei, com o meu menino nos braços e o coração a rebentar de dor, é que dei um grito tão grande que acudiu o povo todo a ver o que era.
Eu nem sei como é que Deus Nosso Senhor dá forças a uma mãe para aguentar tanta dor!

M. L. Ferreira

domingo, 8 de março de 2015

Óbitos, 1812

ÓBITOS, 1812
Paróquia de Nossa Senhora da Assunção
São Vicente da Beira

- O ano ia tão bem até meados, mas depois descambou. Faleceram apenas 16 pessoas até final de junho, mas na segunda metade do ano ocorreram 50 óbitos. Saldo fisiológico:69 batismos - 66 óbitos = +3 (na realidade foi de +7, pois 4 bebés faleceram à nascença e não se fizeram os registos de batismo).
- Neste ano, o Vigário abreviou exageradamente os registos, não dando informações suficientes em alguns.
- Com o aumento da mortalidade, a partir de 1809 (58 óbitos - desde 1800 que a mortalidade oscilava entre os 29 de 1804 e os 47 de 1803), atingindo um máximo de 106 óbitos, em 1810, a Igreja Matriz tornou-se manifestamente insuficiente para sepultar todas as pessoas falecidas na freguesia.  A maioria foi sepultada no adro da Igreja.
- A 3.ª Invasão Francesa terminou em abril de 1811, com a retirada dos franceses para Cidade Rodrigo. O exército anglo-português fixou o Quartel General em Abrantes e avançou para as entradas de Espanha. Os nossos ganhões foram então obrigados a um esforço suplementar, com o triplo objetivo de transportar mantimentos e munições para Elvas, a fim de conquistar Badajoz, e para a cercanias de Cidade Rodrigo, e prestar apoio ao centro logístico de Abrantes, nomeadamente acarretando lenha para os fornos que forneciam pão aos exércitos. Nestes anos de 1811 e 1812, muitos ganhões andaram fora por largas semanas, sem qualquer pagamento, e alguns voltaram sem os seus carros de bois. Isso teve repercussão na produção agrícola e consequentemente na alimentação das gentes e na sua resistência às doenças.
- No dia 12 de dezembro, faleceu uma mãe e dez dias depois o seu filho (registos 62 e 63). Ana da Costa terá falecido por complicações no parto.
- Faleceu no Hospital da Vila (n.º 65)? Certamente o hospital/albergaria da Misericórdia, situado na Rua da Misericórdia, junto à igreja desta irmandade.

1
Nome: Domingos
Família: menor, filho de Izabel Duarte, de São Vicente da Beira
Data: 01/01/1812
Observações: foi sepultado no adro da Igreja

2
Nome: Manoel Rodrigues
Família: solteiro, do Vale de Figueiras, São Vicente da Beira
Data: 06/01/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

3
Nome: Izabel Salgueira
Família: solteira, de São Vicente da Beira
Data: 13/01/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

4
Nome: Maria Martins
Família: solteira, do Violeiro, São Vicente da Beira
Data: 27/01/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

5
Nome: Manoel
Família: solteiro, filho de Antonio de Matos, do Casal da Serra, São Vicente da Beira
Data: 05/02/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

6
Nome: Sebastiam
Família: menor, filho de Francisco Pires Rolaõ e Maria Duarte, do Casal da Serra, São Vicente da Beira
Data: 11/02/1812

7
Nome: Vicencia Maria
Família: casada com Manoel de Barros, de São Vicente da Beira
Data: 15/02/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

8
Nome: Anna
Família: menor, filha de Antonio Alves e Maria Tereza, de São Vicente da Beira
Data: 29/02/1812

9
Nome: Joaquim
Família: menor, exposto, dado a criar a Maria Leitoa, da Paradanta, São Vicente da Beira
Data: 13/03/1812

10
Nome: Joaquim
Família: menor, filho de Joze Fernandes Tomé e Maria Fernandes, do Violeiro, São Vicente da Beira
Data: 02/04/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

11
Nome: Jozefa da Silva
Família: pobre, solteira, de Pedrógão, Penamacor
Data: 30/04/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

12
Nome: Domingos e Caetano
Família: menores, Caetano Duarte e Maria da Ressurreiçaõ, de São Vicente da Beira
Data: 15/05/1812
Observações: nasceram, foram batizados em necessidade e logo faleceram

13
Nome: Manoel Afonço
Família: viúvo, do Tripeiro, São Vicente da Beira
Data: 07/06/1812

14
Nome: Joaõ
Família: filho de Manoel Antunes e Maria Martins, da Partida, São Vicente da Beira
Data: 13/06/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

15
Nome: Joana
Família: menor, filha de Francisco Rodrigues Castanheira e Roza Gonçalves, de São Vicente da Beira
Data: 25/06/1812
Observações: nasceu, foi batizada e morreu

16
Nome: Maria Pires
Família: mulher de Joze Fernandes, do Violeiro, São Vicente da Beira
Data: 26/06/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

17
Nome: Francisca Maria
Família: viúva de Manoel Duarte, de São Vicente da Beira
Data: 01/07/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

18
Nome: Joaquim
Família: menor, filho de Joze Fernandes e Maria Pires, do Violeiro, São Vicente da Beira
Data: 03/07/1812

19
Nome: Manoel
Família: menor, filho de Manoel Martins e Ana Leitoa, da Partida, São Vicente da Beira
Data: 04/07/1812

20
Nome: Joana Freire
Família: casada com Joze Bras, de São Vicente da Beira
Data: 21/07/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

21
Nome: Manoel
Família: menor, filho de Manoel Pires e Izabel Pereira, do Violeiro, São Vicente da Beira
Data: 25/07/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

22
Nome: Caterina Maria
Família: casada com Francisco Mendes, de Almaceda
Data: 29/07/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

23
Nome: Maria
Família: menor, exposta, dada a criar a Inocencia Gama, da Partida, São Vicente da Beira
Data: 05/08/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

24
Nome: Joze Alvez
Família: viúvo do Mourelo, São Vicente da Beira
Data: 12/08/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

25
Nome: Bernardino
Família: menor, exposto
Data: 15/08/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja


26
Nome: Joze
Família: filho de Mathias Marcos e Maria Faustina, de São Vicente da Beira
Data: 15/08/1812
Observações: demente, recebeu os sacramentos de que era capaz; sepultado no adro da Igreja

27
Nome: Anna
Família: menor, filha de Manoel Jacinto e Maria Martins, da Partida, São Vicente da Beira
Data: 22/08/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

28
Nome: Maria
Família: menor, filha de Joaõ Barata e Maria Gonçalves, do Violeiro, São Vicente da Beira
Data: 25/08/1812

29
Nome: Rita
Família: menor, filha de Niculao Franco e Ana Maria, de São Vicente da Beira
Data: 30/08/1812

30
Nome: Joana
Família: menor, filha de Joze Pedro e Joana Maria, de São Vicente da Beira
Data: 04/09/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

31
Nome: João
Família: menor, filho de Joaõ Lopes e Maria Antunes, do Violeiro, São Vicente da Beira
Data: 05/09/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

32
Nome: Maria Martins
Família: viúva de Manoel Antunes do Balcaõ, Partida, São Vicente da Beira
Data: 07/09/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

33
Nome: Manoel Francisco
Família: viúvo, do Casal da Serra, São Vicente da Beira
Data: 23/09/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

34
Nome: Joze Rodrigues
Família: casado com Maria Fernandes, do Violeiro, São Vicente da Beira
Data: 23/09/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

35
Nome: Joaõ
Família: menor, filho de Joze Martins e Maria Roza, da Partida, São Vicente da Beira
Data: 04/10/1812

36
Nome: Manoel Rodrigues Paradanta
Família: da Partida, São Vicente da Beira
Data: 04/10/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

37
Nome: Joaquim
Família: menor, filho de Manoel Ramos e Maria Martins, do Tripeiro, São Vicente da Beira
Data: 06/10/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

38
Nome: Jozefa
Família: solteira, filha de Izabel Freire, da Partida, São Vicente da Beira
Data: 06/10/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja


39
Nome: Pedro Pires
Família: do Violeiro, São Vicente da Beira
Data: 10/10/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

40
Nome: Jeronima
Família: menor, exposta na Paradanta (é assim que está escrito, mas não se percebe se foi exposta na Paradanta ou dada a criar para lá)
Data: 12/10/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

41
Nome: Francisco
Família: menor, filho de Manoel Rodrigues Castanheira e Gestrudes Maria, de São Vicente da Beira
Data: 12/10/1812

42
Nome: Maria Antunes
Família: solteira, do Violeiro, São Vicente da Beira
Data: 18/10/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja; faleceu sem sacramentos


43
Nome: Bartolomeu Antonio
Família: do Tripeiro, São Vicente da Beira
Data: 19/10/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

44
Nome: Joaõ
Família: menor, filho de Joze Pedro e Joana do Couto, de São Vicente da Beira
Data: 19/10/1812

45
Nome: Maria
Família: menor, filha de Manoel Alves e Jozefa Leitoa, do Mourelo, São Vicente da Beira
Data: 23/10/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

46
Nome: Joaõ
Família: menor, filho de Joze Francisco e Maria Figueira, do Mourelo, São Vicente da Beira
Data: 23/10/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

47
Nome: Maria
Família: menor, filha de Antonio Alves, do Violeiro, São Vicente da Beira
Data: 24/10/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

48
Nome: Luis
Família: solteiro, filho de Joaõ Tavares e Barbara Senana, do Sobral do Campo
Data: 25/10/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

49
Nome: Francisco
Família: menor, filho de Joze Antonio e Jozefa Faustina, de São Vicente da Beira
Data: 29/10/1812

50
Nome: Maria Figueira
Família: casada com Joze Francisco, do Mourelo, São Vicente da Beira
Data: 30/10/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

51
Nome: Caterina Pires
Família: viúva
Data: 05/11/1812

52
Nome: Maria dos Santos
Família: casada com Antonio Rodrigues, do Mourelo, São Vicente da Beira
Data: 14/11/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

53
Nome: Genevefa
Família: menor, exposta, dada a criar à ama Joaquina Antonia, do Mourelo, São Vicente da Beira
Data: 19/11/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

54
Nome: Francisco Gonçalves
Família: solteiro, do Engarnal, Almaceda
Data: 21/11/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

55
Nome: Joaquim Leitaõ
Família: do Ninho do Açor
Data: 21/11/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

56
Nome: Joaquina
Família: menor, filha de Joaõ Francisco Diabinho e Maria Leitoa, do Mourelo, São Vicente da Beira
Data: 22/11/1812

57
Nome: Anna
Família: menor, filha de Joaõ Joze, da Partida, São Vicente da Beira
Data: 24/11/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

58
Nome: Rufina
Família: menor, exposta
Data: 25/11/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

59
Nome: Joaõ
Família: menor, filho de Teodoro Antunes, do Tripeiro, São Vicente da Beira
Data: 06/12/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja

60
Nome: Joaquim
Família: menor, filho de Manoel Alves e Jozefa Leitoa, do Mourelo, São Vicente da Beira
Data: 10/12/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

61
Nome: Antonio
Família: menor, filho de Francisco Pires Rolaõ e Maria Ribeira, do Casal da Serra, São Vicente da Beira
Data: 11/12/1812
Observações: nasceu, foi logo batizado e faleceu

62
Nome: Ana da Costa
Família: casada com Joaquim Leitaõ, de São Vicente da Beira
Data: 12/12/1812
Observações: sepultada no adro da Igreja


63
Nome: Francisco
Família: menor, filho de Joaquim Leitaõ e Ana da Costa, de São Vicente da Beira
Data: 22/12/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja

64
Nome: Joze Bras
Família: viúvo de Joana Freire, de São Vicente da Beira
Data: 23/12/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja; faleceu de repente e por isso não recebeu os sacramentos

65
Nome: Izabel Lopes
Família: viúva de Mauricio Lopes, «do lugar da Mouta»
Data: 25/12/1812
Observações: sepultado no adro da Igreja; faleceu com todos os sacramentos no Hospital da Vila

66
Nome: Joze de Oliveira
Família: de São Vicente da Beira
Data: 28/12/1812

José Teodoro Prata