sábado, 6 de maio de 2017

Histórias de vida

É raro encontrar-me com alguns dos meus amigos. A vida foi-nos espalhando pelo mundo e só de ralo em ralo nos encontramos.
Tenho um grande amigo a viver na zona da Cova da Beira, mas não o informei das apresentações do livro Dos enxidros aos casais...
Não teve conhecimento da apresentação em São Vicente, mas a de Castelo Branco foi noticiada no Jornal do Fundão e por isso recebi um ralhete, via telefone, logo que ele leu a notícia.
Desenrasquei-me como pude, com a promessa de lhe levar um livro na minha ida já programada à Covilhã.
Quando nos encontrámos, entreguei-lhe o livro e expliquei-lhe o projeto. 
Ele exclamou: Era isto mesmo que eu queria que a minha mãe fizesse.
Semanas depois, informou-me, feliz, que estava (e ainda está) a escrever a história da vida dos seus pais, com base no que a mãe lhe contava (e conta). Já vão em perto de 100 páginas. 
Mas o importante não é o livro como produto final. Ele é apenas o meio para tornar mais felizes os dias de uma senhora de perto de 100 anos, ao relembrar e sentir valorizadas as suas vivências de tantas décadas. 
Por sua vez, o meu amigo redescobre na sua família um mundo de caraterísticas e afetos que afinal não conhecia assim tão bem, ao mesmo tempo que se revela em si, letrinha a letrinha, o escriba que desconhecia.
Se não tivéssemos já tantas razões nobres para justificar a nossa obra, esta chegava e sobrava.

Ilustração do livro realizada pelos alunos do 2.º Ciclo de Alcains e São Vicente da Beira.
A imagem ilustra a história "A pedra da sobreposta", de José Manuel dos Santos.
A pedra da sobreposta situa-se na vertente sul da serra da Gardunha, na freguesia da Soalheira, e será o maior bloco granítico do país.

José Teodoro Prata

terça-feira, 2 de maio de 2017

Viva a República!

Naqueles dias…
Depois da fracassada revolução republicana do Porto de 1891, um grupo de estudantes da universidade de Coimbra, alguns anos mais tarde, organiza uma sociedade secreta. Tinham como objetivo o derrube da monarquia.
Estávamos no fatídico ano de 1895 (extinção do concelho de São Vicente da Beira).
O ultimato inglês gerou uma onda de descontentamento nacional, nascia assim uma férrea vontade de destruir o regime monárquico
Os “conspiradores” reuniam-se em Lisboa nos subterrâneos de uma casa.
Peripécias atrás de … nasceu a Carbonária Lusitana chefiada pelo jornalista José Nunes. Outras apareceram como a Carbonária dos Anarquistas…
À medida que o tempo passava, os frutos maceravam lentamente, a chama da implantação republicana não esmorecia e assim, no dia 1 de Fevereiro do ano 1908, o rei Dom Carlos e sua família atravessavam num landau o Terreiro do Paço, vindos do paço ducal de Vila Viçosa, e aconteceu o regicídio.
Na história da monarquia portuguesa nunca tal tinha acontecido. O monarca é assassinado e o seu filho primogénito Dom Luís Filipe morre também. Dom Manuel escapa, assim como sua mãe rainha Dona Amélia,
Dom Manuel II, sem grande experiência governativa, ainda aguentou o leme dois anos até que, no dia 5 de Outubro de 1910, se dá a queda da realeza em Portugal. O rei é desterrado, é implantada a república
Como relataram dois jornalistas espanhóis, Augusto Vivero e Antonio de la Villa, que acompanharam os revoltosos: “la revoluciôn más hermosa que registra la Historia”.
Industria, comércio, agricultura, nada… Um povo de analfabetos; pobres, muitos; nobres, bastantes. Só muda a primeira letra. Estradas, poucas e abandonadas, os bufos eram aos montões…
Ao contrário de Abril, onde o povo anónimo saiu à rua em massa, no 5 de Outubro, os  entrincheirados na Rotunda não eram muitos, mesmo poucos havia algo que os norteava, a fé em dias melhores.
João Franco era o ministro todo-poderoso do monarca Dom Carlos, o povo detestava o rei. Os aditamentos à casa real… Hoje são licenciaturas atribuídas sabe Deus como.
João Franco, com o parlamento fechado, publica um decreto (30 Agosto 1907) que liquida as dívidas do rei e aumenta-lhe a sua lista civil. Dom Carlos, que um dia chamou piolheira à sua nação, não teve pejo em assinar essa medida, talvez tenha sido a causa principal da sua morte. (Pesquisa: História Contemporânea de Portugal. Amigos do Livro, editores)
Adiante. A república triunfou, o rico lavrador de Alpiarça José Relvas proclama do alto da varanda da câmara municipal lisboeta o triunfo dos republicanos comandados por Machado dos Santos. Dom Manuel II e sua família embarcam na Ericeira rumo ao exílio.
O povo, com rei ou sem rei, amocha carregadinho de impostos. Os talassas, vira casacas, adesivos, passaram para o lado dos vencedores. Ontem como hoje…

Deixemos a História e vamos ao tema que me fez escrever tudo isto.
Naquele tempo, o pobre povo viu acender-se uma luzinha ao fundo do túnel, os conservadores não desarmavam, no mundo rural os caciques seguidores do miguelismo imperavam.
 Nas revoluções há os que ganham e os que não ganham, os simpatizantes e os não simpatizantes da nova ordem.
Silvares era uma aldeia pacata encravada nas faldas da Estrela, terra pobre, atravessada pelo Zêzere, nas suas margens havia bons nateiros onde se criavam milheirais e outros mimos, muitos trabalhavam nas minas, o povo crente enchia a igreja para assistir aos ofícios divinos, o pároco nesse tempo chamava-se José Lopes da Assunção, natural de São Vicente da Beira.
Homem possante, corajoso, alto e forte, amiudadamente frequentava uma taberna onde cavaqueava e bebia um copo ou dois de vinho. Num canto sentado num banco corrido encontrava-se um aldeão simpatizante da causa republicana.
A revolução estava fresca, padre Lopes, monárquico, não comungava os ideais liberais republicanos. Certo dia, entrou na baiuca, aproximou-se do balcão e entabulou conversa com o dono do estabelecimento.
Com um grão na asa, o aldeão grita bem alto:
- “Viva a República”. Padre Lopes voltou-se para ele, fuzilando-o com os olhos e nada mais fez.
No dia seguinte, a história repetiu-se, engoliu em seco e saiu.
Passaram alguns dias; o padre entra novamente na taberna, sentado no banco corrido, o mesmo personagem:
 - “Viva a República”.
O senhor prior aproxima-se, segura-o pelas golas do casaco, levanta-o no ar ergueu-o batendo-lhe com a cabeça “três vezes” nos caibros enegrecidos pelo tempo. Quando o largou, de frente para ele, disse:
            - Diz lá outa vez “Viva a República”.
O aldeão levantou-se meio cambaleante e saiu. Nunca mais o desafiou.
O padre Lopes viveu os últimos anos na vila, a sua casa situa-se na Rua da Cruz. Faleceu no dia 14 de Março do ano 1964, com 79 anos.
O povo de Silvares deslocou-se em peso a São Vicente da Beira, para assistir ao seu funeral, durante alguns anos vinham em romagem visitar sua campa.

Os que bebem para falar, por vezes apanham para se calarem.


J.M.S

O tesouro do Mourelo

Há novos comentários n´O Tesouro da Partida.
José Teodoro Prata

domingo, 30 de abril de 2017

1.º de Maio


A imagem não tem qualidade, mas, pela foto de Mário Soares a chegar de Paris e pelo subtítulo, 
a notícia será de um dos dias entre 25 de Abril e 1 de Maio.
No 1.º de Maio comemoram-se as lutas pela jornada 8 horas de trabalho, 
iniciadas em Chicago e duramente reprimidas.
Em Portugal, essa conquista só chegou depois do 25 de Abril, assim como o feriado.
Para se ter uma ideia da situação do mundo do trabalho, num país com o catolicismo como religião oficial do Estado, foi necessário chegarem ao poder os "hereges" republicanos (1.º República, 1910-1826), para que os trabalhadores conseguissem o direito ao descanso semanal (ao domingo).
Por isso, o feriado do 1.º de Maio encerrada uma simbologia muito forte!
E por isso não irei às compras amanhã, seria uma falta de respeito pelos trabalhadores que iria encontrar. Já basta a sofreguidão com que as entidades patronais tentam desregular a vida familiar dos seus empregados, não é preciso que eu alinhe.

Depois de Abril, lembro-me que colaborei nas comemorações do 1.º de Maio, em São Vicente: jogo de futebol e convívio entre solteiros e casados.
Essas comemorações mantiveram-se no Clube dutrante anos. 
Nunca lá pus os pés, pois para o meu pai o feriado era a altura ideal (tal com o do 25 de Abril) para fazer as lavras e as sementeiras no Ribeiro de Dom Bento e na Horta de Estêvão.
Nos anos em que estive no Clube, ajudava a organizar as coisas, 
mas depois ficava-me pelos restos (os sons) que chegavam às Quintas.
Naquela altura ficava revoltado, mas agora, sempre que é Abril ou Maio, apetece-me ir para lá.
Foi o que fiz este ano no 25 de Abril, mas amanhã não, vou com amigos a Malpica, lembrar o Zeca Afonso.


Catarina Euifémia foi assassinada numa greve pela jornada das 8 horas.

José Teodoro Prata

sábado, 29 de abril de 2017

Maio, Maduro Maio


Na segunda, dia 1.º de Maio, voltaremos a Malpica do Tejo, para ouvir João Afonso e Francisco Fanhais, na festa anual a José Afonso.
José Teodoro Prata

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Liberdade

As manas viviam em Lisboa, tinham vivido a revolução do 25 de Abril e vinham cheias de ideias revolucionárias. O povo enfim livre, dava liberdade ao pensamento e eufórico, enchia as paredes de frases revolucionárias. Elas tinham vindo às festas do Verão.
Nessa altura, as casas eram caiadas e viviam-se as festas com tudo a que se tinha direito: as cerimónias religiosas, a música todo o dia e os concertos de bandas ou artistas, na praça à noite, as barraquinhas cheias de novidades e a verbena com muito artigo para leiloar, o fogo de artifício, os bombos e a alvorada bem forte, na madrugada no dia do Senhor Santo Cristo.
Durante os dias da festa, havia rancho melhorado: matava-se o borrego ou o cabrito que tinha sido criado para esse fim. As famílias recebiam os entes queridos que viviam fora e confraternizava-se.
Também na Tapada, a casa foi caiada de alto abaixo. Sobrou alguma cal. Então as manas lembraram-se de imitar os revolucionários e toca de começar a escrever na parede de trás da casa, que dava para a quelha e na parte lateral, ainda rebocada a cimento tais como:
“Independência da Tapada D. Úrsula”, “ Viva o 25 de Abril”, “PCP” com a foice e o martelo, “Spínola Traidor” e “Nacionalização dos Figos do Padre Velho” - havia e ainda existe uma figueira que dá figos brancos pingo de mel que estava num terreno que era do Padre Tomás, mesmo a cair para a quelha. Os figos eram sempre comidos por nós e por quem passava. Mas, naquele ano, alguém se lembrou de comprar os figos, para poder ter exclusividade na apanha dos mesmos, o que nos causou um grande constrangimento e revolta.
Quando o nosso pai chegou a casa, ficou abismado e arreliado com o nosso atrevimento. Um homem honrado, assim como a família, a ser comentado pelas bocas dos vizinhos? O que é que as pessoas haviam de pensar de tudo aquilo? Então não esteve com meias medidas. Era preciso apagar tudo ou não haveria festa para ninguém. Ficámos aflitas. Tínhamos de caiar as paredes todas para apagar tudo, mas não havia mais cal. Era sábado à tarde e as lojas já tinham fechado. No domingo, ninguém saiu de casa. Mas na segunda-feira, dia mais rijo das festas, as lojas abriam de manhã. Era preciso ir comprar mais cal e ficou decidido que iria eu. Todo o caminho fui apreensiva. Entrei na loja do sr. Joaquim Boas-Noites e envergonhada pedi a cal, sempre a pensar o que é que o homem havia de achar de andar a caiar num dia santo como aquele.
Mas o sr. Joaquim Boas-Noites, homem solícito e de poucas falas, lá foi buscar a cal sem comentários. Quando cheguei a casa fomos caiar as paredes, mas a cal estava fraca e não ficou um trabalho exemplar, pois ainda se ficou a perceber o que estava escrito por baixo, durante muitos anos e até há bem pouco tempo, agora que a minha irmã já recuperou a casa.

Tina Teodoro

terça-feira, 25 de abril de 2017

25 de ABRIL

No verão de 1974, fui com uns amigos acampar para a serra da Estrela, no final do ano letivo. Nesse tempo fazia-se campismo na Nave de Santo António. Até lá existia uma capela onde se dizia missa nos domingos. Mas além de uns chuveiros e umas torneiras, não havia mais nada. Era campismo selvagem, como agora se diz, mas a Nave ficava cheia de gente, talvez milhares.
À noite, fomos surpreendidos por magotes de gente que percorria o acampamento a cantar esta canção. De facto, ela resumia tantos anos de luta e sacrifícios dos operários da zona da Covilhã! 



Não era esta que eu procurava, mas achei-a e não resisti, é um portento!
Poema e voz de Manuel da Fonseca, cantada por Vitorino.
Atentem bem na letra.
Um hino aos desprezados de todos os tempos!



José Teodoro Prata