domingo, 17 de fevereiro de 2019

Pagar o vinho

Era uma tradição que visava a integração dos rapazes que iam casar a terra alheia, mais do que uma manifestação da sociedade machista, que também o era.
No passado, a Libânia(?) escreveu sobre esta tradição e chegaram até mim os versos do José Lourenço sobre o tema (não me lembro como). Aproveitei as duas coisas e escrevi um texto dramático para os alunos da Universidade Sénior da nossa terra, que não chegou a ser representado. Aqui fica.


Ato 1
Três jovens amigos conversam, podem estar de pé ou sentados num banco. Chamam-se Tó, João e Zé ou outros nomes quaisquer.
(chegando junto dos amigos): Boas! (os amigos respondem) Há novidade?
João: Haver, há, mas é velha.
: Então?
: Ainda há pouco aí passou o carro do que anda atrás da Mariazinha e nós aqui com a garganta seca.
João: Essa é que é essa!
(gabarola): E não lhe fizestes sinal para ele parar? Se eu cá estivesse, não me escapava.
João: E no outro dia, quando ele passou mesmo rente a nós, na fonte de Santo António, porque é que não lhe pediste o vinho? Saíste-me cá um mija sem bolas…
(a coçar a cabeça): É complicado! Rapaz que namora em terra alheia tem de pagar o vinho! É essa a regra, aqui na Vila e em todas as terras das redondezas. Mas como é que vamos pedir o vinho a um homem daqueles?
: Dizem que é Capitão!
João: Era capaz de levar a mal e mandar-nos prender!
(resignado): Pois é, a rapaziada de São Vicente não tem tomates para obrigar um Capitão da Guarda a pagar o vinho! Levam-nos as moças e nem pinga…
José Lourenço (é feitor de uma casa agrícola e poeta popular; passa pelos jovens, que se destapam, tirando os chapéus ou as boinas, e mete conversa): Então, que caras são essas, num domingo à tarde? Uns jovens na força da vida…
: Ó senhor José Lourenço, estamos aqui com um problema e gostávamos de saber a sua opinião.
José Lourenço: Qual é a crise?
João: Já deve saber que a Mariazinha, a filha do sr. Manuel da Silva, namora um rapaz que é Capitão da GNR.
José Lourenço: E depois, onde está o mal?
: É que se costuma pagar o vinho, quando se rouba uma moça aos rapazes de outra terra. Ele não é de cá e por isso pertence pagar o vinho.
José Lourenço: Já falastes com ele?
: Aí é que está o busílis da questão! Não sabe como é a Guarda? Ele pode levar a mal e mandar-nos para o xelindró!
José Lourenço: Não é caso para isso! Se ele fosse má pessoa, estou certo de que o Manuel da Silva não o queria para genro.
João: Ó sr. José Lourenço, estou cá com uma ideia que talvez resulte.
José Lourenço: O que é que vai sair dessa cabecinha?
João: O senhor podia fazer-nos uns versos à maneira e era pinga certa!
José Lourenço (sorrindo): Não está mal visto, não senhor! Lá para quinta ou sexta venham a minha casa e pode ser que eu já tenha alguma coisa!
Tó, João e Zé (contentes e agradecidos): Obrigado, sr. José Lourenço, não faltaremos!
José Lourenço: Adeus, rapazes.


Ato 2
José Lourenço (conversando consigo próprio): Ora vamos lá ver se desenrasco aqueles mariolas. (vai escrevendo e dizendo em voz alta). Primeiro, apresentam-se como na tropa. Albarda-se o burro à moda do dono:

Meu capitão, dai-nos licença,
para que a rapaziada exponha
em carta, por ter vergonha,
de vir à sua presença?

Agora têm de explicar o costume de pagar o vinho:

São costumes pertinazes,
quando um estranho aqui vem
A pedir a filha à mãe,
ter de dar vinho aos rapazes.

E, para não falhar, puxamos pelos galões do senhor Capitão:

Por isso, meu capitão,
vede lá como há de ser.
Se esse uso tem de morrer,
que não seja em vossas mãos!

José Lourenço continua a escrever, falando em voz baixa. Entretanto, surgem os rapazes.
José Lourenço (entregando-lhe um papel): Aqui está o que me pediram. Penso que está garantido!
TÓ, João e Zé (muito contentes): Muito obrigado, sr. José Lourenço, que Deus lhe pague!
Os rapazes afastam-se e o João lê:
João:
Não deixeis de acontentar
os rapazes, por favor,
para que Deus Nosso Senhor
abençoe o vosso lar.

: Muito boa, essa foi bem metida!
João (continuando a ler):

Se formos atendidos,
como todos esperamos,
desde já nos confessamos
altamente agradecidos.

: O sr. José Lourenço é um mestre!
: Cuidado, não amachuques o papel! Lavaste as mãos?
João: Eu amachuco-te mas é as trombas. Julgas que sou algum porquinho como tu?
: Calem-se e vamos arranjar um envelope para meter os versos. Aqui o sr. Chico Tavares deve ter.


Ato 3
Os rapazes destapam-se e entram na mercearia do sr. Manuel da Silva. O João fala, tímido, com respeito:
João: Boa tarde, sr. Manuel da Silva. A sua filha Mariazinha anda a namorar o sr. Capitão da Guarda. Como é costume cá na terra, vimos pedir o vinho. Faça-nos o favor de entregar o pedido ao sr. Capitão, quando ele cá tornar.
Manuel da Silva: Fiquem descansados que o recado será entregue.
Tó, João e Zé: Muito obrigado.
Os rapazes saem da mercearia e entram pela porta interna, vindas de casa, a esposa e a filha.
Manuel da Silva: Mariazinha, os rapazes cá da terra entregaram-me uma carta a pedir o vinho ao sr. Capitão!
Mariazinha: Olha os atrevidos! Não preciso de autorização deles para namorar quem eu quiser!
Manuel da Silva: Mas é costume, filha. Os rapazes de fora devem pagar o vinho aos rapazes da terra. É uma maneira de criar laços entre pessoas que não se conhecem.
Mariazinha: Mas nós nem vamos ficar a viver cá. Não precisamos desses sagorros para nada!
Mãe: Precisamos de nos dar bem com toda a gente, filha. E até fazemos muito gosto em pagar o vinho aos rapazes da terra. Nem é preciso incomodar o teu noivo!
Manuel da Silva: Eu concordo contigo. Vou tratar disso.
Mariazinha: Não julguem que me importo que lhes paguem o vinho! Mas, pai, mostra-nos a carta, quero ver o descaramento deles.
Mariazinha (o pai entrega-lhe a carta e ela exclama, admirada): Em verso?! (Depois lê, primeiro em voz baixa e depois para a família)

Se formos atendidos,
como todos esperamos,
desde já nos confessamos
altamente agradecidos.

Mãe: Ora vês? Muito educadinhos!
Mariazinha (continuando):

Aí vai por comissão,
João de Deus, bom rapaz.
Se boas novas nos traz,
recebe um chi coração!

Mãe: Que bonito! E não falta uma pitada de humor! Mariazinha, és uma rapariga de sorte. Até pediram o vinho ao teu namorado, em verso.
Mariazinha: O poema está muito bonito. Mas quem o terá escrito? Não é fácil escrever em verso tão bem!
Manuel da Silva: Isto é coisa do Zé Lourenço. Ele faz muitos versos e os rapazes costumam pedir-lhe, pelo São João ou quando vão às sortes.


Ato 4
Os três rapazes entram a cantar e meio tocados, com um cântaro na mão que vão dando a beber a todas as pessoas que encontram (o público).
: Vivam a Mariazinha e o sr. Capitão!
: Viva o sr. Manuel da Silva!
João: Vivam os versos do sr. José Lourenço!
Tó e Zé (abraçados e levantando o cântaro no ar): Viva o tintol do Arrebotes!


FIM


José Teodoro Prata

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Amor com História

Hoje venho contar-vos uma história de amor, não de Pedro e Inês, mas de Fernando e Joana.
O príncipe D. Fernando era o 3.º filho varão do rei D. Sancho I. Quando o pai morreu, partiu à aventura e fixou-se na Flandres, onde vivia a sua tia Teresa, filha de D. Afonso Henriques.
Fernando era um homem belo, de cabelo muito escuro, olhos meigos e tão alto que lhe chamavam o Gigante. Por isso foi-lhe fácil cativar a herdeira do condado da Flandres, chamada Joana. Casaram em Paris, com a benção do rei de França, de quem a condessa Joana dependia.
Os condes viveram alguns anos de felicidade, mas o rei de França exigiu-lhes o seu apoio para a guerra que travava com a Inglaterra, a Guerra dos Cem Anos. Fernando aproveitou a ocasião para pedir ao rei a devolução de alguns castelos que tinham sido obrigados a entregar-lhe aquando do casamento.
As negociações fracassaram e Fernando aliou-se aos ingleses. Mas na batalha de Bouvines os ingleses foram derrotados e Fernando aprisionado e levado de carroça, com grilhetas nas mãos e nos pés, até Paris.
Os rogos de Joana evitaram-lhe a morte, mas não a prisão perpétua nos calabouços do palácio do Louvre.
Passaram-se 12 anos e a condessa Joana desesperava, pois tinha de gerar um herdeiro para o condado. Por isso anulou casamento com Fernando, a fim de casar com o duque da Bretanha. Mas a aliança entre a Flandres e a Bretanha não convinha nada ao rei de França, que preferiu libertar Fernando.
Joana e Fernando voltaram a viver o seu amor e, a 12 de abril de 1226, os sinos das igrejas repicaram de novo pelos condes da Flandres.

José Teodoro Prata

domingo, 10 de fevereiro de 2019

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

A Primavera


A primavera “primo vere”, é a estação do renascimento, das flores, toda a terra se cobre com um manto novo.
Nossos avós e pais não simpatizavam muito com a primavera; estação da fome, diziam.
Em certa medida tinham razão.
Assim que chega o outono as folhas das árvores caducas começam a amarelecer; antes de caírem que beleza aquela natureza morta.
Depois, bem depois vem o “general” hibernum.
Criador concedeu à Natureza plenos poderes para proteger as plantas, vejamos; se não despissem as folhas coitadas das árvores, o vento ao passar se encontrasse um obstáculo derrubava-o; a neve mansamente, sem fazer alarido, acumulava-se na folhagem, esta não aguentava a carga e esnocavam-se as pernadas…
A Mãe Natureza para obviar estes problemas resolveu a situação despindo-as o vento passa sem fazer grandes estragos o peso da neve não é tão grande.
-Ano de nevão, ano de pão; diziam nossos antepassados; mas também tinham medo da neve.
Quando havia grandes nevões; oliveiras, pinheiros e tantas árvores de folha perene partiam, uma dor de alma.
Quem não gosta de se aquecer a uma lareira ouvindo a água da chuva! Eu gosto.
Um provérbio judaico diz o seguinte: “Para o ignorante a velhice é o inverno, mas para o instruído é a estação da colheita”.
Pura verdade.
Ao longo da minha vida sempre me pautei por ouvir os velhinhos, analfabetos ou letrados são uma biblioteca muito rica.
Há insensatos que o inverno não moldou, mas vale mais um jovem pobre e sábio, que um rei velho mas insensato- Eclesiastes.
Não tenhamos medo do inverno, as amendoeiras florescerão, os passarinhos regressarão e tudo se renovará com a chegada da primavera.
O campo depois do tempo invernal surge coberto de flores de todas as cores e matizes.
É uma estação muito alegre a primavera, logo pela manhã cantam maviosamente os rouxinóis, os melros, o cuco, a poupa, a rola… as plantas como que por magia vestem uma nova roupagem, mas…
-Não há nada que se coma!
-Laranjas…
Tempo de semear, plantar, para mais tarde se recolher.
Antes de terminar cito uma quadra que se encontra na parede junto ao portão que dá acesso à casa da Dona Joaninha, actualmente propriedade do “capador”.

Pedi a Deus um conselho
Para encontrar a alegria
Deus voltou-se para mim e disse
Trabalha, semeia e cria           
Passem muito bem.

J.M.S

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Amendoeiras em flor

Apesar do frio, chegou o seu tempo e a amendoeira floriu.
Começou, na nossa Gardunha (em todo o lado) o festival anual das cores.

José Teodoro Prata