quarta-feira, 17 de junho de 2015

Benzedeiras, curandeiras e defumadoras



O mundo do sobrenatural sempre acompanhou o homem. Tudo era mistério: trovões, escuridão, sol... O mundo tinha forças obscuras que eram
respeitadas, temidas.
No Império Romano com a conversão de Constantino ao Cristianismo, o
paganismo foi substituído, mas nunca se conseguiram apagar os
ritos pagãos. A grande maioria da população, nomeadamente europeia, permanecia muito ligada aos deuses antigos.
Alguns desses deuses eram representados com cornos, símbolos da
fertilidade, outras vezes rabos e patas de animais que representavam a caça (Pã...).
À medida que o Catolicismo ia crescendo, os chefes cristãos foram
transformando as festividades pagãs: o nascimento do deus sol deu origem ao natal cristão; a festa de samhaim que recordava os mortos, passou a ser o dia de finados...
Mas muitos sacerdotes dos antigos cultos mantiveram-se fiéis aos seus
deuses e passaram a chamar-se bruxos e bruxas.
No tempo da Inquisição, milhares dessas pessoas foram queimadas vivas
ou enforcadas. Nesses tempos, segundo a Igreja, a bruxaria estava conotada com satanás a adoração a Satanás. Tudo aquilo que acontecia de mal ao homem era resultado  das bruxarias, por isso tinham que ser exterminadas, queimadas.
As bruxas eram más, dançavam em clareiras (Cruz da Oles, Fonte da
Portela, encruzilhadas...) durante a noite. O mafarrico era a personagem central. Eram mulheres jovens, belas, invejadas. Estas práticas foram passando de familiares para familiares (benzedeiras, curandeiras, parteiras...).
A palavra pagão vem do latim pagini ou paganos, que quer dizer terra
ou habitante local, camponês. Eram pessoas que viviam no campo, seres inferiores em relação aos da cidade, Os moradores das cidades viam neles pessoas rudes, fortes, arroteadoras de terras, como sendo gente má. Para os urbanos, esses seres barbudos, com rituais estranhos, esquisitos, tinham contactos com o chifrudo.
A mulher não era digna de pensar, quando pensava, era só no mal.
Velhas que vivessem sozinhas, rodeadas de animais, nomeadamente gatos, eram feiticeiras (os gatos estavam associados às bruxarias).
Sendo assim, essas mulheres velhas, feias, narigudas, mal-encaradas, comiam criancinhas, (as mães quando queriam assustar os filhos diziam:
- Se não te portares bem, se não comeres a sopa toda, vem a bruxa má e leva-te!
A sabedoria pagã era passada oralmente entre pessoas da mesma família
ou entre vizinhos. Há por aí benzedeiras(os), curandeiras(os) e defumadoras(os) com suas rezas e práticas ancestrais que continuam uma tradição com origem na Pré-História.
Uma senhora da vila contou-me o seguinte:
«Era o mês de Setembro, anos sessenta do passado século, segunda-feira,
dia do Senhor Santo Cristo, praça repleta. O arraial animado, no coreto
a banda tocava mais uma marcha ao comando da batuta do mestre Joaquim
dos Santos, a quermesse estava rodeada de gente ávida para comprar uma
garrafa de vinho licoroso (lágrima de Cristo, Porto...).
Um casal divertia-se, junto deles os filhos, em casa, no berço ficou a
cria mais pequenina, (seis mesinhos apenas). Disse a mulher para o marido:
- Vou a nossa casa ver como está a menina, volto já.
Não moravam longe da praça. Meteu a chave na fechadura da porta, mas não abriu, empurrou...
- Foram aqueles malandros que meteram canas de foguetes atrás da porta e não abre. Damonhos!
Meteu a mão numa fisga e lá conseguiu abrir a porta. Ao fundo das escadas, estava a menina deitada. Ficou petrificada. Como foi possível? Só podia ser obra de alguma bruxa!
Ao lado encontrava-se a furda do porco. Se ele abrisse a cravelha com
fazia às vezes...
Como se demorava, foram ver o que se passava. Ficaram todos espantados.»
A bruxa só podia ter entrado pelo buraco da fechadura, disse-me ela
com convicção e certeza. (Essa menina é a senhora que me contou este
episódio que se passou nos meados dos anos sessenta, tinha seis meses).
A avó desta senhora tinha uma porca que andava prenha. Um dado dia, os
porquinhos nasceram. Entretanto, encontrou uma vizinha que tinha fama
de bruxa. Mesmo assim disse-lhe.
- Ó Maria, hás de ir à minha casa ver uns porquinhos tão lindos que lá tenho.
- Não vou...
Ela insistiu e a vizinha foi.
- Tens uns lindos animais!
Os bacorinhos a partir dessa altura começaram a definhar, deixaram de mamar. Sabem qual foi o resultado? Morreram todos.»

J.M.S.

3 comentários:

Ernesto Hipólito disse...

Ó Zé Barroso, esqueceste-te do Cireneu!!!

E também da Barqueira
Capador
Caçolada
Do Aires
Do Carvão
Da Lusitana
Guarda rios
Leitôa
Manuel das onze horas
Maria do Ninho
Mouca
Mudo
Mulher homem
Nico
Pata galhana
Puto homem
Rolinha
Sacristôa
Sagorro
Ti Dominguinhos
Tira
Toninho Lourenço ( António Lourenço de Azevedo)
Zé Raimundo
Zé do Telhado

É bom vocês irem logo acrescentando à lista pois assim não se corre o perigo de repetir.No entanto alguma coisa pode escapar.
Já gostava de ver a obra finalizada!

E.H.

Anônimo disse...

Delicio-me com estas histórias, mas fico quase sempre a pensar como elas revelam o atraso em que vivemos até há tão pouco tempo (esta, pelos vistos, passou-se há cinquenta anos, mas até parece que foi há vários séculos). E estas crenças eram bem genuínas e bastante generalizadas.
Ainda ontem, no Lar da Santa Casa, entrou uma visita, grávida de fim de tempo, vestida com uma camisa estampada com a cara duma mulher. Uma das utentes ficou muito perturbada, levantou-se e disse:
- Ai, menina, vá-se embora e tire essa camisa, que o seu menino ainda vem com essa carantonha no corpo.
- Não se preocupe, que a gente agora já não liga muito a essas coisas…
- Não liguem, não. Olhe que lá na minha terra nasceu um cachopinho com o lábio rachado, porque a mãe andava sempre com a chave de casa pendurada à cintura…

M. L. Ferreira

José Teodoro Prata disse...

Na casa dos meus pais, éramos pouco dados a estas crenças. O meu pai não ligava nada a isto e alguma tentativas da minha mãe para resolver problemas domésticos por esta via foram sempre fracassos, certamente por ela não ter muita fé, à partida dividida entre a razão e a crença (quando se tem fé, até os fracassos são vitórias).
Por isso este campo é-me tão desconhecido, embora sinta imensa curiosidade intelectual por ele, como representativo de um estádio civilizacional primitivo que entrou, em força, pelos nossos dias a dentro, misturando o que há de mais moderno e racional com as crenças mais primitivas da humanidade.
Há gente a ganhar muito dinheiro com isto e pessoas que não dispensam estas crenças, no seu dia a dia, mesmo pagando-as.