domingo, 27 de setembro de 2015

Os avós

Papel dos avós
Eu só já conheci um avô, o avô materno João Hipólito, homem bondoso e bem- humorado, sapateiro e sacristão. Em contrapartida, ainda conheci ambas as avós durante bastante tempo. A avó paterna ou avó Zefa, viúva havia muitos anos, tratávamo-la por avó do casal, porque vivia no Casal da Fraga. Vinha bastante a nossa casa, porque gostava de falar com o meu pai e ia à horta que tinha junto da ribeira e perto de nós. Chegou quase a centenária.
Os avós da vila - o avô João e a avó Iria - moravam mais longe de nós, no Cimo de Vila e, por isso, vinham menos a nossa casa. Em contrapartida, íamos nós muito a casa deles, quando íamos à missa ao domingo e à escola durante a semana. Tratavam-nos muito bem e tinham sempre uns miminhos para nós.
Estes avós eram vizinhos de porta e amigos do Pe. Tomás da Conceição Ramalho, pároco, no uso local, vigário de São Vicente da Beira, de quem o avô João foi largos anos sacristão. Era na casa deles que mais se falava da hipótese de eu ir para o Seminário, quer dizer, para o Seminário do Fundão, onde tinha andado o meu tio Ernesto, único irmão homem vivo da minha mãe. Os tios Arnaldo e José, irmãos deles, que não cheguei a conhecer, tinham morrido novos embora já adultos, vítimas da pneumónica que, em São Vicente da Beira, fez inúmeras vítimas. Houve famílias que desapareceram inteiramente, vitimadas por essa doença.
(Capítulo II, Semana do meu pai)
(…)
Férias de verão de 1954; a despedida
As férias de verão de 1954 tiveram um cunho especial. Por um lado, foram as últimas antes da nossa partida para Roma, por outro, no meu caso, ficaram tristemente marcadas pela morte repentina do meu avô materno e padrinho de batismo João Hipólito, no início de setembro.
A triste notícia surpreendeu-me na sacristia da Igreja Matriz de São Vicente da Beira, quando me preparava para assistir à missa em que ele, anterior sacristão, também costumava participar.
Corri imediatamente para a casa dele e viu-o já agonizante: uma imagem que nunca mais me deixou. Já não fui à missa e corri depressa ao Casalito, a avisar os meus pais.
Passei o resto do dia em estado de choque e aconteceu-me uma coisa que ainda hoje mexe comigo: não consegui ir ao funeral do meu avô João Hipólito, de quem tanto gostava! Assisti sozinho, de longe, dum lugar donde se avistava o cemitério e se viam as pessoas lá dentro…
Poucos dias depois, despedi-me da terra, dos parentes e conhecidos e segui para Fátima, para o retiro da tomada de hábito.
(Capítulo V, Ida para o Seminário de Guimarães)

José Hipólito Jerónimo, O Zé do Casalito, Autobiografia, Missionários do Verbo Divino, Junho de 2014

José Teodoro Prata

2 comentários:

José Teodoro Prata disse...

Tanto temos escrito sobre a triste condição das crianças abandonadas na roda, mas a história dos avós maternos do Pe. José Hipólito Jerónimo é um caso feliz.
Os pais de João Hipólito de Jesus, Antonio Hipólito de Jesus e Maria Amália, criaram uma menina enjeitada, deram-me o seu apelido de família, Iria DE JESUS, e casaram-na com os seu próprio filho, João Hipólito de Jesus.
O casal viveu na casa imediatamente a seguir à do Pe. Tomás, na Rua da Cruz, onde João Hipólito tinha a sua oficina de sapateiro e o Pe. Jerónimo, ainda menino, os visitava.

Anônimo disse...

Relatos simples, mas bem significativos da importância do papel dos avós na família, sobretudo quando falamos de afetos e mimos.
As memórias mais doces que guardo da minha infância estão quase sempre ligadas aos meus avós, e tenho muita pena que os meus filhos não tenham tido a sorte que eu tive!
Bem sei que os tempos são outros e há situações em que é inevitável, mas às vezes quase parece que se tornou moda meter os avós num “Lar” como se isso significasse alguma evolução social e se traduzisse na melhoria das condições de vida das pessoas mais velhas. Se calhar nem sempre é assim, e estamos é a esquecer os valores fundamentais que fizeram da família um dos pilares fundamentais da sociedade.
Em Espanha chamam “Residência de Maiores” às instituições que acolhem as pessoas mais velhas. Acho o nome de uma grande dignidade e oxalá, na prática, ele se traduza naquilo que significa.
M. L. Ferreira