quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Véspera do São Martinho

No tempo dos meus Avós e Pais era tradição na véspera de São Martinho ir tocar chocalhos à porta dos Senhores mais abastados da Vila, para que eles dessem um copo do seu vinho novo.
Poucos eram os que acediam ao toque dos chocalhos e aos pedidos dos Vicentinos mais novos, que não tinham outras opções senão ir saciar a sede à Fonte Velha ou, se tivessem alguns tostões no bolso, irem beber o copo de vinho a uma das tabernas existentes na Vila.

Anos mais tarde…
Eu, criança e jovem e os meus Pais, mantínhamos a tradição de ir tocar os chocalhos.
À noite depois do jantar, íamos tocar o chocalho à porta dos familiares mais próximos.
Éramos recebidos com enorme alegria e convidados a entrar para provarmos o vinho novo acabadinho de sair do pipo, a doce jeropiga, as castanhas cozidas ou assadas, as passas de figo, o pão e os bolos caseiros, o queijo fresco e a chouriça assada na brasa.
O serão era passado à lareira, contando histórias de outros tempos e “viveres” do dia-a-dia.
Aos poucos o sono ia chegando e era enorme o meu esforço para manter os olhos abertos e regressar a casa pelo meu próprio pé.
Regressávamos já noite alta, com o ar fresco da Gardunha a tocar-nos o rosto e a promessa: o próximo serão familiar seria nas Janeiras.
E voltávamos e visitávamo-nos, sempre.
Mas os anos passaram e a vida com as suas leis mais duras e os seus percursos mais dolorosos fez com que partissem os familiares de tantos momentos felizes.

Hoje é véspera de São Martinho e não sei se algum Vicentino mantém a tradição de ir tocar os chocalhos.
Por mim, estou em silêncio no meu cantinho e volto atrás no tempo…
Guardo em mim o som do toque do meu chocalho e no coração as memórias e as saudades do tempo que não volta atrás.
Tempo de criança, tempo de alegria, de convívio e de partilha.
Tempo…
Tempo que foi e é meu.


Luzita
10/Novembro/2012

3 comentários:

Anônimo disse...

Lindo! Poético! Nostálgico!
A nossa vida antigamente seguia as normas do calendário litúrgico. O civil era apenas para as coisas oficiais. Portanto, passava-se a vida a comemorar acontecimentos religiosos e eventos pagãos cristianizados. Mas era bonito!
Só que o tempo não perdoa e vai-nos levando os nossos ente-queridos e conterrâneos em geral, sem dó nem piedade! Hoje (é apenas um exemplo), o Reconquista noticiava a morte de uma filha do Sr. Manuel da Silva, que foi casada com o Coronel Guardado Moreira. Paz à alma de mais esta vicentina.
Abraços.
ZB

Anônimo disse...

É assim, o tempo: passado, presente e futuro. E é a capacidade que temos de nos irmos equilibrando nestes vários tempos, que nos permite continuar a viver, apesar das saudades.
Lindo, como sempre! Pelas memórias, pela esperança e pela poesia.

M. L. Ferreira

José Teodoro Prata disse...

Mais uma das nossas tradições que eu desconhecia.
Bonito ir pedir o vinho ao som dos chocalhos...