sábado, 20 de abril de 2019

Boas Festas

O Pe. José Cortes é um missionário do Verbo Divino. Nasceu em Janeiro de Cima (foi batizado pelo Pe. Branco) e trabalha há dezenas de anos na Amazónia, Brasil.
O texto que se segue é de sua autoria. Nele descreve as memórias que guarda das Boas Festas na sua terra natal (tão iguais às nossas).


 Páscoa
O dia amanhecia com aquele ar de festa: casa lavada e cheirando a lixívia e sala arrumada. Aquela sala da casa que a gente até esquecia que existia, e que sempre estava arrumada. Quando sobrava algum dinheiro se compravam aquelas mobílias de século, cadeirões altos, planta de interior, pratos de faiança e talheres que nunca se usavam.  Ali reinava a ordem e o silêncio.
Mas naquele dia a mesa da sala era coberta pela toalha branca, o Senhor era colocado sobre ela, assim como os copos, as faianças, os doces, as amêndoas, o vinho do Porto... Vestia-se a roupa das festas e se olhava a escada e a porta da casa. Ali estavam os fetos a embelezar a entrada e a escadaria. Tudo pronto.
- Olha já tocou à segunda, depressa. Daqui a pouco toca a última e ainda não estão arrumados? Depressa. O senhor Prior já passou e o Tia Preciosa já deve estar a acabar o terço. Vai começar a missa. É sempre a mesma coisa. Depressa...
E assim começava aquele dia fantástico, o dia das Boas Festas, o dia das amêndoas, o dia de correr a saquita. A alegria da canalha.
E logo depois da missa lá estava a canalha preparada para o longo dia, a longa caminhada pela terra. O senhor Prior levava o SENHOR a beijar de casa em casa. Subia a escada muito afogueado, logo seguido pelo sacristão que levava a cruz com sua opa branca. Chegados na sala, com toda a família perfilada, o Prior proferia em voz alta:
- O Senhor.
E a família perfilada e em uma só voz respondia:
- Aleluia, Aleluia, Aleluia!
Aí vinham os cumprimentos o copito, o doce, a febra... Se a família era daquelas tradicionais o Prior ficava mais um pouco, se não, ala, que a aldeia é grande... Ainda temos muito que percorrer. Mas não se saía sem antes o sacristão, baixinho e ladino, arrebanhar o envelope ou o açafate com a oferta para o Prior.
Na casa os da família: pais, avós, tios, primos, cunhados, irmãos, compadres... Era uma obrigação. Lá fora, a canalha na expectativa. Mal saía o Senhor da casa esperavam-se as amêndoas e os rebuçados de meio tostão serem lançados  e todos ao sarrabulho.
No entanto, a contenda era desigual, porque logo chegava o Zequinha com o seu grande chapéu de chuva, que ele abria ao contrário e aparava a maioria das mãos cheias que voavam pelo ar. A balbúrdia se instalava e às vezes uma pequena bulha, que logo terminava, porque o Senhor já ia longe e outras casas havia para visitar.
O sino continuava a tocar na torre, lembrando que era dia de festa, dia de Beijar o Senhor, dia de visitar as famílias, dia das amêndoas dos afilhados.
Com o passar das horas, os passos estavam cada vez menos firmes e já se vislumbravam indícios de princípio de bêbada em alguns acompanhantes do Senhor. Às vezes até o senhor Prior já estava meio quentote.  Mas tudo era festa e alegria. Afinal o Senhor Ressuscitou Aleluia, Aleluia, Aleluia. O sepulcro está vazio, Aleluia! E essa mensagem a temos que levar a todas as famílias e a todas as casas, porque a VIDA VENCE A MORTE.
Feliz Páscoa a todos.

José Teodoro Prata

Um comentário:

M. L. Ferreira disse...

Esta história podia, de facto,ser escrita por qualquer um de nós. Quando penso na Páscoa da minha infância e juventude, são imagens com estas que me vêm à memória. São também os bolos de azeite, o cheiro a cal, os tachos e panelas a reluzir na cantareira enfeitada com recortes de jornal.
Atualmente já pouco resta destes rituais,mas, apesar doutras solicitaçoes, parece que muita gente ainda espera por estes dias para regressar à terra e passar a Páscoa em família.