A estrutura do edifício está pronta. A telha é castanho escuro a intervalar com castanho avermelhado, a imitar o telhado das casas velhas que ali existiam. Em Julho, aquando da festa da banda, a sede estará concluída.
Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
domingo, 17 de fevereiro de 2013
sábado, 16 de fevereiro de 2013
O nosso falar: acompanhar
Mandara lavrar a terra, no Ribeiro D. Bento, e hoje andei a acompanhar.
Peguei tarde e larguei cedo, mas venho todo partido, cansado como uma raposa.
Acompanhar é cavar. E, como se costuma dizer, cavar só à frente da polícia.
Acompanhar é cavar, em volta das árvores, o pedacinho que fica por lavrar junto aos troncos. Diz-se acompanhar, porque o cavador acompanhava a lavra. Normalmente, no final do dia, estava tudo feito (lavra e cava) e por vezes até semeado.
Acompanhar é cavar, em volta das árvores, o pedacinho que fica por lavrar junto aos troncos. Diz-se acompanhar, porque o cavador acompanhava a lavra. Normalmente, no final do dia, estava tudo feito (lavra e cava) e por vezes até semeado.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
Património religioso
José Teodoro Prata
Nas Jornadas do Património, realizadas em S. Vicente da Beira, a 11 de novembro de 2012, esteve presente um técnico multimédia que filmou e depois colocou na internet.
Este é um dos vídeos. Não está completo e faltam-lhe legendas de identificação e de localização, mas é bonito!
O logotipo é das Aldeias Históricas de Portugal, a associação que promoveu as nossas jornadas.
domingo, 10 de fevereiro de 2013
À nossa ribeira
A . dos Santos
RIBEIRA DA MINHA TERRA
Ah! Ribeira de São Vicente,
Como te percorri o ventre,
Púbere,
Serrano,
Da nascente.
Era eu ainda uma criança!
Como te calcorreei as fráguas,
Da montanha escarpada,
Úbere,
De onde brotas todo o ano,
Na Senhora da Orada.
Era ainda a vida uma esperança!
Como sei dos sobressaltos,
Das tuas águas,
Que descem,
Por entre as rochas, ali,
No teu leito,
Beijando os salgueiros altos,
Que crescem,
Nas orlas da tua amurada,
Debruçados sobre ti,
A espreitar-te o peito.
Quando te ouço e vejo,
Bruxuleando,
reluzente,
Num saltitar de sonoridade,
A caminho do longínquo Tejo,
Como quem te contempla à distância,
À luz do sol poente,
De carmim,
Invejo-te a juventude e a idade,
Porque renasces incessantemente,
E és sempre nova.
Ao passo que, a mim,
Já se me foi a infância,
E a vida não se me renova.
Brinquei no teu seio,
Descalço, calça arregaçada,
Na intimidade da tua frescura,
P’lo meio dos feixes
De juncos,
Procurando em ti, de uma assentada,
Inexoravelmente,
Entre os espinhos das silvas, como facas,
A tua ternura,
E os teus peixes,
Ambos escondidos, secretamente,
No secretismo das tuas lapas.
Carregado de candura,
Despreocupada, imensa,
Andei, na minha meninice,
A apanhar-te as borboletas e as libelinhas,
Que ziguezagueavam, entre as tuas flores,
E verdura,
Asinhas,
Que vi, como se ainda agora as visse,
Em recortes de luz intensa,
De mil cores.
E também os gafanhotos, que punha, como isco,
No anzol de alfinete dobrado,
Atado na ponta da linha de coser branca,
Que, arisco,
Surripiava do açafate de costura de minha mãe.
Artimanha desusada,
(Que ninguém,
Com juízo, atamanca),
Procurando pescar-te o fruto prateado,
Nessa armadilha caseira, improvisada,
Ingeri-te o corpo e a alma,
Nas tuas correntes puras,
Bebendo-te, sôfrego,
Em dias de grande calma.
Feri nas arestas das tuas pedras duras,
A pele nua.
Por isso,
Parte da tua água, é também o meu sangue.
Sobre uma laje tua,
Cheia de limo e musgo, escorregadia,
Que a sombra de alguma figueira,
Às vezes já com um laivo outoniço,
Plantada na tua fímbria,
Protegia,
Me deitava, cansado de andar, exangue,
E adormecia.
Como vi e ouvi as bravas mulheres da Vila,
A vida cheia de fé,
A lavar a roupa nos açudes das tuas claras águas,
Que a areia térrea da tua profundeza filtrava,
A cantar, para sufocar as mágoas,
Ou para
embalar,
O seu menino dentro da trouxa,
Na relva, ali ao pé.
E estendê-la, a corar,
Na erva,
sempre verde, da tua margem,
Onde a água não chegava.
E ainda distingo, na memória,
As pequenas figuras,
Como quando de longe as avistava,
Na refração da luz,
Violeta de ametista,
A diluírem-se nas lonjuras,
Como num quadro, uma paisagem,
De um pintor impressionista.
Como me regalava, no verão,
Banhando-me na forte torrente,
Das tuas cachoeiras refrescantes,
Em completa comunhão,
Contigo!
Ricos instantes,
Que guardo num registo antigo,
Quase da idade,
Do meu coração.
Como eu te amo, Ribeira de S. Vicente!
Mas dessa afetividade,
Desse amor,
Apenas me dei conta recentemente.
Amava-te sem saber,
Como quem possui um objeto e não lhe dá valor.
Mas, agora, vou amar-te,
Incondicionalmente,
Até morrer.
E tu, atraindo outros universos,
De outras gerações,
De vicentinos,
Como um feitiço,
Inspirando outros versos,
Outras canções,
Prosseguirás bela, impassivelmente,
Decerto, marcando os seus destinos,
Como musa, já se vê, não como enguiço,
Até sempre, perenemente.
Amar-te,
Incondicionalmente,
Sim,
Até morrer.
Mas, eu morro,
E tu, Ribeira,
Ah! Tu continuarás a correr!
sábado, 9 de fevereiro de 2013
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
Parabéns avó
Margarida Gramunha
Vejo-a através da porta, sentada em frente à janela a costurar na sua
máquina muito antiga, enquanto conversa com a minha mãe. Fazia belas almofadas
e pegas de restos de tecidos. Tenho-as aqui em casa a uso, pois foram
religiosamente guardadas no meu enxoval.
Ouço as pancadas do cabo da vassoura a decretar a alvorada, ainda de
noite, quando os trabalhos agrícolas assim o exigiam. Ao chegarmos à cozinha,
terrivelmente ensonados e maldizendo a nossa sorte, já o pequeno-almoço
esperava por nós e dele fazia sempre parte o delicioso pão amassado por tão sábias
mãos.
Durante alguns anos, ainda nos acompanhava à serra, onde orientava os
trabalhos e cozia tabuleiros de bolos e de pão de trigo. Quando já não nos
acompanhava, prometia-nos um soldo a fim de que não esmorecêssemos sob a dureza
do sol escaldante na apanha da batata e na vindima ou sob o rigoroso inverno,
aquando da campanha da azeitona.
Tive o privilégio de assistir à matança do porco e à forma frenética
como andava de um lado para o outro a trabalhar sem parar. Recordo os enchidos
pendurados na cozinha e o chá de orégãos que bebíamos à lareira para combater a
tosse.
As suas batatas cortadas grosseiramente e fritas em azeite, os seus
ovos estrelados numa frigideira de ferro muito pequenina e o seu molho de
tomate bem doce eram divinais.
Assim como as filhoses, as bicas, os borrachos e os esquecidos feitos
pelas suas mãos.
A máquina está parada no quarto há pelo menos uma década e há já muitos
anos que não consegue cozinhar como dantes. Mas o seu saber está já
salvaguardado na minha mãe e no meu tio.
A minha avó Maria dos Anjos Alves completa 90 anos, no dia 9 de
Fevereiro. É uma idade muito bonita e ainda mais para alguém que diz que está
quase a morrer há tantos anos. Embora já quase não se consiga deslocar, o que
faz com que não saia de casa, está muito lúcida e muito viva.
Ela tem tantas histórias para contar, sabe orações tão longas que
parecem mantras e foi com ela que aprendi a bicha coca, o santo António e a
Margarida vai à fonte.
Com todos os seus defeitos e virtudes, ela é maravilhosa.
Deus a conserve cá mais algum tempo para que eu possa recolher mais
alguma da sua sabedoria e memória.
sábado, 2 de fevereiro de 2013
A Preta
Francisco Barroso
O ser humano
pertence a uma espécie prodigiosa, disso não tenham dúvidas. A capacidade do
seu cérebro para criar associações de ideias e guardar memórias não se compara,
nem de perto nem de longe, com a de qualquer outra espécie à face da terra.
Vem a isto
propósito de um dia destes andar a dar uma vista de olhos neste nosso blog, que
o Zé Teodoro tem a bondade de manter e de reler o poema Gardunha, de um tal A. dos
Santos, que me leva sempre a pensar no Tó Mosca.
Isto, talvez por saber que o irmão Zé Manel, é um fazedor de versos de que alto
lá com ele. Versos esses que ainda não decidiu partilhar connosco, neste blog,
por exemplo, o que é de todo lamentável.
Ele que me
perdoe a revelação, (eu sei disto, porque ele é meu primo por afinidade) mas acho
que nós, que tanto tempo passamos a cortar na casaca uns dos outros, devíamos
inverter a tendência e dizer antes aquilo que as pessoas têm de bom, de realçar
os seus talentos (aqui para nós, que ninguém nos ouve: estou apenas a
candidatar-me a escrever os sermões do Pe. Manel, não acham?).
O certo é que
nesse poema se fala:.. da preta, a burra, presa pele trela…e
este simples trecho trouxe-me logo à ideia, a Preta, a burra fantástica do meu
avô Bernardo, que eu conheci em criança. Aliás, era mesmo fantástica, porque
forte como uma mula, elegante como uma égua e muito mansa.
E como é que
aparece uma burra assim? É isso que vamos ver. Há mais de 60 anos, havia uma
família cigana no Cimo de Vila, que morava numa casa que está hoje em ruínas,
que era a casa do Tonho Russo e portanto vizinhos do meu avô Bernardo.
Num Inverno
particularmente agreste, a vida não estaria a correr muito bem ao Chico Cigano que, com a casa cheia de filhos a
chiar de fome, lá se encheu de coragem e foi ao meu avô pedir um conto de réis
para relançar o negócio. Que lhe pagaria pelo S. Miguel. A minha avó Santa, a
entesar os olhos ao marido, para não ir na cantiga, mas o meu avô, que era um
homem mais de coração do que de razão, lá empresta o dinheiro ao Chico Cigano,
pensando que pior que perder o dinheiro seria ouvir os responsos da mulher.
Acontece que,
chegado o S. Miguel, o Chico bate à porta do meu avô, devolve o dinheiro e
diz-lhe: Ti Bernardo, para lhe agradecer
o favor, vou arranjar-lhe uma burrinha como o senhor nunca viu. E o certo é
que, algum tempo depois, a formidável burra aparece. Selecionada por um especialista de burros (como qualquer cigano da altura), com critérios mais
rigorosos do que os utilizados na inspecção, aquando da guerra no Ultramar, a
Preta tornou-se a burra mais prestigiada do cimo de Vila. O Zé e o Tó Passaraço que me desmintam, se não é
verdade.
E a gratidão da
família cigana não ficou por aqui. No Natal seguinte, a mulher do Chico bate à
porta da minha avó e diz-lhe: vizinha,
tenho aqui um presentinho para si. E dito isto, entrega-lhe uma filhó do
tamanho da caldeira, onde as fritava, que era a única maneira de ela as saber
fazer.
Recordo. Devia
ter os meus seis ou sete anos, quem é que aparece lá na Vila para passar uns
dias com os avós? Um primo meu e do Zé Barroso: o Bernardo, filho do “Ti 25” que morava em Azeitão. Sei que
passámos os três um dia de fim de Verão abrasador debaixo duma figueira de
lisboa branca (pingo mel) lá na serra e ao pardejar, quando o calor começava a
ceder, o meu avô aparelhou a Preta e com o Zé Barroso à frente, a comandar as
operações, por ser o mais velho, o Bernardo ao meio e eu atrás, começámos a
nossa aventura de viajar até à Vila, pela Cascalheira,
que sempre era um caminho melhor.
A técnica, por
causa do forte declive, era inclinarmo-nos todos para trás. Só relaxámos quando
chegámos aos Aldeões onde o caminho é
mais plano. Lá vínhamos nós felizes, como só as crianças o sabem ser, eis se
não quando, a Preta, que na altura já não era nada nova, tropeça numa pedra e
ajoelha subitamente ali ao pé dos Canavéis do Pe. Tomás.
O meu primo Zé,
apanhado desprevenido, voa-lhe por cima da cabeça e o Bernardo e eu, sem o seu
apoio, voámos logo atrás dele. Tirando umas esfoladelas, nada de grave. O resto
do caminho a pé. Que já estávamos perto. Fomos jantar à Ti Rosa, que já estava
em consultas com a demora.
Agora vejam como
tudo isto começou. Com um poema de alguém que nem sei quem é, que refere uma burra preta e, só por isso, me fez
reviver esta história que aqui partilhei convosco.
O nosso cérebro
é fantástico. É ou não é?
Janeiro de 2013.
Assinar:
Comentários (Atom)