quinta-feira, 16 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 5

Uma mulher do campo, chamada Joana, estava despedida dos médicos, por causa de uma grave doença, corriam os anos trinta deste século [XX].
O seu homem, que era pastor, ouviu falar dos milagres da Senhora da Orada e disse-lhe:
- Ó mulher, tu não tens fé na Senhora da Orada?
- Tenho. Mas, se calhar, ela não gosta de mim!
- Vamos lá, que ela é nossa Mãe e tem poderes.
A senhora Joana foi com o homem, acompanhados por outra mulher, até à capela, para pedirem à Senhora uma cura. Depois de rezarem e da mulher tomar banhos na fonte, queriam ir embora, porque o homem tinha que guardar o gado. A mulher do ermitão disse-lhes que era melhor a senhora Joana ficar para uma novena. Ficou na casa do ermitão e o homem voltou a trazer-lhe comida.
A senhora Joana fez as rezas e tomou banhos na fonte santa. A princípio, piorou, mas, depois, começou a melhorar e foi-se embora para a terra. Bebeu água da fonte muitas vezes por dia.
No ano seguinte, no dia da festa, a senhora Joana veio, numa carroça, com mais pessoas, a agradecer à Senhora da Orada o milagre que lhe fez, pois estava despedida dos médicos.

Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

quarta-feira, 15 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 4

Nos anos trinta deste século, um homem de nome António, do Juncal do Campo, encontrou-se surdo e pediu à Nossa Senhora da Orada para o curar.
Prometeu ir, a pé, do Juncal até à Senhora da Orada, durante nove domingos seguidos, uma novena aos domingos; ir de São Vicente e voltar, sem falar, somente, rezar; fazer o caminho, de joelhos, pelas pedras e pelo mato, desde a capela até à cruz, onde apareceu a Senhora, e da cruz até à fonte, onde acabava a reza e a penitência e se banhava.
No último domingo da novena, chegou à fonte e ficou de joelhos a rezar. Pôs a cabeça debaixo da bica, deixou correr sobre os ouvidos e começou a ouvir.
Todos os anos, até morrer, foi em romaria, no dia da festa, agradecer à Senhora da Orada que milagrosamente o curou.


Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

terça-feira, 14 de maio de 2013

A água da Senhora da Orada 3

Nos anos vinte, uma rapariga do campo encontrava-se paralítica há sete anos. Todos os anos ia com a família à Senhora da Orada pedir a cura. De lá, levavam água da fonte para banhar as pernas. Já desanimados, num ano passava-se o dia da festa e não foram à Senhora. Na hora do almoço, uma filha disse à mãe:
- Comemos primeiro ou vou levar a comida à doente?
- Comemos primeiro e depois vamos fazer-lhe companhia, enquanto ela come! - respondeu a mãe.
Quando comiam, o homem disse para a mulher:
- Fizemos mal não irmos à Senhora da Orada! É que tenho cá uma fé!
Quando o pai acabou de falar, a rapariga apareceu, na cozinha, curada. O pai gritou:
- Milagre da Senhora da Orada!

Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

segunda-feira, 13 de maio de 2013

A água da Senhora da Orada 2

Nos inícios do século (XX), um homem do Casal da Serra, trabalhador da Câmara de Castelo Branco, sentiu uma grande dor nos olhos. Foi para casa e quando ali chegou já via mal. Foi ao médico de São Vicente da Beira, que o mandou para o Fundão, a outro médico. A caminho do Fundão, passou pela Senhora da Orada, onde rezou, à porta da capela, para que a Senhora o curasse. Sempre acompanhado por um familiar, foi à fonte da Senhora da Orada, pôs a cabeça debaixo da bica, com a água a cair sobre a vista, durante um pedaço de tempo. A dor foi abrandando. Ao levantar a cabeça, limpou os olhos e recomeçou a ver e a dor desapareceu. Já não foi ao Fundão e contam o facto como um milagre da Nossa Senhora da Orada.

Informador: José de Matos (Casal da Serra)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina na Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

domingo, 12 de maio de 2013

A água da Senhora da Orada 1

Inicio hoje uma série de publicações que contam histórias de curas alcançadas graças à água da fonte da Senhora da Orada. A recolha foi de Albano Mendes de Matos (Casal da Serra), que a apresentou em 1998, nas Jornadas de Medicina da Beira Interior. No ano seguinte, o seu estudo foi publicado na revista Cadernos de Cultura, n.º 13, novembro de 1999.

Um rapaz de Pera do Moço, em Escalos de Cima, nos finais do século passado [século XIX], não podia comer. Ao querer engolir, engasgava-se e o caldo saía-lhe até pelo nariz. Como a Nossa Senhora da Orada tinha sido muito nomeada por aqueles sítios, a mãe levou-o num burro até à capela da Senhora, onde rezaram. O rapaz banhou-se nas águas correntes da fonte, as "águas vivas", e bebeu água, de vez em quando. Passados uns dias, o rapaz começou a comer de tudo e bem.

Informadora: Etelvina Teodoro (A ti Etelvina do Casal da Fraga)

José Teodoro Prata

sábado, 11 de maio de 2013

Sede da banda

Está quase. Qualquer dia tiram-lhe o vestido.


quarta-feira, 8 de maio de 2013

A cabeça de porco

Há umas semanas contei-vos a minha participação na arranca das semilhas, na Madeira. Hoje deixo-vos a narração da viagem para lá.

Passara um verão abrasador a remendar estradas, à manivela de uma caldeira de alcatrão a ferver. Naquela sexta-feira, dia 29 de setembro de 1979, pedi ao tio Chico Bernardino que me deixasse na Oriana, para despejar a presa do Calmão. Desci da camioneta e tinha a minha irmã Luzita à espera.
“Chegou uma carta da Madeira, tens de te apresentar na segunda-feira.”
Dei um grito do tamanho do mundo e atirei o saco da merenda o mais alto que consegui. Reguei o milho e fui para casa. Disse aos meus pais que tinha de partir no dia seguinte, na carreira da manhã. Tomei banho, ceei, preparei as coisas e ainda fui telefonar à minha namorada e despedir-me dos amigos.
Bem cedo, os meus pais deram-me o dinheiro que tinham e parti. De mala às costas, desci a quelha e depois as ruas da Vila, direito à paragem da camioneta. Em Castelo Branco, abracei a minha namorada, beijei-a e apanhei o comboio. Cheguei a Lisboa e fui ver as minhas irmãs. Depois, no aeroporto, tirei bilhete para o Funchal, com a mesma tranquilidade com que alguns portugueses, no século XVI, apanhavam a nau da carreira da Índia apenas com uma regueifa debaixo do braço, para uma viagem de seis meses.
O avião levantou voo. Vi Lisboa e depois o mar, cada vez mais fundo e escuro. A hospedeira explicava como fazer em caso de acidente e eu aflito, sem conseguir compreender tudo. Valeram-me as versões em inglês e francês, não que eu percebesse o que dizia, mas por umas tirava outras e assim esclareci as dúvidas que me tinham ficado. Ia junto à janela e olhei para fora. O mar era já um buraco negro. Se o avião caísse, ficava tudo desfeito e de nada valiam os coletes e o oxigénio. Como o que não tem remédio remediado está, recostei-me no assento e descansei.
O meu lugar ficava no fundo da fila de bancos, um espaço aberto, apenas com dois bancos, um de frente e outro de costas para a janela. No outro lugar sentava-se uma senhora meio velhota, cheia de sacos de plástico pelo chão. Contou-me que ia ver o filho, mecânico, a viver no Funchal. Eu também lhe disse ao que ia. Ofereci-me para a ajudar com os sacos, pois só tinha um, além da mala no porão. Ela agradeceu, mal podia com eles. No mais pesado levava uma cabeça de porco, para comer com o filho.
À chegada, era noite cerrada e o meu coração inquietou-se. No desconhecido, ainda vá lá, mas de noite… Apanharia um táxi para o Funchal e ele me arranjaria um hotel.
Aterrámos. Peguei nos sacos da senhora que no sítio das malas me apresentou o filho, a quem contou a minha ajuda com a cabeça de porco. Fez questão que ele me desse boleia para o Funchal e o meu coração, tão apertadinho, ficou um pouco maior.
Seguimos por uma estrada estreita e sinuosa. O filho tinha um bigode bem mais farto do que o meu e cabelo negro encaracolado. Era baixo e um pouco entroncado. Quis saber de onde era, eu próximo de Castelo Branco e ele o mesmo de Coimbra. No Funchal, não me largou sem ter onde ficar. Mas os hotéis estavam todos cheios e andámos mais de meia hora às voltas. Com pena dele, já me arrependia de ter aceite a boleia. Finalmente encontrou um hotel com vaga, caro, mas era o que havia.
Chamava-se EL GRECO. Dormi inquieto, acordei bem cedo e saí à procura do lugar de onde partiam as camionetas para a Serra d´Água. Estavam ali bem perto, junto ao mar, mas chamavam-se horários. A partida não tardou. Andei toda a manhã num sobe e desce, espantado com o condutor que parecia bêbado, no falar e nas maneiras, mas conduzia o autocarro com uma perícia que nunca antes vira.
As encostas eram verdes do mar aos cumes. Junto à água cresciam bananeiras, a meio da encosta havia canas-de-açúcar, mais acima as vinhas e no alto matagais. As casas salpicavam a paisagem e por elas parávamos constantemente. Não existiam ruas, apenas veredas de subir e descer ladeadas de vegetação.
Chegámos à Ribeira Brava e parámos quinze minutos: cargas, descargas, copos e partida. Alguns rapazes vieram à porta da taberna gritar ao motorista, voltaram para empinar o último copo e entraram com o horário já em movimento. A meio da Serra d´Água tive ordem de descida. Perguntei se era ali o Lombo do Moleiro, mas o lugar chamava-se Pomar e mandaram-me seguir a estrada até ao fundo do vale.
O sítio era o paraíso. A aldeia situava-se num beco sem saída, com encostas a pique em toda a volta, menos por onde eu entrara. No alto, havia um penhasco enorme, onde constantemente nascia um rio de nevoeiro que se derramava pela encosta e se sumia no manto verde. Passei a tarde a arranjar casa, aflito sem ter onde pernoitar. Aceitei o que me apareceu e, no dia seguinte, 1 de Outubro, segunda-feira, às 8 horas da manhã, estava à frente de trinta e seis crianças pequeninas. Chegara ao meu futuro.
Lombo do Moleiro, na Serra d´Água, Madeira. 
Na época, a povoação ficava num beco, mas hoje passa por lá a estrada que liga a Ribeira Brava a São Vicente (vertente sul e vertente norte), por um túnel que começa onde se veem as últimas casas.
A ribeira foi uma das que provocou as destruições e mortes de há anos. Um dia não parava de chover e ela começou a engrossar. Então as mães dos alunos foram à escola buscar os filhos, com medo que a ribeira transbordasse (a escola situava-se mesmo ao lado). Na altura achei um exagero, só aquando das últimas cheias é que compreendi.