quarta-feira, 16 de julho de 2014

Leitores



Um dos períodos mais bonitos da minha vida foi entre os seis e os dez anos de idade. Nessa  altura o meu Pai era o representante do jornal diário “O Século” e era eu quem o distribuía.
Foi um tempo de que eu me orgulho muito porque na nossa terra eram distribuídos diariamente vinte e quatro jornais,  sendo doze do Século e doze do Diário de Notícias, este representado pelo Sr. José Maria dos Santos. O Diário de Notícias foi distribuído durante algum tempo pelo Inácio Pereira dos Santos, pai da nossa Doutora Filipa, que nos acompanha nos nossos passeios pedestres.
A jornada começava às quatro e tal da tarde quando nós íamos para a estrada nova à espera da camioneta da carreira. Durante muitos anos era um autocarro muito velho a que nós chamávamos  “Farrancha Velha”,  que às cinco em ponto chegava à paragem e deixava, além dos passageiros, os dois maços de jornais. Este autocarro foi substituído por um outro muito moderno (para a época), que era conduzido pelo Sr. Lourenço.
Uma vez em que o autocarro novo teve que ir à revisão e nós estávamos à espera dele, vimos com um certo desalento chegar o antigo e o Inácio, aborrecido, exclamou:
- Olha, hoje é a farrencha!
Os leitores de “O Século“ eram o Sr. Doutor Alves, a G.N.R., o Sr. Coronel Barreiros, o Sr. Segurado da farmácia, a Dona Maria da Cunha Pignatelli,  a Dona Hália, o Sr. António Lino que morava na primeira casa do bairro e por último o Sr. Eduardo Cardoso. Havia também alguns ocasionais e outros que já não me lembro.
Para levar tudo de seguida, quando vinha da paragem, ia logo ao Sr. Doutor Alves, onde todos os dias me cruzava com o cão e que, quando eu já pensava que éramos grandes amigos, ele fez o favor de me pregar uma valente mordidela. Depois ia à G.N.R. e por aí adiante até chegar ao Sr. Eduardo Cardoso.
(O Sr. Eduardo era uma pessoa muito afável que por amizade tratava o meu pai por  “parente”. Foi com as filhas dele que eu aprendi a jogar  ping-pong lá em casa.)
Quando eu ia a meio da distribuição  passava por casa e deixava o jornal ao meu pai para ele ler, porque era raro sobrar algum. Esse jornal era o que se destinava ao Sr. Eduardo.
Um dia, quando fui entregar o jornal, e porque já não era muito cedo,  pergunta-me ele:
- Ei minino, você está chegando tarde; que está passando?
- É que o meu pai esteve a ler o jornal, Sr. Eduardo!
O Sr. Eduardo riu. Nunca disse nada ao meu pai. Eu disse e o meu pai não ficou muito satisfeito, mas desde esse dia o jornal passou a chegar a horas às mãos do Sr. Eduardo Cardoso!

A inocência é tão linda.

E.H

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Pe. Jerónimo


Vamos fazer uma grande festa com o nosso Pe. Jerónimo.
Não esquecer a inscrição até dia 31 de julho!

Nota: O meu endereço de e-mail é: teodoroprata@gmail.com

José Teodoro Prata

domingo, 13 de julho de 2014

Festival de ranchos










As fotos não mostram quase nada. Foi muito bonito!
Bons artistas, organização esforçada e boa disposição.
Mas a grande novidade foi outra. Há sombra de uma árvore, colocaram-se umas cadeiras. Para as individualidades, pensaram todos. 
Qual quê? Encheram-se de idosos do lar da Misericórdia. As individualidades ficaram ao lado, de pé, e não se importaram nada!
Por isso a Libânia foi a grande heroína daquela tarde, a pessoa de quem toda a gente falava.

José Teodoro Prata

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Horta-jardim

Encontramo-la aquando do passeio da Feira, mesmo junto ao lagar arruinado da Natividade Lino.




A jardineira é a Madalena, mulher do Tonho da Sara.
José Teodoro Prata



A horta da Ti Madalena faz ver a muita gente! Como se vê, tem de tudo com fartura; para a família e para os vizinhos. E eu que o diga!
E quando lhe dizem que já é trabalho a mais para ela, responde logo que se querem tirar-lhe a vida, é tirarem-lhe aquela horta.

M. L. Ferreira

domingo, 6 de julho de 2014

Obedecer

Certo dia, alguns animais da comunidade juntaram-se na taberna do galo pedrês. A rua ia de mar a monte, o inverno bastante rigoroso não deixava fazer nada.
- Isto não pode continuar, indagou o galo de crista vermelha, o homem quer tudo para ele, tem a mania que é o nosso rei, faz de nós gato-sapato, muitos de nós acabamos numa travessa: guisados, assados... Queremos ser tratados como gente e não como animais que só servimos para trabalhar,  guardar, alimentar... Proponho que nos desloquemos à assembleia.
- Concordo, - respondeu o saltitão que já estava com um grão na asa - mandemos um representante de cada raça exigir uma vida mais digna para todos.
Enviaram um ofício a pedir uma reunião, alugaram autocarros e ei-los a caminho da capital.
- Senhor presidente, nós...
O gato miava, o cão ladrava, o burro zurrava, a galinha cacarejava, pintainho piava, o galo cocorocava; presidente dormitava, não escutava…
- Senhor presidente, senhor presidente! - miavam, ladravam, zurravam, cacarejavam, piavam, cocorocavam os presentes nas galerias.
- Silêncio! - grita o presidente - afinal o que é que vocês querem?
- Nós queremos, nós exigimos...
- Vão-se lá embora, cumpra cada um a sua missão, o poder vai continuar a ser para os poderosos e o servir para os servos. Não há outra solução.
- Mas nós queremos...
- Era só o que faltava! - murmurou o presidente para os secretários.
- Cada macaco no seu galho. - acrescentou o primeiro secretário, sussurrando ao ouvido do presidente.
- Vão em paz e que o Senhor vos acompanhe.
Regressaram, com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma, fazendo cada um aquilo que sempre fez. Obedecer.


J.M.S

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Bem aventurados os humildes

Um dos sentimentos que calam fundo na alma de um Verbita é a humildade. Este sentimento é incutido desde o primeiro dia em que se ingressa naquela instituição, através do exemplo dado por aqueles que a ela dedicaram as suas vidas.
Faz agora meio século, para Agosto, que o Padre Jerónimo disse a sua primeira missa, em S. Vicente da Beira. Coincidiu esta festa com os meus exames para admissão no Seminário do Tortosendo e, por ser familiar do novo padre, tive o privilégio de vir à celebração.
Vim no  “carocha” velhinho com o Padre Lúcio a conduzir, o Padre Zé Vaz e o pequeno gigante: o Reitor Jorge Poljak (corrijam-me).
Correu tudo à maneira Verbita : Bem.
À hora de regressar ao Tortosendo, eu entrei no carro e sentei-me atrás, mais o Padre Zé Vaz.  O Padre Jorge, o Senhor Reitor do Seminário, entrou para a frente e, ao levantar um pouco a velha batina, para subir, mostrou sem querer as calças todas remendadas nos joelhos.
Eu tinha dez anos.
A simplicidade daquele homem tão humilde, mas que no  fundo foi das pessoas mais ricas que eu já conheci, deixou marca e uma certa inveja, por não ser capaz de alguma vez lhe chegar aos calcanhares.

Para alegrar um pouco o texto, vou contar duas coisinhas que li há muito tempo. Da primeira não me lembro o nome do autor  e a segunda é do Camilo Castelo Branco e é só para recordar, porque todos conhecem. Ambas têm a ver com a humildade:

Um pintor pintou uma pintura (rir s.f.f.) de uma jovem,  em tamanho natural,  e decidiu mostra-la  numa rua movimentada, escondendo-se por detrás do quadro, a fim de recolher opiniões das pessoas que passavam e eventualmente corrigir qualquer pormenor que lhe tivesse escapado.
Passa um sapateiro e, olhando para o quadro, reparou que numa das chinelas da jovem faltava a fivela e falou no facto. O pintor vai para casa e pinta a fivela na chinela. No dia seguinte, voltou para o mesmo sítio com a mesma intenção. Passa o sapateiro e fica todo contente por ver que o erro tinha sido emendado, mas, em vez de seguir caminho, faz uma segunda observação sobre um defeito qualquer no vestido. No dia seguinte, quando o sapateiro volta a passar para ver se havia sido feita a alteração que ele tinha apontado, vê por baixo do quadro o seguinte dístico: “NÃO SUBA O SAPATEIRO ACIMA DA SUA CHINELA” 

O  Camilo escreveu no  “Narcóticos“ uma historiazinha a que deu o nome  “O SENHOR MINISTRO“ que eu humildemente e com a devida vénia vou tentar resumir porque isto já vai longo.

É a história do Senhor Tibúrcio Pimenta, advogado no Porto, que alimentava o desejo de ser ministro do reino. Achava-se inclusive superior aos  ministros porque a sua coluna vertebral não se vergava a nada nem a ninguém.
Um dia de manhã cedo, ainda ele estava na cama,  batem à porta de sua casa. Era um senhor muito bem vestido que vinha entregar uma carta e dar os parabéns porque o Sr. Tibúrcio tinha sido nomeado ministro.
A  esposa, Dona Amália vai a correr ao quarto, acorda o marido e abre a carta sem a ler, para a dar ao doutor que se sentara estrovinhado na cama, a esfregar os olhos.
O doutor leu:
“Ex.mo Sr. Doutor Tibúrcio Pimenta - A Mesa da Venerável Ordem Terceira de  São Francisco desta cidade tem a satisfação de lhe participar que ontem, em reunião geral, foi Vossa Senhoria unanimemente eleito ministro da mesma Venerável Ordem Terceira de São Francisco.”
Tibúrcio machucou o papel, atirou-o ao tapete e disse:
- Não valia a pena acordares-me para isto, Amália.
E ela, com os olhos espantadamente espasmódicos na cara esquisita do marido, disse com um grande desalento:
- Ministro da Ordem Terceira de São Francisco! ORA BOLAS!!!

E.H.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Andorinhas

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades, como diz Camões aqui lembrado  pelo Zé da Villa. E, pelos vistos, nem as andorinhas escapam a este desejo de mudança.

Este ano, em vez de fazerem o ninho no sítio habitual, resolveram montar casa em cima dum aparelho anti-insetos dependurado no teto da varanda.

Estive várias vezes para o esbarrondar, mas fui deixando… Nasceram estes três belos exemplares que, sempre de bico aberto, deram uma trabalheira aos pais e a mim. Mas valeu a pena!


Há tempos encontrei esta “poesia”. Pode não ter grande qualidade literária, mas talvez nos ajude a perceber a origem da crença que temos, desde há muito tempo, de que tirar um ninho de andorinhas é pecado:

Lenda das Andorinhas

Conta a lenda que, quando no Calvário
Jesus Cristo na cruz agonizava
Perante a turba vil que o apodava
De louco, charlatão e visionário,

Em face desse povo sanguinário
Que na hora da morte o insultava
Cristo sentiu que alguém o afagava,
Dando-se então um caso extraordinário:

Voou uma andorinha sobre a cruz
E da sagrada fronte de Jesus
Arrancou os espinhos docemente…

E Deus soube sentir tanto carinho!
Por isso onde a andorinha faz o ninho,
Paira a bênção de Deus constantemente.

                                                                               Laura Chaves

M. L. Ferreira