quinta-feira, 26 de março de 2015

Roteiro da Fé

Nossa Senhora da Orada
O santuário da Orada é muito antigo. Um testamento medieval faz referência ao caminho da Orada, no séc. XIV. A capela da Senhora da Orada situa-se dentro da Gardunha, junto à estrada romana e moura que atravessa a Gardunha.
Em 1592, o cónego Manuel Dias, em visitação episcopal, proibiu os padres de São Vicente da Beira de fazerem procissões de ladainhas e de acompanharem o povo nas romarias à Nossa Senhora da Orada.
Frei Agostinho de Santa Maria visitou a ermida, antes de publicar o seu Santuário Mariano, em 1711. Escreveu que, segundo a tradição, a ermida da Senhora da Orada fora uma igreja paroquial, no tempo dos godos. É provável que a ermida tenha sido o centro religioso da região, na época muçulmana, assistindo espiritualmente os moçárabes da zona. O posterior culto a São Vicente contribui para a defesa desta tese.
As Memórias Paroquiais de 1758 referem que as romarias se faziam sobretudo no verão e nos sábados da Quaresma. A capela era da Câmara e o ermitão tratava das fazendas da capela, residindo na casa ainda existente junto à capela.
No século XIX, a romaria anual realizava-se no domingo de Pascoela, o primeiro depois da Páscoa. Depois foi mudada para o quarto domingo de maio, mas continuou a integrar o ciclo pascal, com a realização das Boas Festas às casas das Quintas. Segundo o músico Miguel Carvalhinho, também a canção à Senhora da Orada se integra no conjunto das músicas de Aleluia.
O atual templo, com o seu alpendre, um cruzeiro e uma pia de água benta manuelinos, será do séc. XVI. Mas existem vestígios anteriores, de estilo gótico: uma imagem a Senhora da Graça, em pedra ançã, oferecida por Nuno Álvares Pereira, segundo a tradição; um retábulo de alabastro representando a flagelação de Cristo e a degolação de S. João Batista.
Após a extinção do convento franciscano feminino, em 1835, o retábulo do altar-mor da igreja do convento foi trazido para esta capela, onde ainda hoje se encontra, em estado de grande degradação. É o único altar barroco policromado existente na freguesia.
A água da fonte junto à capela é considerada milagrosa, por muitos crentes. A antiga fonte situava-se mesmo detrás da capela, do mesmo lado do ribeiro que lhe passa rente.

A Lenda da Nossa Senhora da Orada:

Era uma vez, em tempos antigos, em São Vicente da Beira…
Havia uma família séria e honrada, um casal com uma só filha. Nesse tempo, toda a filha que faltasse à sua honra e à honra de seus pais, estes tinham ordem de a matar à pedrada.
A donzela, ao debruçar-se num ribeiro a matar a sede, engoliu uma cobrita que se desenvolveu no seu ventre, com o sustento dela.
A moça apareceu inchada e os pais, julgando que ela andasse grávida, resolveram matá-la. A pobre mãe da donzela pediu ao pai que não sujasse as mãos com o sangue da filha, antes a levasse para um ermo, para que as feras a comessem.
O pai resolveu prendê-la às brenhas da serra.
A rapariga, como estava inocente, chorou e implorou à Virgem Santíssima que lhe valesse, orando muito à mãe de Deus.
Então apareceu-lhe, à boca da noite, uma mulherzinha, soltando-a e ensinando-lhe o caminho de casa.
No outro dia, o pai prendeu-a ainda mais acima e a menina continuou a orar e à mesma hora da noite apareceu a mesma mulherzinha que a voltou a soltar.
O pai, furioso, ao terceiro dia, resolveu metê-la ainda mais acima. A mulherzinha voltou a aparecer e disse à rapariga que dissesse a seu pai que o seu inchaço no ventre era de uma cobra, que quando chegasse a casa fervesse um caldeiro de leite e se debruçasse sobre ele, abrindo a boca e então sairia a cobra.
E que dissesse ao pai que, em sua homenagem, lhe fizesse uma capelinha para que toda a gente visse o poder de Deus.

Contada pela Ti Janja

Santa Bárbara
A capela de Santa Bárbara situa-se no Casal da Fraga, mas apenas desde os anos 30 do séc. XX. Antes, localizava-se no limite entre o Sobral do Campo e São Vicente da Beira, um pouco a sul do Valouro.
Estava em ruínas, no início do séc. XX. Fora uma capela da Câmara (o concelho foi extinto em 1895) e por isso as gentes de São Vicente da Beira (sede do antigo concelho) ganharam o processo em tribunal, contra as gentes do Sobral do Campo, tendo trasladado as pedras principais, para o Casal da Fraga.
Destaca-se o pórtico de arco levemente quebrado, com decoração manuelina.
A festa realiza-se no segundo domingo depois da Páscoa.

Orações a Santa Bárbara:

Santa Bárbara, Bendita
Que no céu está escrita
Com raminhos de água benta,
Livrai-nos desta tormenta.
Espalhai-a lá para bem longe
Onde não haja eira nem beira,
Nem raminho de oliveira,
Nem raminho de figueira,
Nem mulheres com meninos,
Nem ovelhas com borreguinhos,
Nem pedrinhas de sal,
Nem nada a que faça mal.
Amém!

Santa Barbara, S. Jerolme,
Que lá estais no céu escritos
Com raminhos de água benta,
Livrai-nos de tal tormenta.
Magnífica! Magnífica!
Engrandecido seja o Senhor!
Valha-nos o Bom Jesus
E a Flor donde nasceu.
E a hóstia consagrada
Onde Jesus Cristo morreu.
Amém!


São Francisco
A capela de São Francisco situa-se na entrada noroeste de S. Vicente da Beira. Esta capela deu nome ao sítio onde se situa e ao caminho, hoje rua, que dava acesso à zona urbana da vila.
Primitivamente, esta capela foi devotada a Santo António. Mas, em 1744, os Reverendos Fr. Paulo da Ascensão e Fr. Francisco de S. Alberto, missionários do real convento de Brancanes, Setúbal, vieram pregar uma Missão a S. Vicente da Beira e aqui fundaram a Ordem Terceira de São Francisco. As autoridades locais doaram a capela de Santo António à Ordem Terceira e por isso a capela passou a ser devotada a São Francisco.
Hoje, continua a ser a sede daquela irmandade e o centro de uma grandiosa procissão, a Procissão dos Terceiros. Mas ainda se mantém nela o culto e a festa a Santo António, no terceiro domingo de agosto.
É o único templo religioso de São Vicente da Beira cujo altar não está virado para Jerusalém, mas sim para oeste.
No interior da capela, existe um grande arco em pedra, de arestas biseladas, que separa o corpo da capela do altar-mor. Esteve pintado de azul até aos anos 80 do século XX.
Junto à capela, foi edificado o Calvário, palco das cerimónias finais da Procissão dos Passos, na Sexta-Feira Santa. Este monumento ostenta o símbolo franciscano e já existia em 1758.
Nas traseiras da capela, foi criado o cemitério, após 1826, em terrenos do antigo açougue municipal.
O trio cemitério, capela e calvário forma um dos mais importantes conjuntos de simbolismo religioso, em São Vicente da Beira.

Responso a Santo António

Ó meu rico Santo António
Livrai-me deste demonho
Que manda atentar

Contada pela Ti Antónia dos Anjos, do Casal da Serra


A Igreja Matriz
A povoação de S. Vicente da Beira nasceu e desenvolveu-se em torno da igreja, criada por D. Afonso Henriques, em 1173.A fundação da igreja aconteceu, segundo a tradição, na sequência da ajuda dos cristãos da região (moçárabes) ao exército de D. Afonso Henriques, contra os mouros, na Batalha da Oles, sítio dos arredores de São Vicente da Beira. O rei fundou a igreja, dotou-a de rendimentos, devotou-a a São Vicente e deu-lhe uma relíquia do santo. O foral da vila, de 1195, já impunha aos habitantes que pagassem a dízima a São Vicente.
Nos finais da Idade Média, terá sido reconstruída segundo o estilo gótico, de que existe ainda um arco em ogiva, de aresta biselada, junto à entrada principal da Igreja.
No século XVII, a Igreja era ainda de três naves, mas no século seguinte elas já não existiam. Foi depois remodelada e ampliada, na primeira metade do século XIX (sobretudo o altar-mor) e no início do século XX (sacristia).
O orago, São Vicente, tê-lo-á perdido no século XVI ou XVII, na sequência do concílio de Trento que decidiu reforçar o culto a Nossa Senhora. O orago passou então a ser Nossa Senhora da Assunção.
A Igreja Matriz de S. Vicente da Beira foi a igreja paroquial de todos os povos do antigo concelho de São Vicente da Beira, durante a Idade Média. Apenas no século XV e nos seguintes, as povoações principais do concelho foram ganhando a sua igreja paroquial, à medida que o número de paroquianos o justificava.
Das várias irmandades existentes no passado, resta apenas a do Espírito Santo. Uma das que desapareceu foi a de São Pedro que, nos séculos XVIII e XIX, agregava o clero de uma vasta área, para lá dos limites do antigo concelho e vigariato de São Vicente da Beira. A estátua do patrono, em pedra, ainda se encontra nesta Igreja Matriz.

A Misericórdia
A Misericórdia de S. Vicente da Beira foi fundada, provavelmente, na segunda metade do século XVI, pois a primeira notícia da sua existência data de 1572. Terá sido herdeira da albergaria medieval do Espírito Santo, que conhecemos através de uma doação feita a esta instituição, em 1362, por Estêvão Eanes, clérigo de S. Vicente da Beira, tio paterno de D. Fernando Rodrigues de Sequeira, Mestre de Avis.
A atual Igreja da Misericórdia tem inscrita nos pórticos principal e lateral a data de 1643. Terá sido reedificada nessa altura, pois há notícias de enterramentos, nesta igreja, ainda no séc. XVI.
As Memórias Paroquiais (1758) referem a existência de um hospital no centro da vila, pertencente à Misericórdia. Esse hospital ou hospedaria situava-se a oeste da Igreja da Misericórdia, em frente à entrada principal.
Nesta entrada do templo, à direita, existe uma pia de água benta de estilo manuelino, em forma de trevo de quatro folhas e com coluna octogonal, como a do pelourinho da vila.
As pinturas do teto do altar-mor são do mesmo tipo da pintura de uma bandeira datada de 1628, pertencente à mesma irmandade da Misericórdia.
As imagens do Santo Cristo e do Senhor dos Passos foram trazidas do extinto convento franciscano feminino, onde teve origem o culto ao Santo Cristo e as tradições da Semana Santa.
A imagem articulada de Cristo morto foi oferecida por D. João de Deus Ramalho, bispo de Macau e natural de São Vicente da Beira, em meados do século XX.

Os Passos
Os Passos são construções incrustadas nas paredes, em forma de grandes nichos. Serviam para colocar os quadros dos Passos, na Sexta-Feira Santa. Durante a Procissão do Enterro, ao passar por cada um deles, a banda filarmónica deixa de tocar, a procissão para e a Verónica canta.
Na década de 90 do século passado, os quadros foram substituídos por painéis em azulejo, para preservação das pinturas.
Os Passos situam-se no percurso das procissões: Rua da Igreja, Rua Velha, Praça Hipólito Raposo, Largo Francisco Caldeira (Fonte Velha) e Rua do Convento.

O Convento Franciscano
Teodósia da Paixão, ou Teodósia Vaz, era natural de S. Vicente da Beira e aqui fundou, com outras freiras, um convento franciscano feminino. Para esse fim, pediu ajuda à Corte, tendo recebido da Rainha D. Catarina, na menoridade de D. Sebastião, um grande sino, livros de cantochão e 100 cruzados.
Teodósia da Paixão era freira no convento franciscano de Nossa Senhora do Loureto, na freguesia da Nave, Sabugal, e dali foi, com outras irmãs, fundar o convento de Nossa Senhora do Loureto, de Almeida. Depois, regressou à sua terra natal. Em 1572, já aqui vivia, em comunidade com outras religiosas.
A obra Agiologio Lusitano, de George Cardoso, publicada em 1652, fez referência à morte de Sor Maria da Visitação, dando a conhecer alguns traços da sua religiosidade:

«No convento de S. Vicente da Beira, Bispado da Guarda, deixou a vida presente Sor Maria da Visitação, religiosa de tão rara abstinência, que chegou a jejuar quase continuamente todos os anos e, nos últimos da vida, a nunca comer carne, trazendo de ordinário um como jubão de cilício, cingindo-se com áspera corda de esparto, andando o mais do tempo descalça, acrescentando a estas mortificações, ásperas disciplinas. Pedindo por humildade os ministérios mais baixos da casa, e particularmente o da horta, para ter mais comodidade de vacar à contemplação. E quando daquele corporal exercício se ia cansada, dado que viesse molhada da chuva, se recolhia no coro, tomando por alívio a continua oração. Entre outros santos exercícios, que frequentava sua devoção, na noite de quinta para sexta-feira fazia este: pregando na cabeça uma coroa de espinhos, com cruz às costas, ferindo o peito com dura pedra, corria a casa amargamente em comemoração da Paixão de Cristo. Ajudada de outras religiosas de igual espírito, instituiu neste convento a Procissão dos Passos.(…)»

Esta terá sido a origem das cerimónias da Semana Santa, em S. Vicente da Beira. Também aqui teve origem o culto ao Santo Cristo da Misericórdia, o maior em São Vicente, devoção trazida pelas freiras, da Nave, Sabugal.
O convento franciscano feminino tinha uma igreja da invocação a São Francisco, junto à rua, no lado oeste. Nas casas em frente, situavam-se a casa do confessor franciscano e uma hospedaria.
Os rendimentos do convento advinham-lhe de doações pias, em dinheiro, rendimentos e sobretudo propriedades fundiárias, que as religiosas aforavam aos camponeses, a troco do pagamento do foro. Uma destas propriedades era a povoação da Paradanta, na freguesia de São Vicente da Beira. Por sua vez, a Câmara doou às religiosas, cerca de 1629, os foros anuais que os moradores do Freixial do Campo lhe deviam, anualmente: cada morador um alqueire de centeio, sendo casado, as viúvas ou solteiras, meio alqueire, e o concelho (junta de freguesia) do dito lugar, sessenta réis.
O convento foi extinto, em 1835, encontrando-se então já meio arruinado e só lá residindo a abadessa. Foi demolido e a pedra vendida pela Câmara, a particulares, em asta pública. Dele restam apenas dois pórticos, um seiscentista e outro setecentista, o retábulo do altar (na capela da Senhora da Orada) e as imagens de Santo Cristo e do Senhor dos Passos (na Igreja da Misericórdia).

Hospital e Lar da Misericórdia
A irmandade da Misericórdia de São Vicente da Beira sempre manteve um hospital, primeiro junto à sua igreja e, a partir de 1893, em São Sebastião.
Este hospital foi construído graças ao apoio benemérito do Padre Simão Duarte do Rosário, do Sobral do Campo.
Em meados do século XX, um médico, o Doutor Lemos, deixou bens para se construir um bairro de casas, em frente ao hospital, cujas rendas financiassem o hospital.
Nos anos 80 desse século, o edifício foi reconvertido em lar de idosos, função que ainda hoje desempenha. As atuais instalações respeitam, em linhas gerais, a arquitetura do antigo hospital.

São Sebastião
A capela de São Sebastião é muito antiga, certamente medieval. Nos finais do século XVIII, estava em ruínas e já andavam perdidos os papéis que ali autorizaram o culto religioso. Foi então reconstruída com o dinheiro da venda da coutada dos bois do concelho, um baldio pertencente à Câmara. O atual edifício data dessa reconstrução, nomeadamente o pórtico barroco.
O templo foi erigido na entrada sudeste de S. Vicente da Beira, para impedir que as pestes chegassem à vila. Até aos inícios do século XX, a entrada na povoação, para quem vinha de Castelo Branco, fazia-se pelo cruzamento do Marzelo, com passagem pela capela de São Sebastião, e não pela estrada atual.
Na atualidade, ainda subsistem vestígios de um bodo: o hábito de oferecer pão e filhoses aos fiéis, na festa de São Sebastião, a 20 de janeiro.
Esta capela deu o nome ao sítio onde se situa e ao caminho, hoje rua, que dava acesso à zona urbana da vila, na Fonte Velha.

José Teodoro Prata

Nota: As orações foram retiradas deste blogue, de publicações da Libânia e do José Manuel dos Santos.

terça-feira, 24 de março de 2015

Ora pro nobis



Há vários meses que tenho este texto mais ou menos aldravado, mas, como o Zé Teodoro gosta de apresentar estas coisas na altura certa, só hoje o envio. Além disso, acaba de passar à minha porta a Ladainha de Todos os Santos.
Não me vou referir à ladainha que se efetua hoje em dia, a fim de não ferir suscetibilidades. Só vou dizer que no ano passado, ao passar à minha porta, o Zé Pasteleiro, então o “Mandamás” da ladainha cantou: - Sancté Ernesto!!! Todos responderam: - Ora pro nobis.
Nas longas horas vagas que passei no Seminário, dei volta a um monte de livros e, para meu desgosto na altura, nunca consegui encontrar um santo com o meu nome. Hoje, já muito maduro, sei que nunca poderia haver um santo com o nome Ernesto. No capítulo dos pecadores já seria bem mais fácil.
Não sabendo dizer quando começou esta tradição, sei que é mais antiga que a casa do Coronel! (desculpem lá!). Tenho em minha posse três documentos manuscritos que são os livrinhos com que antigamente se fazia a ladainha. Destes, os dois mais recentes têm data de 17 de Fevereiro de 1918 e 18 de Fevereiro de 1918. O primeiro está assinado por Ernesto de Jesus Hipólito e o segundo por José Gregório Hipólito. Eram os irmãos mais velhos da minha avó Maria do Carmo, eram meus tios avós.
O terceiro documento parece ser muito mais antigo e também muito mais usado. Os pingos de chuva de muitas quaresmas fizeram dele um monumento. Não se preocupem que está guardado.
Uma das perguntas que me vêm nestas alturas é porquê, sendo esta ladainha uma cerimónia religiosa, nunca é realizada por um clérigo?
Esta cerimónia quaresmal era composta por duas orações que se interligavam. Numa procissão em que se percorriam os sete passos que ainda hoje se encontram espalhados pela Vila, a Via Sacra, e em que em cada passo se celebrava a passagem de Jesus por esse lugar e o que ali tinha acontecido. Ao percorrer o caminho entre esses passos, cantava-se a Ladainha de Todos os Santos. Era assim a ladainha. Ainda hoje é, só que naquele tempo esta cerimónia estava vedada às mulheres.
Realizava-se todos os Domingos da Quaresma, já à noitinha. Num tempo em que não havia televisão e as tardes de domingo eram passadas nas tabernas a virar latas de vinho, quando os homens iam para a ladainha, por vezes aconteciam cenas fora do vulgar.
O meu pai contou-me algumas situações que aconteceram e que ele presenciou, que no fundo podemos apelidar de engraçadas.
Os primeiros nomes que se cantavam  na ladainha eram:
- Sancta Maria
- Sancta  Dei Génetrix  (Geradora de Deus).
            - Sancta  Virgo Virginum  (Virgem das Virgens)
- Sancté Michael. E por aí adiante.
A cada nome que era cantado, os acompanhantes respondiam:
- Ora pro nobis.
Como o cantor de serviço raramente sabia Latim e por vezes lá para o meio da viagem já lhe começavam a faltar os nomes de santos,  tinha que usar a imaginação. Era então que as partes gagas começavam a acontecer:
Uma vez em que o cantor não se lembrava dum nome cantou de lá:
- Sancté é é é.
- Ora pro nobis.  Ninguém reparou!
Também o Sr. Estanislau, marido da Sra. Eulália do Café, uma vez aproveitou para se elevar a santo. Quando o cantor começou com o Sancté e hesitou um pouquinho, logo o Estanislau o ajudou lá do fundo cantando o seu próprio nome. Foi uma risota.
Chegou-se ao ponto de       ao passar à porta de uma mulher de vida fácil, que naquela altura  assistia cá em S. Vicente, um malandro se adiantar e cantar o nome dela como santa.
Mas a história mais engraçada que me contaram sobre a ladainha foi protagonizada pelo Sr. António da Marta e o filho, o Jaquim da Marta. O Jaquim sempre foi um grande sacanita, que Deus o lá tenha.
Numa das muitas vezes em que o Sr. António fez a Ladainha, o filho Joaquim estava à espera no quintal, por cima do  Passo que fica mesmo ao lado da casa deles, ali na Rua Velha. Quando a Ladainha chegou ao Passo, o Sr. António abre o livrinho e começa a cantar. O filho, que já tinha uma pedra na mão, deixou-a cair mesmo no centro do livro, que lhe fugiu das mãos, caindo no chão. O Sr. António olhou para cima e, vendo que tinha sido o Joaquim,  diz-lhe cá de baixo em tom ameaçador:
- Anda mê filha da puta que, quando chegar a casa, dou-te uma carga de porrada nos cornos!
Agarrou no livro e  meteu rua abaixo a cantar. Sancté…

E.H.