sábado, 7 de março de 2009

Alcunhas

O comentário do Miguel Jerónimo, em “Esquilos na Gardunha”, trouxe-me à lembrança as minhas mais antigas recordações como membro da sociedade.

Andava-se pelos inícios dos anos 60 e eu raramente descia do berço da Tapada. Mas, em cada domingo, vestia o melhor fato e era levado pela mão do meu pai à missa do meio-dia. Ficava mergulhado numa floresta de homens de negro, cá no fundo da igreja. Entre o ajoelhar e o levantar, às vezes antecipava-me e conseguia ver o Padre Tomás, vestido com roupas muito bonitas.
Depois saíamos para o adro. Se o meu pai ou algum irmão não visse o meu avô Francisco há alguns dias, chegava junto a ele, flectia o joelho e “A sua bênção, meu pai”. Ele, “Deus te abençoe, meu filho”. O filho beijava a mão do pai e conversavam sobre a vida.
Via partir a minha mãe e as minhas irmãs, rua acima, dividido entre o conforto de ir e o orgulho de ficar. Nós, os homens, íamos beber um copo à taberna do tio João dos Arrebotes, ali a dois passos. Vinha o avô, o meu pai, o tio João e mais algum irmão ou outro amigo deles.
A taberna era pequena, com bancos corridos nas paredes. Grupos de homens juntavam-se ao balcão e bebiam rodadas de vinho, em copos pequenos. Eu, no meio deles, petiscava tremoços ou amendoins, se calhasse a haver.
Costumava também estar o tio Zé da Marta. Ele e o dono da taberna eram nossos tios, do lado dos Jerónimos. O tio Zé da Marta metia-se com o meu pai “Olha o meu afilhado, o Tonho Bravo!”. Reivindicava o direito a ser chamado de padrinho, mas o tio João dos Arrebotes teimava que tinha sido ele a pôr-lhe a alcunha. Não fora da braveza. Ainda bebé, a minha avó Rosário levava-o para as ceifas e deixava-o à sombra de uma árvore. O calor, os bichos e a fome faziam-no berrar todo o dia e os ceifeiros, de tanto o ouvirem, diziam que ele era bravo.
Um dia, o tio Zé da Marta tentou pegar-me ao colo. Eu, miúdo da Vila? Esperneei e arranhei-o todo na cara. Deixei o meu pai embaraçado, mas acharam-me também bravo!
E entre conversas de amigos e ocorrências normalmente mais felizes, passávamos à taberna da Viúva ou ao café da tia Eulália, esta também dos Jerónimos. Regressávamos a casa tarde e comíamos já sem fome.
Há meses passei pela casa do tio João Teodoro, no Casal da Fraga. “Olha o Zé Bravo!”, saudou-me o meu primo Chico. E conversámos sobre o desuso dos apelidos, a pena de só o Luciano nos chamar ainda Chico Pontífice e Zé Bravo.

Casa da Rua da Igreja que foi taberna e residência do tio João dos Arrebotes.

Um comentário:

Anônimo disse...

Do Casal, para os Enxidros

Não sei por que carga de água, chamavam-lhe o "Alma Grande"; alcunha, já se vê. Eu, pequeno, vi-o sempre um tipo alto (que, na imaginação da criança, alma avantajada só caberia em homem grande). Porventura, alguma vez o vi de gravata preta (seria?).
Ainda hoje, se me distraio, quando penso em alma, lá no fundo do meu inconsciente, o que vejo é uma gravata preta...

jmt