quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Santa Casa da Misericórdia

Nestes dias, tenho andado pelo arquivo da Santa Casa da Misericórdia de São Vicente da Beira.
Durante horas, fico imóvel, a anotar dados dos livros de registo dos doentes internados, em 1917-1920. Mas não estou sozinho. Das paredes, olham-me atentos os guardiães da Santa Casa: fundador, médicos, provedores, benfeitores?
Há um sacerdote, dois bigodes monumentais e uma senhora. Um, de cara e óculos redondos, parece-me o professor Couto. Outro, esguio e de olhar vivo, recorda-me o Dr.º Alves da minha infância.
Ali estão todos, na sua rigidez de retrato, mas atentos ao que faço. Nem ouso questionar se os dados que recolho foram registados sem enganos e por isso me darão uma informação correta do movimento de doentes, no tempo da pneumónica, quando os homens não largavam a cama, deitados com a espanhola.
As assinaturas nos termos de abertura e fecho, os nomes dos membros da Mesa nos livros de actas de tantos anos, sinais de um tempo passado, felizmente também presente, em que homens e mulheres tomaram em mãos a tarefa de fazer e manter um hospital, como agora uma creche e um lar de idosos.
Noutros livros, donativos em géneros e pagamentos das cotas dos irmãos. Agora percebo melhor o ritual quase sagrado com que o meu pai ia pagar a cota de irmão da Misericórdia, todos os anos, no dia do Santo Cristo. O passa-bem à chegada, dois dedos de conversa e o cumprimento do dever, descarregado nos livros que agora folheio.
No corredor e nas salas de estar, encontro-me com os idosos, quase todos desconhecidos, mas alguns do meu convívio de décadas. As empregadas não param na azáfama de fazer, limpar, ajudar. O provedor entra para despacho e vai à vida, que o ganha-pão é noutro sítio.
Sinto orgulho da minha comunidade, por, no passado e no presente, querer e saber, de forma graciosa e desinteressada, erguer esta obra para o bem de todos.
BEM-HAJAM.


A foto é de cerca de 1980-1990, após a reconversão do hospital em lar de idosos, mas antes das obras na via pública, em que se colocou o cruzeiro num espaço ajardinado, onde fora o tronco do ferrador. Ficou-me do livro do P.e Branco e é propriedade do homenageado.

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