terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Trabalhos de fim de semana

Em 1974-75, ainda vivíamos na Tapada, a beber água da mina, à luz do petróleo. Por esses tempos, os operários da construção civil travaram grandes lutas e conseguiram melhores salários e a redução da jornada semanal de 48 para 45 horas. Assim, o meu pai trabalhava 9 horas por dia e já podia vir passar o sábado com a família.
Então, os meus pais compraram uma casa velha na Rua da Cruz e iniciámos a sua reconstrução. Como interrompi os estudos no ano letivo 75-76, o meu pai dizia-me o que fazer durante a semana e no sábado tinha tudo pronto para os trabalhos de pedreiro.
“Aqui, no chão, abres uma caixa quadrada de um metro de lado por 80 de fundo.”
No sábado, fizemos o pilar que suporta a escadaria.
“A toda a volta da parede, cava o barro por baixo da parede, da fundura de uma mão travessa.”
No sábado, encostámos uns taipais na prumada da parede e enchemos os buracos de massa.
“Esta semana, tira as telhas e arranca as ripas e os caibros.”
E foi assim, durante três anos. Depois, mudámo-nos para a casa nova da Vila. Há 37 anos, o sábado livre do meu pai fez toda a diferença para a nossa família.
A vida mudou muito, entretanto. Há cerca de 20 anos, quando se começou a falar em abrir os hipermercados aos domingos, duas funcionárias do antigo Jumbo de Castelo Branco vieram pedir-me para assinar pela abertura. Eu respondi-lhes que não assinava, pois, como professor, queria que elas passassem o domingo com os filhos.
Muitos desconhecem que o dia de descanso semanal ao domingo é uma conquista muito recente, de há cem anos, no início da Primeira República. Antes disso, a missa de domingo era um luxo proibido aos operários, numa época de grande religiosidade.
O mundo mudou para melhor, em muitas coisas, no último século, mas agora estamos a andar para trás, em nome de progressos que poucos sentem.

Nota: Ao contrário de muitos, com o Presidente da República à cabeça, que só há poucos meses perceberam a grande complexidade da crise económica que vivemos, eu percebi isso logo quando ela começou, embora tenha sido a única coisa que percebi, durante largo tempo. Por isso esta crónica não é uma tomada de posição contra ou a favor de algo ou alguém, embora não abdique da minha oposição ao aumento da riqueza nos ricos e ao consequente aumento da pobreza na classe média e nos pobres. E à desregulação das suas vidas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Concordo inteiramente com o que escreveu.... Valentina