segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Fomos à taberna do Raposo





Por volta das 21 horas, a taberna já estava cheia. Os homens, ao balcão, conversavam e bebiam o seu copito; as mulheres, mais recuadas, divertiam-se a cantar. E como cantavam bem! Ou não estivesse no grupo a Zulmira fadista…
Foi precisamente a ela que coube iniciar a apresentação dos testemunhos sobre a Quaresma. Falou da Ladainha.

Coube aos irmãos Zé Manel e João Maria Mosca, através de dois textos carregados de memórias e bom humor, fazer o percurso das muitas tabernas que existiram na nossa terra: a da Viúva, mesmo ao pé da Praça; a do João Cocho, no largo da Fonte Velha; A do Arrebotes, na rua da Igreja; a do Mosca, substituído pelo Marcelino, um pouco mais acima; a do Zé Canhoto, mesmo em frente da igreja e que era a última ou a primeira capelinha visitada antes ou logo a seguir à missa. Claro que não foram esquecidas as do Marcelino e a do Francisco Eurico, no Casal.
Como eram importantes estes locais para a vida da nossa Vila! Para além de outros aspetos, eles definiam bem o extrato social da população assim como o papel da mulher, do homem e da criança na família e na sociedade. As pessoas mais abastadas não as frequentavam e também não ficava bem às mulheres lá entrar. A única exceção era a Maria Quefuma que ia comprar o macito de tabaco e aproveitava para beber o seu copinho… Quanto às crianças, só lá entravam quando, a mando da mãe, tinham que ir chamar o pai se já se fazia tarde para o jantar ou para a ceia. Mas ai deles se o pai já estivesse tocado; era tareia ou descompostura certa!
E as bulhas ao final das tardes de domingo? Começavam dentro da taberna, mas acabavam arrastadas para a rua. Eram uma aflição para as famílias dos envolvidos, mas eram também um espetáculo para as outras pessoas que se juntavam à volta para ver quem levava a melhor. Felizmente que era apenas o vinho a falar mais alto e, no dia seguinte, já não restavam sinais de zanga e as amizades eram facilmente restabelecidas com mais um copito…
E os jogos da malha, do nocho ou do burro que se organizavam à volta das tabernas?
Tanta coisa que fica por dizer…, mas com a chegada da televisão, e mais tarde a electricidade, as tabernas foram dando lugar aos cafés: o da Tomásia, o da Ti Janja, o do Cagarola, o do Ventura, e outros que se lhes seguiram. Enchiam-se todos, principalmente ao domingo, para ver as matinés a comer tremoços ou amendoins, ou a sorver até à última gota os gelados que não eram mais do que um cubo de água misturada com um xarope qualquer, mas sabiam melhor do que os mais cremosos gelados da Olá atuais!

A propósito da cerimónia do Lava-Pés, o Zé Pasteleiro contou-nos uma história que nos fez rir a todos: num ano, faltou um apóstolo e o coveiro do Casal da Serra foi-se oferecer ao Sr. António Maria que o mandou ir lavar os pés. Ele foi ao chafariz e lavou apenas um. Mas na missa mandaram-lhe descalçar o outro. No final, o sacristão, muito zangado, perguntou-lhe se não lhe mandara lavar os pés. O coveiro respondeu: “Então, eu lavei um e agora Sr. Vigário lavou-me o outro!”
Também a propósito da Semana Santa, o Zé Teodoro contou-nos uma história passada com ele. Numa Sexta-feira Santa foi ajudar a irmã Fátima a semear as batatas, pois o Joaquim emigrara para França. Acontece que, segundo ele, daquela sementeira nem uma batata nasceu! Terá sido por ser dia santo? Alguém dos presentes sussurrou que foi falta de jeito do agricultor, mas sabe-se lá…

A seguir, ouviu-se o fado pela voz da Zulmira e a guitarra (ou seria viola) do Fernando Pereira (Padrimúsico). Mesmo sem ensaios, foi um momento bonito e contagiante. Viu-se bem como ambos gostam e percebem do que fazem e tiveram a generosidade de o partilhar connosco.
Por fim, acabámos todos a cantar. Primeiro cantigas do Zeca Afonso, em homenagem pelos 26 anos da sua morte (como o tempo passa depressa, apesar das saudades!). Depois, cantigas da nossa terra. Cantámos a Senhora da Orada, quadras que dantes se começavam a ouvir ainda o dia da romaria vinha longe, mas que infelizmente agora já raramente se cantam.

Foram quase três horas de boa disposição e convívio entre todos os participantes. Foram também o relembrar e reviver de muitas memórias que marcaram a nossa infância e juventude.
Penso que a organização está de parabéns. O Presidente João Prata e principalmente a Cila, a Ana, a Catarina, o Pedro Noco, o Zé Pasteleiro e todos os outros que ajudaram.
De louvar também a disponibilização, por parte da família Hipólito Raposo, do espaço para a realização deste encontro. Trata-se de uma casa da qual guardo muitas memórias, sobretudo do seu jardim e da figura da governanta, a ti Antonha que andava sempre com as chaves da despensa e da adega pregadas à cintura, numa tentativa de evitar a ida das criadas à despensa. Coitada, acho que nem sempre o conseguia…
Uma palavra ainda para os “atores” que ao longo da noite simularam as brigas habituais das tabernas.
Destaco sobretudo o papel do Zé Taleta que entrava e saía com o seu ar gingão, depois de ter emborcado mais um copo. O que é que o avô dele, que elogiou de forma tão generosa o padre há anos por fazer sozinho a Semana Santa, não diria sobre este seu neto que corre que nem uma lebre, dança como poucos, toca os pratos de forma magistral e agora ainda é ator! É uma honra tê-lo como primo!
Pelos comentários que fui ouvindo das pessoas que estavam perto de mim, este evento tocou bastante nas memórias de todos os presentes. A mim, comoveu-me muito!
 E agora só resta a pergunta: para quando o próximo encontro? Ficamos à espera!

M. L. Ferreira





Fotografias de José Teodoro Prata

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito deste evento, espero que continuem. É uma maneira de tirar as pessoas de casa para conviverem umas com as outras.

Em relação a identificação do nome Tó Maria Mosca esta incorreta, a nome correto é João Maria. Apesar de haver um Tó Maria irmão deste, mas não se encontrava no evento.

Teresa Fernandes

Anônimo disse...

Peço desculpa ao João Maria pela troca do nome na notícia “ Fomos à Taberna do Raposo”. Tratando-se de uma participação tão importante no evento que descrevi, devia ter tido mais cuidado… Agradeço à Teresa Fernandes por ter chamado a atenção para o lapso.
Aproveito ainda para reforçar a ideia de que o texto sobre as tabernas da nossa terra se baseou muito nas minhas memórias, mas sobretudo na excelente apresentação feita pelos irmãos Mosca.
Gostaria também de dizer que o motivo por que utilizo muito as alcunhas nas referências que faço tem a ver com o facto de o evento que descrevi reportar para um tempo em que esta era a forma mais comum e eficaz de identificar as pessoas, muito mais do que o nome de família. Estou convencida de que todos nós temos muito orgulho nestes nomes que nos identificam como membros de um agregado familiar mais específico.
A mim honra-me muito pertencer aos “Reinocos” por parte da minha avó materna, e aos “Lérias” por parte do meu avô paterno. Principalmente destes últimos lembro o terrível mau génio, mas principalmente a honestidade, o sentido de justiça e sobretudo um coração do tamanho do mundo. Uma parte grande do que sou, devo-o a eles!
M.L. Ferreira