terça-feira, 2 de maio de 2017

Viva a República!

Naqueles dias…
Depois da fracassada revolução republicana do Porto de 1891, um grupo de estudantes da universidade de Coimbra, alguns anos mais tarde, organiza uma sociedade secreta. Tinham como objetivo o derrube da monarquia.
Estávamos no fatídico ano de 1895 (extinção do concelho de São Vicente da Beira).
O ultimato inglês gerou uma onda de descontentamento nacional, nascia assim uma férrea vontade de destruir o regime monárquico
Os “conspiradores” reuniam-se em Lisboa nos subterrâneos de uma casa.
Peripécias atrás de … nasceu a Carbonária Lusitana chefiada pelo jornalista José Nunes. Outras apareceram como a Carbonária dos Anarquistas…
À medida que o tempo passava, os frutos maceravam lentamente, a chama da implantação republicana não esmorecia e assim, no dia 1 de Fevereiro do ano 1908, o rei Dom Carlos e sua família atravessavam num landau o Terreiro do Paço, vindos do paço ducal de Vila Viçosa, e aconteceu o regicídio.
Na história da monarquia portuguesa nunca tal tinha acontecido. O monarca é assassinado e o seu filho primogénito Dom Luís Filipe morre também. Dom Manuel escapa, assim como sua mãe rainha Dona Amélia,
Dom Manuel II, sem grande experiência governativa, ainda aguentou o leme dois anos até que, no dia 5 de Outubro de 1910, se dá a queda da realeza em Portugal. O rei é desterrado, é implantada a república
Como relataram dois jornalistas espanhóis, Augusto Vivero e Antonio de la Villa, que acompanharam os revoltosos: “la revoluciôn más hermosa que registra la Historia”.
Industria, comércio, agricultura, nada… Um povo de analfabetos; pobres, muitos; nobres, bastantes. Só muda a primeira letra. Estradas, poucas e abandonadas, os bufos eram aos montões…
Ao contrário de Abril, onde o povo anónimo saiu à rua em massa, no 5 de Outubro, os  entrincheirados na Rotunda não eram muitos, mesmo poucos havia algo que os norteava, a fé em dias melhores.
João Franco era o ministro todo-poderoso do monarca Dom Carlos, o povo detestava o rei. Os aditamentos à casa real… Hoje são licenciaturas atribuídas sabe Deus como.
João Franco, com o parlamento fechado, publica um decreto (30 Agosto 1907) que liquida as dívidas do rei e aumenta-lhe a sua lista civil. Dom Carlos, que um dia chamou piolheira à sua nação, não teve pejo em assinar essa medida, talvez tenha sido a causa principal da sua morte. (Pesquisa: História Contemporânea de Portugal. Amigos do Livro, editores)
Adiante. A república triunfou, o rico lavrador de Alpiarça José Relvas proclama do alto da varanda da câmara municipal lisboeta o triunfo dos republicanos comandados por Machado dos Santos. Dom Manuel II e sua família embarcam na Ericeira rumo ao exílio.
O povo, com rei ou sem rei, amocha carregadinho de impostos. Os talassas, vira casacas, adesivos, passaram para o lado dos vencedores. Ontem como hoje…

Deixemos a História e vamos ao tema que me fez escrever tudo isto.
Naquele tempo, o pobre povo viu acender-se uma luzinha ao fundo do túnel, os conservadores não desarmavam, no mundo rural os caciques seguidores do miguelismo imperavam.
 Nas revoluções há os que ganham e os que não ganham, os simpatizantes e os não simpatizantes da nova ordem.
Silvares era uma aldeia pacata encravada nas faldas da Estrela, terra pobre, atravessada pelo Zêzere, nas suas margens havia bons nateiros onde se criavam milheirais e outros mimos, muitos trabalhavam nas minas, o povo crente enchia a igreja para assistir aos ofícios divinos, o pároco nesse tempo chamava-se José Lopes da Assunção, natural de São Vicente da Beira.
Homem possante, corajoso, alto e forte, amiudadamente frequentava uma taberna onde cavaqueava e bebia um copo ou dois de vinho. Num canto sentado num banco corrido encontrava-se um aldeão simpatizante da causa republicana.
A revolução estava fresca, padre Lopes, monárquico, não comungava os ideais liberais republicanos. Certo dia, entrou na baiuca, aproximou-se do balcão e entabulou conversa com o dono do estabelecimento.
Com um grão na asa, o aldeão grita bem alto:
- “Viva a República”. Padre Lopes voltou-se para ele, fuzilando-o com os olhos e nada mais fez.
No dia seguinte, a história repetiu-se, engoliu em seco e saiu.
Passaram alguns dias; o padre entra novamente na taberna, sentado no banco corrido, o mesmo personagem:
 - “Viva a República”.
O senhor prior aproxima-se, segura-o pelas golas do casaco, levanta-o no ar ergueu-o batendo-lhe com a cabeça “três vezes” nos caibros enegrecidos pelo tempo. Quando o largou, de frente para ele, disse:
            - Diz lá outa vez “Viva a República”.
O aldeão levantou-se meio cambaleante e saiu. Nunca mais o desafiou.
O padre Lopes viveu os últimos anos na vila, a sua casa situa-se na Rua da Cruz. Faleceu no dia 14 de Março do ano 1964, com 79 anos.
O povo de Silvares deslocou-se em peso a São Vicente da Beira, para assistir ao seu funeral, durante alguns anos vinham em romagem visitar sua campa.

Os que bebem para falar, por vezes apanham para se calarem.


J.M.S

8 comentários:

Anônimo disse...

Tempos atribulados, os do final da monarquia e princípio da república! Talvez por isso, pelo menos no meu tempo de escola, pouco se falava dessa parte da nossa História. Mas tivemos aqui uma boa lição!
Quanto ao Padre Zé Lopes, parece que tinha as mesmas fragilidades que o comum dos mortais, e oxalá as aqui reveladas fossem as únicas…

M. L. Ferreira

Anônimo disse...

Tão conservadora que era a nossa elite!
E habituada a dar porrada (ou a marginalizar, o que por vezes é pior), quem não comungava das mesmas ideias.

Anônimo disse...

O "Botequim do Gonzaga" situado na Praça do Rossio inaugurado nos meados do século XIX, era assim que se chamava, passando para café Freitas e mais tarde Café do Gelo, foi nestas quatro paredes que se organizou e daqui saíram Alfredo Costa e Manuel Buiça para o Terreiro do Paço afim de cometerem o atentado à Família Real.
Nos anos 50 passou a chamar-se "Café Gelo" e também foi nestas quatro paredes que se fizeram muitas Tertúlias contra o Estado Novo, o proprietário foi pela PIDE proibido de receber o Grupo.
Já no meu tempo este café entrara em decadência mas lembro-me com outro nome e a actividade de Fast-Food "Abracadabra" uma Hamburgueria e onde fui cliente alguma vezes.
Hoje remodelado e recuperado velho nome "Café Gelo".
Um Local com História, Fim da Monarquia, da Ditadura...
Jaime da Gama

Anônimo disse...

Muita informação e interessante. O João Franco era beirão (do Alcaide, Fundão). Como não tinha mais nada para fazer para além de aumentar a lista civil do rei, entreteve-se a acabar com os concelhos da sua região. Com amigos destes!...
O rei D. Carlos ficou conhecido como "o rei artista". Parece que até pintava bem. Mas quanto à governação, era um embecil qualquer, que nasceu rei. E talvez maior imbecil que ele terá sido o rei D. José! Chegaram ao mundo e tinham, certamente para seu próprio espanto, um trono dourado à espera! E a monarquia é isto!
Não é a primeira vez que aqui o digo: a forma de governo monárquico, na minha opinião, mesmo modernamente, é uma aberração! E, curiosamente, é na Europa, que traçou a modernidade ocidental, a partir da Grécia Antiga, onde persistem mais regimes monárquicos!
Quanto aos vira casacas, vejam o cartão da PIDE do Sr. Cavaco Silva no Google. Na Torre do Tombo está a ficha de inscrição que preencheu naquela polícia). E sobre isto, estamos conversados.
Fui muitas vezes à missa do padre José Lopes no cimo de vila, numa sala, em casa dele. Íamos lá vários (acho que era no sábado ou no domingo de manhã) e ficávamos com o nosso dever cumprido. Tirando algumas honrosas exceções (em missionários seriam ainda mais), os padres sempre representaram a ala conservadora do país. E o padre Zé Lopes, para mais, no seu tempo, não podia fugir à regra.
Abraços.
ZB






José Teodoro Prata disse...

Alguém disse (não me lembro quem) que "...eu sou eu e as minhas circunstâncias".
O Pe. José Lopes era um homem do seu tempo. Com raríssimas exceções, todos os poderosos eram iguais (no passado, um padre era um poderoso, quer pelas suas origens familiares, quer pela aliança da Igreja com os poderes instituídos, nacionais, regionais ou locais).
Por mim, tudo bem. Pelos molhos de mato que roubei no pinhal da sr.ª Maria José Afonso e pelo loureiro para o Domingo de Ramos que ela dava à minha mãe, estamos quites.

Anônimo disse...

Quando vinha de férias do seminário uma das minhas tarefas era ajudar à missa fosse na igreja "padre Tomaz" ou neste caso na "capela" improvisada do padre José Lopes.
Finda a sagrada função subia as escadas da sua casa entrava na sala que ostenta a varanda e conversava-mos
Certa vez ofereceu-me um livro que se intitulava "O Continente Americano em Chamas" Julgo que era assim que se chamava. Não sei o caminho que levou...
Há: dava-me vinte e cinco tostões cada vez que ajudava à missa.
J.M.S

Anônimo disse...

Aproveito só para dizer que foi o filósodo espanhol Ortega a Gasset quem disse: "Eu, sou eu e as minhas circunstâncias". Proposição que não se serve apenas do ser, em si mesmo, para o definir. Alarga-se às suas circuntâncias, saindo de uma certa pureza (ontológica) anterior. É curiosa por isso e encerra uma certa dinâmica, por ser uma constatação prática. Já que as circunstâncias nunca deixam de estar presentes na vida, desde o nascimento à morte de tal ser, influenciando-a. É como se as suas circunstâncias fizessem parte dele.
As malditas gralhas não nos largam. No comentário anterior escrevi "embecil" e depois "imbecil". É esta última que etá certa.
Abraços.
ZB

Anônimo disse...

Tantas informações interessantes! Mas fico-me por uma história que me contaram há tempos sobre o casal Maria José Afonso e marido (não me recordo do nome) de que me lembrei a propósito dos molhos de mato roubados à família pelo José Teodoro: Ela era do Vale de Figueiras e parece que lhe fizeram o casamento com este rapaz da Vila que seria filho de gente com algumas posses. No dia do casamento, já noite, ainda estavam os convidados todos sentados à mesa, levanta-se o noivo e despede-se assim: «Fiquem bem que eu tenho que ir para a cama, que amanhã tenho que me levantar cedo para ir ao mato». Devia ser uso, naquele tempo…
Quanto à frase «…eu sou eu e…» acho que é do Ortega y Gasset. Lembro-me bem dela porque tive que a comentar num exame há muitos anos. Na altura nem lhe encontrava grande sentido, mas com o tempo fui aprendendo. Até por isto ela é verdadeira.

M. L. Ferreira