quarta-feira, 24 de maio de 2017

Ex votos

Todos nós somos de uma maneira ou outra, religiosos. Mais não seja crermos na ciência humana. Os partidários do agnosticismo não crêem naquilo que não vêm, o intangível. Apesar de aparentemente não acreditarem na existência de um Ser criador de todas as coisas, crêem na ciência. São Tomé só acreditou quando viu o Mestre.
         Ao contrário dos agnósticos, os ateus não seguem qualquer religião; para eles, Deus não existe, em contrapartida, há os que acreditam numa divindade.
Católicos, muçulmanos, judeus, adoram um Deus único. “Latria”. Há povos que aceitam vários deuses.
Os católicos muitas vezes “negoceiam” com a divindade oferecendo contrapartidas pela graça recebida; podem ser velas, dinheiro, ex votos…
Quem numa hora difícil nunca pronunciou a palavra Deus? Valha-me Deus, Deus nos valha, Deus nos acuda…
A igreja da Misericórdia, dedicada ao Senhor Santo Cristo, guarda umas largas dezenas de ex votos, formas de agradecimento por graças alcançadas. Nela figuram dois belos quadros: um oferecido pelo visconde de Tinalhas e o outro pela família Robles Monteiro.
A maioria representa órgãos do corpo humano feitos em cera: braços, pernas, corações… Cada figuração representa a cura daquele órgão figurado.
Também se encontram figurações humanas completas, representam crianças que foram curadas dos seus males. A criança manifesta a dor através do choro, mas não consegue dizer qual o órgão afectado, então os progenitores oferecem à divindade uma figura humana.
Seja na igreja do Senhor Santo Cristo ou no santuário da Senhora da Orada, todos os objectos ex votos estão dependurados nos locais mais nobres do templo.
Na igreja da Misericórdia existe um divisa militar oferta de alguém que foi para a guerra e voltou são e salvo. Também se exibe um grande cirio.
Esta fé em algo que nos transcende já acontecia nos santuários da antiga Grécia. Os nossos reis, em alturas de aflição, agradeciam a Deus, através da construção de grandes monumentos: Real Convento de Mafra, Mosteiro da Batalha… No nosso tempo, ainda há muitos crentes que continuam a oferecer à divindade da sua devoção peças votivas.
Em Santuários como Fátima, Aires, Senhora da Póvoa, existem expostos em lugar apropriado peças de roupa, fotografias, ourivesaria e todo o género de recordações.
         Nos grandes ou pequenos santuários, como da Senhora da Orada, em dias de romaria, os crentes exibem velas acesas como agradecimento. Não se perpetuam no tempo. Enquanto dura a cerimónia, a súplica, o pedido ou o agradecimento pela graça recebida, as velas alumiam, é a forma de pagamento pela graça que a divindade concedeu.
Tudo isto está enraizado nos cultos de raiz popular.    
O Homem, ser finito, pelas suas fragilidades e dores, é limitado. Por isso tem necessidade de recorrer à acção benevolente dos santos, eles são os mediadores entre Deus e o Homem. Estas situações acontecem quase sempre quando a esperança na ciência se esgotou, voltando-se a pessoa para o além, para conseguir o milagre, por intercessão do santo a que se recorre.
A principal razão da existência dos ex votos é a gratidão pela graça concedida, mas para isso o pedido tem que ser acompanhado de muita fé. Porque a fé, nas obras se vê.

J.M.S





M. L. Ferreira

5 comentários:

Anônimo disse...


O assunto requer uma abordagem que aqui não se pode fazer. Por isso vou ser breve.
1 - Apenas por via racional não se pode provar a existência de Deus.
2 – Mas também não se pode provar que Deus não existe.
3 – A razão e a lógica são as bases da ciência que, contudo, não nos dá as respostas mais importantes que queremos.
4 – No entanto, os que se manifestam apenas na fé podem cair na crendice ou tornar-se doentes fanáticos. Pense-se nos que andam a cometer atos de terrorismo, matando dezenas de inocentes; ou pense-se na Inquisição.
5 – Por isso, alguns autores chamam loucos aos crentes. Veja-se o que escreveu, a este propósito, o filósofo romeno Emil Cioran.
6 – Mas a fé é a única forma de resolver o problema das nossas inquietações. Pelo menos para os crentes.
7 - Todavia, como se vê, tem que ser uma fé esclarecida pela razão.
8 – Temos, por isso, aqui, um elemento irracional (fé) e um elemento racional (razão) que não podem dissociar-se.
9 – Ora, a fé, sendo um elemento irracional, não pode, por isso, ser explicada ao outro. Apenas pode ser vivida pelo próprio.
10 – Mas é a única forma de chegar à verdade, ainda que esta seja uma verdade subjetiva, válida apenas para o crente.
11 – Deixem-me acabar dizendo que, mesmo com fé, todos podemos ter dúvidas, às vezes, perante tantas atrocidades que vemos. Por isso se recita aquela oração: “Meu Deus eu creio em Vós, mas aumentai a minha fé”!
Abraços.
ZB

Anônimo disse...

Quando falha a ciência, que remédio senão voltarmo-nos para o sobrenatural! Se ainda hoje é assim, que dizer de um tempo em que a medicina não estava acessível a toda a gente, as populações viviam muito isoladas e a vida das pessoas era orientada essencialmente pela religião. O que chegou até nós de ex votos é bem a prova disto.
Quando entro numa igreja, capela ou museu que tenham expostos ex votos, sobretudo pinturas, demoro-me sempre algum tempo a olhar os quadros e a ler as inscrições. Acho que o tipo de pintura e a referência à graça alcançada nos revelam imenso sobre a mentalidade da época em que foram feitos e a condição social da pessoa que recebeu a graça.
Parece que a região da Beiras é muito rica neste tipo de manifestações. Vi uma exposição bastante rica num museu de Pinhel e na capela da Senhora do Almurtão também há uma coleção muito interessante. Na nossa Igreja da Misericórdia ainda existem dois quadros, como refere o J.M. S. Consta que terão existido outros, mas, ou foram destruídos, como parece que aconteceu um pouco por toda a parte por não serem muito valorizados, ou foram vendidos, como aconteceu com outra obras de arte sacra que por cá existiam.
Nos dois quadros que restam, embora se veja que foram oferecidos por famílias de estatuto social elevado, nota-se, pelo mobiliário do quarto e vestuário dos presentes, que há alguma diferença entre a família do visconde de Tinalhas e a dos Ribeiro Robles (ou eu me engano, ou o ex voto da família Ribeiro Robles é por um irmão da Josefa cujo registo de batismo foi deixado aqui há dias…).

M. L. Ferreira

Anônimo disse...

Os mais novos nunca viram as imagens cobertas de notas, os mais velhos lembram-se muito bem dessas práticas religiosas. As varas do palio eram leiloadas, os andores idem.
Os bispos tiveram que por cobro a estas manifestações de fé popular, tradições arreigadas pelas pessoas
Não podemos nem devemos criticar estes actos, falácia! alienação!não
Naquela época a religião era assim mesmo, tradicional
A maioria dos prelados não concordam que os peregrinos ao entrarem num santuário andem de joelhos. Proibir! não. A pessoa que dá a volta à capela de joelhos lá terá as sua razões, a sua fé
O problema está no culto que se presta à divindade, o crente ajoelha e adora a imagem quando só Deus deve ser adorado. Maria mãe de Jesus deve ser respeitada, venerada, hiperdulia se chama ao culto dado a Nossa Senhora. E os santos! Devem ser honrados e recordados pelas acções que praticaram neste mundo mas nunca adorados,é a chamada dulia.
Uma vez estava na Guarda a participar numa actividade organizada pela diocese e a certa altura o padre prelector contou o seguinte episódio:
-Certo dia fui convidado por uma comissão de festas de uma aldeia próxima da Guarda para ir fazer um sermão
Quando a procissão chegou à igreja subi ao púlpito e esperei que as pessoas entrassem todas no templo
À medida que iam entrando subiam a coxia com as velas acesas chegavam às paredes do altar-mor encostavam o pavio às pedras enegrecidas, cheias de cera, apagando-as desta maneira
Ficou pasmado, ao mesmo tempo interrogava-se o porque daquela atitude. Quando começou o sermão as primeiras palavras que dirigiu à comunidade forem precisamente o porque de tal gesto, se não seria mais fácil e limpo ao entrarem na igreja soprarem a vela...
No meio da assembleia surge um voz que respondeu:-senhor padre; já os nossos pais e os nossos avós assim fizeram, nós queremos manter a tradição
O papa Francisco na sua deslocação ao santuário de Fátima a certa altura disse que não se deve transformar Maria mãe de Jesus numa santinha a quem se recorre nas horas de aflição
Se me concederes, ofereço...
P.S:-Este ano a romaria da Senhora da Orada é no próximo domingo dia 28. No domingo passado uma pessoa que encontrei na fonte pensava que a romaria era naquele dia. É sempre no quarto domingo de Maio.
Fiquem bem
J.M.S

Anônimo disse...

Isto nunca está acabado! Lembrei-me daquelas histórias, bem reais, que contam muitas testemunhas oculares dos acontecimentos da II Guerra Mundial (algumas ainda vivas). Perante as atrocidades inimagináveis que ante os seus olhos se deparavam, uns diziam: "Deus não pode existir, pois, se existisse, não poderia consentir em tanto sofrimento!" Outros, diziam: "Deus tem que existir porque tamanhos crimes, um dia, têm que ter alguma forma de castigo!"
O que é bem demonstrativo da diferente perceção interior (subjetiva) de crentes e não crentes perantes os mesmos factos. Sendo certo que qualquer destas perpectivas ou sensibilidades é igualmente válida. Então, daqui se pode concluir que nenhuma das partes deve impor à outra a sua forma de ver as coisas. Daí, também, que, com o ecumenismo, a tolerância seja um dos maiores bens que modernamente têm sido acolhido pelos homens que professam as várias religiões, no mundo. Infelizmente há exceções.
Abraços.
ZB

Anônimo disse...

JMS: a crença popular não tem problema nenhum, enquanto entendida como tal e deve ser respeitada. A tradição também faz parte da religiosidade. A Igreja recorre muitas vezes a ela para interpretar muitos dos textos bíblicos. E da simplicidade das pessoas não vem mal ao mundo. Disse-o no artigo sobre Fátima, quando escrevi: "Não podemos negar as experiências pessoais destes casos, se relatadas por pessoas idóneas e de boa fé...".
Ao falar em crendice, procuro referir-me ao cuidado que a própria Igreja deve ter quando oficializa os fenómenos religiosos. A crença popular é rica e abundante e levou ao aparecimento de muitos lugares santos e marianos que não se sabe se foram, pelo menos, tão escrutinados como o de Fátima. Seja qual for o valor desse escrutínio. Por exemplo, segundo julgo saber, a santa Maria Adelaide, nem sequer é aceite pela Igreja. Porque acho que se passa ali um fenómeno - incorruptibilidade do corpo humano - que pode ser explicado quando se estuda Medicina Legal. Mas o povo continua a ir lá em romagem. Agora também se diz que em Medjugorje (Bósnia-Herzegovina) aparece a Virgem Maria. É só ir à net e ver! Ora, claro, cá está a crença a funcionar. Todavia, pior que isso, era o Papa vender indulgências que, entre outras coisas, levou à Reforma de Lutero. Isso sim, dividiu a Igreja. E é preciso procurar credibilizá-la. Apesar dos seus erros.
Abraços.
ZB