terça-feira, 18 de junho de 2019

Sedas e veludos do avesso

 

Visitei há pouco tempo, pela primeira vez, o Palácio da Ajuda. É preciso ir lá para ver a riqueza do mobiliário, das pinturas, das tapeçarias, lustres e toda a decoração daquela casa que foi residência do rei D. Luís I e sua mulher, Maria Pia de Sabóia.
Parece que tanta opulência de deveu, em grande parte, ao bom gosto da rainha, uma princesa italiana educada numa das melhores casas reais daquele tempo, mas também ao facto de ela ser uma gastadora compulsiva, conhecida em várias capitais europeias pelos seus luxos e extravagâncias: vestido ou chapéu que ela usasse, ditava moda nas melhores casas de Paris.
Num tempo em que o Brasil já se tornara independente e os cofres do reino estavam a esvaziar-se, tantos gastos eram mal vistos e preocupavam o governo, mas nem o rei, mais comedido, conseguia contrariar-lhe os exageros.
Uma das maravilhas do palácio é a sua localização. Construído no cimo de uma das sete colinas de Lisboa, após o incêndio da “Real Barraca” que albergou a família real depois do terramoto de 1755, tem uma vista privilegiada sobre o Tejo. Para além das vistas, pelas enormes janelas entra-lhe em abundância a famosa luz de Lisboa, desde o nascer ao pôr do sol. Mas janelas de belas vistas podem também trazer dissabores, como se constatou por alturas do casamento de D. Carlos, o filho mais velho de D. Luís e sua mulher, Maria Pia.
Um casamento real implicava grandes gastos, principalmente com as festas e receções aos convidados das várias casas reais europeias. Mas o dinheiro era pouco e, para as obras de remodelação da Ajuda e das Necessidades, onde esses eventos iam acontecer, o governo disponibilizou apenas vinte contos. Pelos cálculos do rei, tão hábil a fazer contas de cabeça que deixava toda a gente de boca aberta, rapidamente se concluiu que essa verba não chegava nem para um dos palácios. Só para mudar as sedas, damascos e veludos dos cortinados e reposteiros da Ajuda, já muito desbotados pelo sol, eram precisos alguns quatro contos de réis.      
Foi então que a Marquesa de Benfeita, responsável por essa parte da remodelação, teve uma ideia brilhante: «E se virássemos do avesso as sedas e veludos da Sala do Trono?». Experimentaram e resultou, para alívio de D. Luís.

M. L. Ferreira

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