quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Discriminações

 

A ideia trazida já várias vezes pelo José Barroso de que existe uma Igreja boa, defensora dos direitos dos mais fracos, e outra má, discriminatória, opressiva, que está quase sempre do lado dos ricos e poderosos, merece algum consenso. Mas infelizmente, salvo algumas exceções que seguramente terão existido, as experiências que tivemos ao longo dos anos, com os párocos da nossa terra, não ajudaram a criar uma imagem muito positiva dos representantes oficiais da Igreja.

Tenho andado a recolher alguns dados nos registos paroquiais da freguesia de SVB, e, algumas vezes de forma subtil, nota-se bem a diferença de tratamento consoante os pais do batizado ou os noivos sejam gente pobre (João, filho de Manuel Antunes e sua mulher Josefa Leitoa) ou gente rica e influente (Gonçalo, filho do Excelentíssimo Francisco Caldeira Leitão de Brito Moniz Albuquerque e sua esposa Dona Inês Caetana de Morais Sarmento de Andrade). Este é um caso, entre muitos.

Mas há outros exemplos, bem mais explícitos, como o registo de batismo de uma menina que nasceu no dia três de janeiro de 1758. Para além de outras informações interessantes que nos dá, o facto de o padre José Pegado de Sequeira se referir aos pais da criança como “vagabundos estrangeiros” (fim da segunda linha e princípio da terceira) diz bem da forma como, entre nós, eram olhadas as minorias, os estrangeiros e os pobres.

Esta ideia é ainda mais perversa por vir de uma pessoa que, pela sua instrução e pelo papel e influência que teria na comunidade, tinha obrigação de semear outro tipo de mensagem. Não é difícil perceber que atitudes como esta terão contribuído para a dificuldade de determinadas comunidades se integrarem nos vários países onde decidem viver, e que persistem ainda.

E o pior é que, apesar da evolução dos valores que orientam as sociedades atuais, ainda há reminiscências desses outros, que muitos repudiamos. Quando oiço um determinado deputado da nossa Assembleia da República, nem é aquilo que diz que me indigna mais. O que me perturba é que imagino algumas pessoas que conheço a acenarem com a cabeça, em sinal de apoio às ideias que defende. E sinto que é um insulto à Democracia.   

M. L. Ferreira

5 comentários:

Anônimo disse...

Sobre a questão eis a seguinte explicação: a imagem de Cristo para os crentes é o símbolo da perfeição, para nós inatingível pela nossa humana condição. É assim como a linha do horizonte sobre o Ingarnal. Pensar que os Padres são mais crentes que os outros crentes… é aí que está o mal. O que demonstra a história da Igreja é a incomensurável fragilidade da maioria dos seus representantes e há um fator de peso para isso. O poder sempre os aliciou com a fartura, o conforto e o próprio poder. E a maioria não conseguiu resistir. E tanto assim foi e é, que houve um período em que até a realeza se lhe agachava.
Os grandes heróis nessa história (não só da Igreja) são os Santos, que nunca deixaram perseguir o horizonte. Do cimo do Ingarnal, rumaram à Serra do Muradal e a outros horizontes de Portugal e do mundo inteiro. E é por isso que tanto os admiramos. Essa é que é essa.
Abraço do Francisco

José Barroso disse...

O ideal do Cristianismo é o Amor; sobretudo o amor ao outro. E isso implica um desinteresse material de que quase ninguém consegue superar. Basta lembrar o seguinte passo dos Evangelhos: na rua um transeunte diz a Jesus de Nazaré (cito de memória): "Mestre, eu cumpro tudo o que mandam os preceitos da Lei; o que hei de fazer mais para entrar no teu Reino?" Resposta: "Dá tudo o que aos pobres e segue-me". Os discípulos do Mestre ao ouvirem isto pertubaram-se muito e perguntavam entre si: "Em verdade, quem poderá salvar-se?".
Tão difícil era cumprir o dizia o Mestre!
É claro que os textos bíblicos não podem ser interpretados apenas a partir de um versículo sem o cortejar com o todo. Em todo o caso, há poucos de nós a dedicarem aos outros de forma totalmente desinteressada. E é justamente por isso que desde sempre a admirei os Missionários. Eles são dos poucos que trabalham apenas a pensar no próximo. Muito menos os chefes políticos por muito humanistas que sejam; para não falar já no tal deputado a que se refere a Libânia.
Também por isso, por mor do interesse, é que vemos a Igreja
Oficial muitas vezes ao lado dos ricos (e cheia de todos os preconceitos que isso implica, como acontecia com os párocos de aldeia); e, simultaneamente, a Igreja Popular (Missionária), essa sim, ao lado dos pobres.
Felizmente, os tempos na Igreja Católica mudaram muito. O Papa Francisco, se atendermos ao seu pensamento (exemplar será "Tutti Fratelli", que ainda não li) e prática pastoral, julgo que haverá esperança.
Abraços, hã!
JB


José Teodoro Prata disse...

Cá estamos nós a querer uma Igreja perfeita num Mundo imperfeito (pensarão que é para isso que ela serve...).
O Pe. José Pegado de Sequeira foi um homem do seu tempo, tal como os jesuítas do Brasil que protegiam os naturais (índios) da escravidão, mas aceitavam e até tinham escravos africanos.
Uma das coisas que mais me chocou nos últimos anos foi saber que a casa de Bragança (a família real) tinha ainda no século XVIII, junto ao palácio ducal de Vila Viçosa, escravos africanos bem constituídos fisicamente como machos reprodutores, para ela e outros proprietários de escravos levarem periodicamente as escravas a "acasalar", a fim de terem filhos fortes para lhes renderem bom dinheiro na venda.
É verdade que por esses anos se dá a revolução francesa, pautada pelos valores da liberdade, igualdade e fraternidade e que por um breve período os franceses até aboliram a escravatura nos seus domínios coloniais. Mas Portugal não era a França e os nossos reis do século XVIII (João V, José I e Maria I), embora profundamente beatos (D. João e D. Maria), não seriam exemplos de humanidade.
Isto é: há que louvar os homens que em todos os tempos não se resignaram a assobiar para o lado, mas ter cuidado a julgar o passado com os valores do presente.
Nota: o Cristianismo afirmou-se na Antiguidade como uma religião revolucionária por se basear na igualdade e no amor. Por isso podem bater na minha tese com alguma razão.

M. L. Ferreira disse...


Mesmo contextualizando estes fenómenos nas mentalidades do seu tempo, não é difícil encontrar muitas incoerências nos comportamentos daqueles que diziam agir em nome da Igreja. E lembro-me muitas vezes dos Reis Católicos, que tanto perseguiram os judeus, ao mesmo tempo que se aproveitavam do dinheiro deles para financiar a guerra contra os Muçulmanos que ainda ocupavam o sul da Península Ibérica.
E a propósito de discriminações, num programa de rádio que gosto de ouvir aos sábados na TSF (hoje foi sobre as mulheres ciganas), uma das participantes lembrava que até há relativamente pouco tempo (muitos ainda nos lembramos), não era permitido aos ciganos permanecerem no mesmo lugar para além de um certo número de dias, o que, entre outras coisas, os impedia de ir à escola e de ter um trabalho regular. A consequência desta situação era a dificuldade em integrarem-se na comunidade, que ainda não foi vencida.
Às vezes sinto que sou uma privilegiada por ter nascido num tempo em que tantas coisas boas aconteceram no mundo; e a principal foi a mudança de mentalidades, apesar das atitudes preconceituosas dirigidas principalmente contra os mais fracos.

José Teodoro Prata disse...

Já nem me lembrava desta perseguição do Estado Novo aos ciganos. Vai demorar décadas a inseri-los na sociedade (muitos já estão, mas os mais pobres continuam a marginalizar-se e a serem marginalizados).
Nas escolas é quase um esforço inglório, ainda por cima por que eles teme a aculturação que a escola provoca, temem perder a sua identidade. A verdade é que eles não têm quase nenhuma.
Muito do que nós (e eles) julgamos ser cultura cigana (meninas não conviverem com rapazes de fora, meninas não cortarem os cabelos, luto até à morte, cuspir para o chão, falar alto em público, forte laços da comunidade, casamentos combinados pelos pais desde cedo, casamentos das meninas na puberdade...) não passa do que nós éramos há 70/100 anos. Eles são o espelho em que nos podemos ver no passado.
Achamos que eles são muito unidos e sabem o que querem, mas eu acho-os perdidos. Por exemplo, as comunidades decidiram que as crianças faltavam à escolas para se protegerem da covid (só faltaram os que obedecem às decisões da comunidade). Faltaram no 1.º período, mas vieram agora, no pico dos problemas...