segunda-feira, 20 de junho de 2022

O mal já vem de longe...

 A propósito do lamento da falta de investimentos na nossa terra, de que muitas vezes nos lamentamos, partilho este documento que encontrei há tempos no Livro de Registos de Leis e Ordens do Concelho de São Vicente da Beira:

Trata-se de uma Provisão da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, na qual o Rei D. João VI manda ao Juiz de Fora de São Vicente que averigúe o número e natureza de todas as fábricas existentes neste distrito(?) e a comunique, com a maior brevidade, à mesma Real Junta. Este procedimento deveria ser feito anualmente.

Relevante, a justificar um pouco a situação atual, é a nota do escrivão Bernardo António Robles (na margem à esquerda do documento, quase ao fundo), onde me parece ver que, na resposta, se terá dito que não existia qualquer fábrica neste distrito.

Pelos vistos o mal já vem de longe…

 

M. L. Ferreira 

3 comentários:

José Barroso disse...

Pois... como dizia, há anos, um spot poblicitário a uma bebida branca, "a fama já vem de longe"!
Eu até acho que este tema é um verdadeiro quebra-cabeças para nós e outros vicentinos que gostam de discutir o assunto!
Porque, se dizemos que as comunidades, por norma, pegam nas riquezas de que dispõem e rentabizam-nas, não se compreende como é que não temos uma serração de madeira; e por que razão deixámos os lagares de azeite; ou não temos uma oficina de corte de pedra de granito; ou não temos uma queijaria, visto que o leite das nossas ovelhas vai fazer o "queijo da Soalheira"; e, sendo a nossa zona (Beira Baixa) a única no mundo (!) onde se faz "queijo queimoso", por que é que o leite da cabra vicentina vai (mais uma vez!) para o "queijo queimoso da Soalheira"! Salvou-se a água, vá lá.
Da mesma maneira, nos podemos interrogar por que é que nenhuma das profissões artesanais originou qualquer empresa (como, por exem., as confecções Dielmar); ficou tudo no Norte. Os têxteis de algodão percebe-se, porque os barcos vinham carregados das Américas para os portos do norte; mas nós tínhamos os lanifícios da Covilhã; podíamos bem ter confeções destes têxteis; e nada!
E quanto às fábricas de sapatos, porquê todas no Norte, se a matéria-prima tanto pode estar lá como cá? A maioria dos bovinos até está no Ribatejo e Alentejo! Há de haver muitas razões para tudo isto. Mas, vá lá a gente percebê-las!
Abraços, hã!
JB

M. L. Ferreira disse...

Ou não percebi bem, ou a nota na margem deste documento, sobre a informação prestada pelo Juiz de Fora, é um pouco estranha. No livro “O Concelho de São Vicente da Beira nos finais do Antigo Regime” o José Teodoro refere bastantes atividades industriais no nosso concelho, entre elas a produção de vários materiais a partir do sumagre, que eram utilizados na medicina, curtimento de peles e em tinturaria; a moagem de cereais em azenhas; vários lagares de azeite; cardagem e fiação de lã e linho; a existência da “filial” de uma fábrica de tecelagem da Covilhã, possivelmente situada no local a que ainda hoje chamamos “ A Fábrica”, para além da existência de vários artesão da mais diversas atividades. A Carta de Inspector das Amoreiras, passada a João António Robalo da Cunha Pinhately, em 1817, pode significar também que a cultura das amoreiras e indústria da seda teria alguma relevância em São Vicente. Será que nenhum dos locais onde se realizavam estas atividades eram considerados fábricas? Quem no-las dera cá agora!

Ah, e isto dos lamentos que lamentamos, é um bocadinho lamentável, mas acontece...

José Teodoro Prata disse...

Libânia:
Parece-me que a interpretação de indústria feita pelo escrivão Bernardo Ribeiro Robles foi demasiado restrita, pois havia lagares, tinturaria no Pelome, muito moinhos e azenhas...
A fábrica de panos existente na segunda metade desse século XVIII é natural que já tivesse fechado em 1817, pois a Real Fábrica de Panos da Covilhã, hoje Museu dos Lanifícios, beneficiou na sua criação e desenvolvimento do dinamismo imprimido ao fomento industrial pelo Marquês de Pombal, mas esse dinamismo esmoreceu no final do século, no tempo de D. Maria II, e por outro lado a fábrica da Covilhã, a que pertencia a existente em São Vicente, centralizou na Covilhã a produção que inicialmente dispersara pelas encostas da Gardunha, ficando os cardadores e fiadeiras de São Vicente a produzir fio para a fábrica da Covilhã. Por outro lado, as Invasões Francesas (1807-1812) e a ausência da Corte no Brasil (1807-1821) levaram à ruína económica do reino (a provisão aqui apresentada é da Junta do Comércio que a escreve em nome de D. João VI).