segunda-feira, 1 de maio de 2023

1.º de Maio

 https://www.youtube.com/watch?v=pixJHb4WR5s


Um café no Primeiro de Maio

O trabalho está quase todo escondido, para não perturbar a doçura do nosso prazer

Miguel Esteves Cardoso

(1 de Maio de 2023)

Não há prazer sem trabalho. O prazer é seu. O trabalho é dos outros.

Hoje é dia do trabalhador e o mínimo que pode fazer quem trabalha é pensar naqueles que trabalham mais e por menos dinheiro do que nós.

Não há prazer sem trabalho. O prazer é seu. O trabalho é dos outros.

O mínimo que se pode fazer é pensar que se está a trocar o nosso trabalho, na forma do dinheiro que pagamos por um serviço, pelo trabalho dos outros.

Mas quantos minutos de trabalho lhe custou esse café? E quantos minutos tem de trabalhar o empregado que lhe serviu esse café para ganhar a mesma quantia?

Quando bebemos um café no dia 1 de Maio, a primeira coisa que procuramos saber é "o que é que está aberto?" Ou, por outras palavras, "quem é que está a trabalhar? Quem é que não teve direito a feriado, neste dia do trabalhador?"

Os feriados foram uma conquista sindical. Os fins-de-semana foram uma conquista sindical. As semanas de 40 horas foram uma conquista sindical. E digo conquista no sentido mais medieval: muitas pessoas morreram, muitas pessoas levaram pancada, muitas pessoas passaram fome, muitas pessoas morreram desiludidas e fracassadas para poder conquistar essas horas e esses dias, que hoje encaramos como se fossem tão naturais como o nascer e o pôr-do-sol.

Quando bebemos um café no 1 de Maio, o mínimo que podemos fazer é perguntar "quem apanhou este café? Quanto receberam por esse trabalho? Em que país foi? Que protecção têm os trabalhadores nesse país? Há trabalho infantil? Do preço que paguei pelo café, quanto é que receberam as pessoas que apanharam, lavaram, secaram e transportaram o café?

O problema é que o trabalho está quase todo escondido, para não perturbar a doçura do nosso prazer com o amargo da culpa: o lucro do café é quase todo dos países sem café que importam o café por tuta-e-meia.

O trabalho atrás do nosso prazer é repetitivo e chato, mal pago e mal-agradecido.

O mínimo que podemos fazer é pensar nisso.

E reconhecê-lo.

José Teodoro Prata

4 comentários:

Anônimo disse...

De repente parecia-me que este Miguel Esteves Cardoso, que fala das conquistas sindicais, era militante do Partido Comunista! Ele, que sempre foi conservador e creio que chegou a ser candidato ao Parlamento Europeu pelo Partido Monárquico! Mas é isso! Às vezes esquecemo-nos que as vantagens (civilizacionais) que temos são o resultado de muita luta e até de muitas mortes de outras pessoas. Com efeito, antes da regulamentação do trabalho, os trabalhadores (onde se incluía o trabalho infantil),
chegavam a trabalhar 16 ou mais horas por dia! Uma escravidão! Ler uns textos de Alexis de Toqueville dessa época é do mais dramático que pode haver.
E isto só foi mudando muito lentamente! Mas é um mundo muito difícil, com interesses divergentes como é óbvio e, por isso, com negociações complicadas. E por vezes há exageros de parte a parte. Tanto se reconhece que há anda muitos salários baixos (Portugal); como já se chegou ao ponto de se alegar que a profissão de Cabeleireiro é uma profissão de risco (Grécia) com as consequências que isso tem ao nível das aposentações e da segura social.Quanto à questão do risco, é caso para perguntar onde cabem os trabalhadores de uma fábrica de químicos!
Em Portugal, o Direito do Trabalho protege tendencialmente o trabalhador. Mas é uma matéria em constante efervescência, segundo o governo do momento, dentro do quadro constitucional.
Abraços, hã!
J.Barroso

José Teodoro Prata disse...

Tive a mesma reação inicial. Isso mostra bem os tempos que vivemos. O capitalismo está numa fase de tal ganância que alguns conservadores de ontem parece agora comunistas. E não foram eles que mudaram. Basta ligar a televisão, em qualquer canal...

Anônimo disse...

ZT: acho pós-25abril74

Anônimo disse...

ZT: acho que seria interessante perguntar qual será a posição política mais correta? A que tínhamos a seguir à Revolução ou a que temos agora? Isto, caso tenhamos mudado de opinião. Recordo, por exemplo, o que disse Freitas do Amaral que, de fundador do CDS, chegou a ser ministro de um governo de Sócrates. Disse ele, nesta altura, que sempre teve a mesma posição de democrata moderado. Por isso, não foi ele quem mudou; o que mudou foi a perceção das pessoas sobre a política, os partidos, etc.
Penso que aconteceu a todos ou, pelo menos, a muitos, alguma mudança nesta matéria. Porque, como diria Ortega e Gasset, as circunstâncias também têm muita influência. Por isso, depois de passado o fervor revolucionário, e após assentar a poeira, penso que fomos encontrando uma posição mais bem pensada e, logicamente, mais madura e duradoura.
Pessoalmente, e sem qualquer presunção, acho que não mudei muito porque sempre me considerei um moderado; nunca aceitei o ateísmo oficial do marxismo ou a sua tendência para reduzir as pessoas a números; além disso, apesar de ter muitas críticas a fazer ao capitalismo, entendo que a teoria económica marxista, pese embora pareça atraente, na prática, também não está correta. Aliás, a Economia, sendo uma ciência social, nunca poderia ser uma ciência certa. Como pode Marx falar em socialismo científico?
Essa designação era apenas por oposição ao "socialismo utópico" de S. Simon, etc. Com as teorias fisicas modernas (como se pode aflorar em Karl Popper), nem já as ditas ciências exatas são ... certas. Diz este filósofo que o nosso saber é sempre conjuntural. Por outro lado, aceito a propriedade privada devido à relação psicológica que se pode estabelecer entre as pessoas e as coisas. Para além de que a exclusividade do uso é a melhor forma de rentabilizar os bens. Porém, sempre entendi que as coisas devem ser para o homem e não o homem para as coisas. Mas também entendo que o direito de propriedade não é, nem pode ser, absoluto.
Verifico ainda que todas as revoluções têm fases mais ou menos ideais e, depois de alguma euforia, começam a assentar melhor os pés na terra.
Tudo isto contribuiu para que me mantivesse mais ou menos dentro dos mesmos princípios moderados. Assunto muito vasto, a discutir.
Abraços, hã!
J. Barroso