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sábado, 3 de dezembro de 2011

Para o sol não o queimar

Voltemos a estas duas quadras da apanha da azeitona:

S´o meu amor fosse António
Ai solidão, solidão
Mandavó ingarrafar
Ai, ai, ai, ai, ai
Em garrafinhas de vidro
Ai solidão, solidão
Para o sol não o queimar
Ai, ai, ai, ai, ai

Não me namora teu ouro
Ai solidão, solidão
Nem a tua branquidão
Ai, ai, ai, ai, ai
Só me namora teus olhos
Ai solidão, solidão
Que tão fagueirinhos são
Ai, ai, ai, ai, ai

São bem antigas!
O ideal de beleza era a pele branca, o mais possível. As senhoras até usavam sombrinhas para não se bronzearem. Depois, cerca de 1930, a Coco Chanel, que então começava a ditar a moda, deixou-se dormir estendiada ao sol, numa praia (uma hábito novo, nesse tempo) e acordou bronzeada. E todos correram para as praias, para ficarem como ela. Até hoje.
Mas voltemos ao antes. Para as gentes do campo (mais de 90% da população das nossas aldeias) ter a pele branquinha era uma impossiblidade, privilégio das famílias dos grandes lavradores que não faziam trabalho ao sol. Por ser rara, diferente, era sinónimo de beleza e por isso desejada.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Os amores da azeitona...

Eram sobretudo canções de amor, estas da campanha da azeitona:

(Uma voz) Os amores da azeitona
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) São como os da cotovia
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Uma voz) Acabada a azeitona
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Vai-te com Deus ó Maria
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão - Coro)
Vai de lá ó Maria
Tudo é um bem querer
Está um ar amoroso
Não te posso ir a ver


S´o meu amor fosse António
Ai solidão, solidão
Mandavó ingarrafar
Ai, ai, ai, ai, ai
Em garrafinhas de vidro
Ai solidão, solidão
Para o sol não o queimar
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

O meu amor não me fala
Ai solidão, solidão
Tudo é que lhe fale eu
Ai, ai, ai, ai, ai
S´ele se leva no seu brio
Ai solidão, solidão
Também eu me levo no meu
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Meu amor se fores à missa
Ai solidão, solidão
Fica em sítio que te veja
Ai, ai, ai, ai, ai
Não faças andar meus olhos
Ai solidão, solidão
Em leilão pela Igreja
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Cantigas ao desafio
Ai solidão, solidão
Comigo ninguém mas cante
Ai, ai, ai, ai, ai
Eu tenho quem mas ensine
Ai solidão, solidão
Meu amor é estudante
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Sei um saco de cantigas
Ai solidão, solidão
Ainda mais um guardanapo
Ai, ai, ai, ai, ai
Se me fazes atentar
Ai solidão, solidão
Eu vou desatar o saco
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Não me namora teu ouro
Ai solidão, solidão
Nem a tua branquidão
Ai, ai, ai, ai, ai
Só me namora teus olhos
Ai solidão, solidão
Que tão fagueirinhos são
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Os olhos do meu amor
Ai solidão, solidão
São duas azeitoninhas pretas
Ai, ai, ai, ai, ai
Eles foram escolhidos
Ai solidão, solidão
No jardim das violetas
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Da janela do meu quarto
Ai solidão, solidão
Vejo a cama do meu sogro
Ai, ai, ai, ai, ai
Vejo o sogro, lembra-me o filho
Ai solidão, solidão
Pelo filho é qu´eu morro
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Da minha janela à tua
Ai solidão, solidão
É um salto duma cobra
Ai, ai, ai, ai, ai
Quem me dera já chamar
Ai solidão, solidão
À tua mãe minha sogra
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

A oliveira da serra
Ai solidão, solidão
Que azeitona pode dar
Ai, ai, ai, ai, ai
Dará uma, dará duas
Ai solidão, solidão
Dará três se carregar
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Se a oliveira a falasse
Ai solidão, solidão
Ela diria o que viu
Ai, ai, ai, ai, ai
Debaixo da sua rama
Ai solidão, solidão
Dois amantes encobriu
Ai, ai, ai, ai, ai

(…)

Além das lembradas pelos meus pais (António Teodoro e Maria da Luz), registadas pela minha irmã Isabel dos Santos Teodoro, incluí ainda as que o Ernesto Hipólito enviou para a publicação anterior.

domingo, 27 de novembro de 2011

Se a oliveira falasse…

Por volta de 1940, as terras de S. Vicente da Beira pertenciam, em grande parte, a três casas agrícolas: Casa Conde, Casa Cunha e Visconde de Tinalhas. Na altura da azeitona, contratavam camaradas para a colheita. Uma camarada era um grupo de homens e mulheres, dois homens por cada mulher, que colhia a azeitona para um médio ou grande agricultor, a troco de um décimo da produção: de cada dez alqueires de azeite, um alqueire (13,5 litros) era da camarada. No final da campanha (colheita), o azeite era distribuído por todos os membros.
Ao cantar do galo mais madrugador, às 5 horas da manhã, um homem da camarada ia à Praça tocar a corneta para que as mulheres se levantassem a fazer o almoço (pequeno almoço) aos seus homens: batatas ou feijão. Mais a merenda para um dia de trabalho.
Duas horas depois, confluíam para a Fonte Velha, chamados pelo toque do búzio da camarada, que partia depois em direção do seu olival, longe ou perto.
A colheita fazia-se a ritmo acelerado, pois tinham de colher azeitona suficiente para fazer o ordenado de cada membro da camarada. Os corpos magros e enregelados subiam e desciam escadas e as mulheres acorriam aos gritos de “Fato”. Os dedos frios das mulheres mal conseguiam catar as bolinhas negras no meio de ervas e terra. No início, o lume era mais fumo que fogo e uma passagem breve por lá apenas iludia o corpo.
Cantava-se para esquecer. Os homens desafiavam as camaradas que passavam ou andavam por perto. O diálogo gritado envolvia dois homens:

- Ó João, dá cá o podão!
- P´ra quê?
- P´ra malhar aqueles que além vão.
E torna-o cá a dar,
- P´ra quê?
- P´ra os tornar a malhar!


Os da outra camarada respondiam à letra:

- Ó João!
- O que é?
- Dá cá a navalha.
- P´ra quê?
- P´ra malhar aqueles canalhas.
E torna-a cá a dar.
- P´ra quê?
- P´ra os tornar a malhar!


As mulheres, alheias a estes rituais guerreiros, entoavam canções melodiosas com letras ligadas à tarefa que as ocupava:

(Uma voz) A oliveira da serra
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Que azeitona pode dar
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Uma voz) Dará uma, dará duas
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Dará três se carregar
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)
Vai de lá ó Maria
Tudo é um bem querer
Está um ar amoroso
Não te posso ir a ver


Se a oliveira a falasse
Ai solidão, solidão
Ela diria o que viu
Ai, ai, ai, ai, ai
Debaixo da sua rama
Ai solidão, solidão
Dois amantes encobriu
Ai, ai, ai, ai, ai

E continuavam com outras quadras…
Mas o ganho era sempre magro, mesmo com muito trabalho. Por isso, à passagem de algum rico ou na ida do patrão ao olival, colhia-se um ramo de oliveira e oferecia-se:

Tome lá este raminho
Da minha mão se oferece
Ainda não é tão delicado
Como o senhor o merece


Ou

Tome lá este raminho
Todo cheio de alegria
Onde vão meus cumprimentos
E de toda a companhia


A simpatia pagava-se com dinheiro, para terem vinho a acompanhar o jantar (almoço).
Se encontrassem duas folhas pegadas, aproveitavam para reforçar os laços. Um rapaz e uma rapariga pegavam cada um num lado e rasgavam-nas, dizendo:

(Um) - Como se chama o menino?
(Outro) - Raminho de bem querer.
(Davam um aperto de mão)
(Ambos) - Vamos ser compadres até morrer!

No último dia da colheita, faziam um jantar ou ceia com bacalhau, batatas e couves. O patrão dava o vinho e o azeite.
Depois iam ao lagar do patrão buscar a paga. E comiam uma taborna (tiborna): pão torrado embebido no azeite novo. O ganho era dividido por toda a camarada e corria-se à procura de mais trabalho, na esperança conseguir azeite para todo o ano.

Como habitualmente, nestas tradições mais antigas, baseei-me num trabalho escolar da minha irmã Maria Isabel dos Santos Teodoro. Ela ouviu-as da boca dos nossos pais António Teodoro e Maria da Luz (Prata).