quinta-feira, 7 de março de 2013

José Lourenço

Uma das personalidades de destaque na publicação "A Menina e o Poeta" é José Pires Lourenço, o poeta que adotou São Vicente como a sua terra e a quem os vicentinos retribuíram considerando-o o seu poeta.

José Pires Lourenço e sua esposa, Dona Palmira.
Foto cedida pelo Dr.º Lino.

Biografia:
- Nasceu na Póvoa da Atalaia, em 1891.
- Era filho de António Lourenço e Maria Vitória, naturais e residentes na Póvoa da Atalaia.
- Entre 1905 e 1909, trabalhou como ajudante de feitor agrícola, nas Zebras, em casa de Albano Caldeira.
- Aos 14 anos, a antologia «Poesias Selectas» revelou-lhe a paixão da sua vida: a poesia.
- Em 1920, casou com Palmira Ribeiro de Azevedo, natural de S. Vicente da Beira.
- De 1909 a 1926, viveu na Borralha, na casa mãe dos condes da Borralha.
- No ano de 1926, fixou-se em S. Vicente da Beira, como feitor da Casa Conde.
- Viveu na rua do Convento, em solar de 1888, construído no local do antigo convento das Religiosas Franciscanas.
- Foi poeta durante toda a vida, mesmo depois de cegar, em 1957. Ditava os versos ao filho António Lourenço Azevedo ou a quem lhos pedia. Reuniu a sua poesia em dois volumes que nunca publicou.
- Colaborou nos jornais «Voz do Santuário», «Beira Baixa» e «Pelourinho».
- Faleceu em S. Vicente da Beira, no ano de 1970. 

Lá por eu em São Vicente 
Não ser nado nem criado, 
Espero sinceramente
De ser aqui sepultado.


Solar construído no local do antigo convento e adquirido por José Lourenço à família Cunha. 

segunda-feira, 4 de março de 2013

Recordar a nossa Quaresma

A Quaresma e as festividades pascais eram os pontos altos da religiosidade cristã, em São Vicente da Beira. 
Entre a Quarta-Feira de Cinzas e a Missa da Aleluia, vivia-se em tristeza e sacrifício. Era no momento em que Deus se tornava igual a nós, homem e sofredor, que mais nos identificávamos com Ele. 
Abstínhamo-nos de distrações mundanas, num crescendo de concentração e privações. Fazíamos as ladainhas à noite, depois as novenas na Misericórdia, no passado mais longínquo em procissão à Senhora da Orada, e a Procissão dos Terceiros, a lembrar homens e mulheres que mais se haviam aproximado de Deus. E ainda os martírios e a encomendação das almas, para estarmos à altura do seu sofrimento, já anunciado na festa do Domingo de Ramos. 
Na Quinta-Feira Santa, Cristo fez-se o mais humilde dos homens e lavou os pés sujos dos seus discípulos. Depois um deles traiu-o e nenhum de nós queria ser esse judas. Da quinta para sexta, sofreu o que só Deus, seu pai, sabe. Na sexta à tarde colocaram-lhe uma cruz às costas e nós seguíamos atrás dele, para que não se sentisse abandonado. Na Fonte Velha, juntávamos ao cortejo a sua mãe e seu discípulo João, para melhor o reconfortar. E assistíamos à sua morte terrena, no calvário. Um manto de silêncio e tristeza abatia-se sobre a Vila. Nem os sinos soavam, substituídos pelas matracas. À noite, no escuro, fazíamos o seu enterro, em ambiente de consternação total, envoltos pelo toque choroso da marcha fúnebre da filarmónica e pelo canto triste da Verónica. 
E as nossas vidas ficavam em suspenso até sábado à noite, mesmo nos preparativos da Páscoa. E à meia-noite, quando o senhor Vigário proclamava a Aleluia, os fiéis explodiam de alegria, ao toque de campainhas e chocalhos, a festejar a ressurreição de Cristo. A festa prolongava-se pelo domingo e semanas seguintes, pois tão importante era sermos solidários com o seu sofrimento como alegrarmo-nos com a sua passagem para o Pai. 
São estas tradições ancestrais que podemos revier, este ano, em São Vicente da Beira.
José Teodoro Prata


Ladainhas, 24/02/2013



Fotos de Ana Jerónimo Patrício

domingo, 3 de março de 2013

Neve na serra

Na noite de quarta para quinta-feria, nevou nos altos da Gardunha.
O Dário Inês mandou-nos imagens.




sábado, 2 de março de 2013

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A menina e o poeta

Aos onze anos fui trabalhar para Castelo Branco, estive lá dois anos e depois vim para a Casa Conde, em 1947 ou 48. O feitor era o senhor José Lourenço que vivia na casa com a mulher, o filho e a nora. Mas ele e a mulher iam dormir à casa do convento, na Cerca.
Como eram duas casas grandes e muito trabalho, havia mais duas criadas, uma criada de voltas e a cozinheira. Numa semana eu lavava a roupa, na semana seguinte limpava as casas. Eu gostava muito de cozinhar e a cozinheira deixava-me. Mas, como ainda era pequena e não chegava ao fogão, punha-me em cima de um meio alqueire para lá conseguir pôr as panelas.
Às vezes estava a passar a ferro e o senhor José Lourenço no escritório. Ele queria que o concelho voltasse e andava a escrever uns versos para eu ir cantar à Fonte Velha.
Vinha ter comigo e dizia-me: “Ó Eulália, canta lá agora esta.”

Querido S. Vicente,
Nosso protetor
Para vos ver contente, amor,
Vai novo, vai velho, vai tudo a pedir,
que torne o concelho a vir.

Foi terra muito importante
Lá nos seus tempos de glória.
Ainda tem alguns pregões
Que lhe servem de memória.

Querido S. Vicente,
Nosso protetor
Para vos ver contente, amor,
Vai novo, vai velho, vai tudo a pedir,
Que torne o concelho a vir.

Se nós trabalharmos
Todos de amor e vontade
O concelho virá já, já.
Se não trabalharmos,
De amor e vontade,
O concelho virá mais tarde.

Não sei se havia alguma cerimónia, mas não cheguei a ir lá.
Ele tinha uma caderneta para cada mercearia. Fazia compras em todas, para todos andarem contentes: Chico Tavares, Manuel da Silva, Aurélio e Francisco Matias. Quando uma criada ia às compras, levava a caderneta e o merceeiro apontava tudo. No fim do mês, faziam-se os pagamentos.
Onde agora mora a ti Janja, era o forno deles. A Luz Jerónimo é que trabalhava como forneira, mais o marido, o Albertino Henriques. Todos os dias cozia o forno, menos ao domingo. Quem lá ia deixava a poia: um pão por cada tabuleiro e dois ou três bolos por cada lata. Como coziam várias pessoas ao mesmo tempo, cada uma punha um sinal nos seus pães, para os conhecer. À noite, a forneira pegava no cesto do pão da poia e ia à Casa Conde fazer a divisão, metade para cada um. Como nós não conseguíamos comer o pão todo, nas quartas-feiras de manhã dava-se o pão aos pobres. Cortava-se cada pão em dois ou três pedaços e oferecia-se a quem viesse à porta.
Pelo São Martinho, a malta nova juntava-se em grupo e ia cantar e pedir o vinho novo aos ricos. No ano em que eu lá trabalhei, vieram à Casa Conde. No fim de cantarem, o Sr. José Lourenço veio à porta e respondeu-lhes:

Cantam muito bem e muito lindo
Mas este ano o vinho já está findo

Os rapazes insistiram e, como não lhes davam nada, cantaram o trinta martelos:

Trinca martelos
E torna a trincar
Este barba de farelos
Não tem nada para nos dar

O Sr. José Lourenço e a Dona Palmira foram dormir para a casa do convento, mas os rapazes não largaram a porta. Então a Menina Belinha e o Menino Antoninho regaram-nos com um regador, da varanda, e eles abalaram a fugir, todos molhados.
Nos Santos, as crianças vinham pedir um santorinho. Havia um cesto cheio de nozes e cada um só podia meter uma vez a mão e levar as que conseguisse tirar. Alguns ficavam muito tempo com a mão lá dentro, a esticar os dedos para apanharem mais nozes.
Os diospiros vendiam-se a um tostão cada um. No fim da escola, as crianças vinham comprá-los. Aliás, toda a fruta era para vender, o pessoal da casa só podia comer a fruta caída.
Uma noite, o Sr. José Lourenço estava em casa e viu pela janela os ramos do diospireiro a abanar. Mandou um sobrinho ver o que era, porque a viúva do irmão dele trabalhava lá com os dois filhos. O rapaz voltou e disse que era o irmão dele. “E quem mais, não era só uma pessoa!” O rapaz respondeu a custo: “Mais o Mudo.” O senhor José Lourenço chamou a cunhada e disse-lhe que o filho estava despedido e só ficava se ele lhe pedisse perdão de joelhos. A senhora chorava, pois não tinha para onde ir, mas o filho não queria pedir perdão. Andaram nisto quinze dias, mas nesse tempo havia poucos trabalhos e o rapaz acabou por vergar. Foi uma coisa que me fez muita impressão. Na vereda, com a mãe e o filho a chorarem muito, o rapaz pôs-se de joelhos no chão, em frente ao tio José Lourenço, e pediu-lhe perdão.
Ele era muito rigoroso, mas também era bom homem. Dava trabalho a muita gente, sobretudo aos mais velhos que já não podiam andar ao dia. Devia pagar-lhes um pouco menos, mas para eles era bom.
Eu vim-me embora por causa de uma coisa que se passou com a Dona Palmira. No fim de servirmos as refeições, se a comida que sobrava era para guardar para outra refeição, ela mandava-me guardá-la num certo armário e dizia-nos o que devíamos comer. Um dia, a comida foram lulas e no fim a Dona Palmira não me mandou guardar o resto. Eu trouxe para a cozinha e foi dividido pelas três criadas: uma colher para cada uma. À hora de preparar o jantar, a Dona Palmira destinou a comida para cada um e disse que o senhor José comia o resto das lulas. A cozinheira respondeu-lhe que já as tínhamos comido, porque ela não mas tinha mandado guardar. A Dona Palmira ficou muito exaltada e ralhou comigo aos gritos, porque eu é que as tinha trazido para a cozinha.
Nos dias seguintes, ela ficou na casa do convento e eu mandei dizer à minha mãe que me despedia. A minha mãe veio à Casa Conde e disseram-lhe que eu podia ficar se fosse pedir desculpa à Dona Palmira. A minha mãe disse que eu é que decidia, mas que a colher que eu tinha deixado em casa ainda lá estava, por isso a decisão era minha. E eu não quis ficar, pois não ia pedir desculpa por uma coisa que não era só eu que tinha feito.


José Teodoro Prata
com colaboração de Luzita Candeias

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Fomos à taberna do Raposo





Por volta das 21 horas, a taberna já estava cheia. Os homens, ao balcão, conversavam e bebiam o seu copito; as mulheres, mais recuadas, divertiam-se a cantar. E como cantavam bem! Ou não estivesse no grupo a Zulmira fadista…
Foi precisamente a ela que coube iniciar a apresentação dos testemunhos sobre a Quaresma. Falou da Ladainha.

Coube aos irmãos Zé Manel e João Maria Mosca, através de dois textos carregados de memórias e bom humor, fazer o percurso das muitas tabernas que existiram na nossa terra: a da Viúva, mesmo ao pé da Praça; a do João Cocho, no largo da Fonte Velha; A do Arrebotes, na rua da Igreja; a do Mosca, substituído pelo Marcelino, um pouco mais acima; a do Zé Canhoto, mesmo em frente da igreja e que era a última ou a primeira capelinha visitada antes ou logo a seguir à missa. Claro que não foram esquecidas as do Marcelino e a do Francisco Eurico, no Casal.
Como eram importantes estes locais para a vida da nossa Vila! Para além de outros aspetos, eles definiam bem o extrato social da população assim como o papel da mulher, do homem e da criança na família e na sociedade. As pessoas mais abastadas não as frequentavam e também não ficava bem às mulheres lá entrar. A única exceção era a Maria Quefuma que ia comprar o macito de tabaco e aproveitava para beber o seu copinho… Quanto às crianças, só lá entravam quando, a mando da mãe, tinham que ir chamar o pai se já se fazia tarde para o jantar ou para a ceia. Mas ai deles se o pai já estivesse tocado; era tareia ou descompostura certa!
E as bulhas ao final das tardes de domingo? Começavam dentro da taberna, mas acabavam arrastadas para a rua. Eram uma aflição para as famílias dos envolvidos, mas eram também um espetáculo para as outras pessoas que se juntavam à volta para ver quem levava a melhor. Felizmente que era apenas o vinho a falar mais alto e, no dia seguinte, já não restavam sinais de zanga e as amizades eram facilmente restabelecidas com mais um copito…
E os jogos da malha, do nocho ou do burro que se organizavam à volta das tabernas?
Tanta coisa que fica por dizer…, mas com a chegada da televisão, e mais tarde a electricidade, as tabernas foram dando lugar aos cafés: o da Tomásia, o da Ti Janja, o do Cagarola, o do Ventura, e outros que se lhes seguiram. Enchiam-se todos, principalmente ao domingo, para ver as matinés a comer tremoços ou amendoins, ou a sorver até à última gota os gelados que não eram mais do que um cubo de água misturada com um xarope qualquer, mas sabiam melhor do que os mais cremosos gelados da Olá atuais!

A propósito da cerimónia do Lava-Pés, o Zé Pasteleiro contou-nos uma história que nos fez rir a todos: num ano, faltou um apóstolo e o coveiro do Casal da Serra foi-se oferecer ao Sr. António Maria que o mandou ir lavar os pés. Ele foi ao chafariz e lavou apenas um. Mas na missa mandaram-lhe descalçar o outro. No final, o sacristão, muito zangado, perguntou-lhe se não lhe mandara lavar os pés. O coveiro respondeu: “Então, eu lavei um e agora Sr. Vigário lavou-me o outro!”
Também a propósito da Semana Santa, o Zé Teodoro contou-nos uma história passada com ele. Numa Sexta-feira Santa foi ajudar a irmã Fátima a semear as batatas, pois o Joaquim emigrara para França. Acontece que, segundo ele, daquela sementeira nem uma batata nasceu! Terá sido por ser dia santo? Alguém dos presentes sussurrou que foi falta de jeito do agricultor, mas sabe-se lá…

A seguir, ouviu-se o fado pela voz da Zulmira e a guitarra (ou seria viola) do Fernando Pereira (Padrimúsico). Mesmo sem ensaios, foi um momento bonito e contagiante. Viu-se bem como ambos gostam e percebem do que fazem e tiveram a generosidade de o partilhar connosco.
Por fim, acabámos todos a cantar. Primeiro cantigas do Zeca Afonso, em homenagem pelos 26 anos da sua morte (como o tempo passa depressa, apesar das saudades!). Depois, cantigas da nossa terra. Cantámos a Senhora da Orada, quadras que dantes se começavam a ouvir ainda o dia da romaria vinha longe, mas que infelizmente agora já raramente se cantam.

Foram quase três horas de boa disposição e convívio entre todos os participantes. Foram também o relembrar e reviver de muitas memórias que marcaram a nossa infância e juventude.
Penso que a organização está de parabéns. O Presidente João Prata e principalmente a Cila, a Ana, a Catarina, o Pedro Noco, o Zé Pasteleiro e todos os outros que ajudaram.
De louvar também a disponibilização, por parte da família Hipólito Raposo, do espaço para a realização deste encontro. Trata-se de uma casa da qual guardo muitas memórias, sobretudo do seu jardim e da figura da governanta, a ti Antonha que andava sempre com as chaves da despensa e da adega pregadas à cintura, numa tentativa de evitar a ida das criadas à despensa. Coitada, acho que nem sempre o conseguia…
Uma palavra ainda para os “atores” que ao longo da noite simularam as brigas habituais das tabernas.
Destaco sobretudo o papel do Zé Taleta que entrava e saía com o seu ar gingão, depois de ter emborcado mais um copo. O que é que o avô dele, que elogiou de forma tão generosa o padre há anos por fazer sozinho a Semana Santa, não diria sobre este seu neto que corre que nem uma lebre, dança como poucos, toca os pratos de forma magistral e agora ainda é ator! É uma honra tê-lo como primo!
Pelos comentários que fui ouvindo das pessoas que estavam perto de mim, este evento tocou bastante nas memórias de todos os presentes. A mim, comoveu-me muito!
 E agora só resta a pergunta: para quando o próximo encontro? Ficamos à espera!

M. L. Ferreira





Fotografias de José Teodoro Prata

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A nossa Quaresma na USALBI

Ontem, 21 de fevereiro, um grupo de vicentinos trouxe à aula do Professor Américo André, na Universidade Sénior, algumas das nossas tradições quaresmais.
Foi em Castelo Branco, no Auditório do Biblioteca Municipal. Aqui deixo algumas fotos, enviadas pela Ana Isabel Jerónimo Inês, a quem agradeço.