segunda-feira, 13 de maio de 2013

A água da Senhora da Orada 2

Nos inícios do século (XX), um homem do Casal da Serra, trabalhador da Câmara de Castelo Branco, sentiu uma grande dor nos olhos. Foi para casa e quando ali chegou já via mal. Foi ao médico de São Vicente da Beira, que o mandou para o Fundão, a outro médico. A caminho do Fundão, passou pela Senhora da Orada, onde rezou, à porta da capela, para que a Senhora o curasse. Sempre acompanhado por um familiar, foi à fonte da Senhora da Orada, pôs a cabeça debaixo da bica, com a água a cair sobre a vista, durante um pedaço de tempo. A dor foi abrandando. Ao levantar a cabeça, limpou os olhos e recomeçou a ver e a dor desapareceu. Já não foi ao Fundão e contam o facto como um milagre da Nossa Senhora da Orada.

Informador: José de Matos (Casal da Serra)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina na Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

domingo, 12 de maio de 2013

A água da Senhora da Orada 1

Inicio hoje uma série de publicações que contam histórias de curas alcançadas graças à água da fonte da Senhora da Orada. A recolha foi de Albano Mendes de Matos (Casal da Serra), que a apresentou em 1998, nas Jornadas de Medicina da Beira Interior. No ano seguinte, o seu estudo foi publicado na revista Cadernos de Cultura, n.º 13, novembro de 1999.

Um rapaz de Pera do Moço, em Escalos de Cima, nos finais do século passado [século XIX], não podia comer. Ao querer engolir, engasgava-se e o caldo saía-lhe até pelo nariz. Como a Nossa Senhora da Orada tinha sido muito nomeada por aqueles sítios, a mãe levou-o num burro até à capela da Senhora, onde rezaram. O rapaz banhou-se nas águas correntes da fonte, as "águas vivas", e bebeu água, de vez em quando. Passados uns dias, o rapaz começou a comer de tudo e bem.

Informadora: Etelvina Teodoro (A ti Etelvina do Casal da Fraga)

José Teodoro Prata

sábado, 11 de maio de 2013

Sede da banda

Está quase. Qualquer dia tiram-lhe o vestido.


quarta-feira, 8 de maio de 2013

A cabeça de porco

Há umas semanas contei-vos a minha participação na arranca das semilhas, na Madeira. Hoje deixo-vos a narração da viagem para lá.

Passara um verão abrasador a remendar estradas, à manivela de uma caldeira de alcatrão a ferver. Naquela sexta-feira, dia 29 de setembro de 1979, pedi ao tio Chico Bernardino que me deixasse na Oriana, para despejar a presa do Calmão. Desci da camioneta e tinha a minha irmã Luzita à espera.
“Chegou uma carta da Madeira, tens de te apresentar na segunda-feira.”
Dei um grito do tamanho do mundo e atirei o saco da merenda o mais alto que consegui. Reguei o milho e fui para casa. Disse aos meus pais que tinha de partir no dia seguinte, na carreira da manhã. Tomei banho, ceei, preparei as coisas e ainda fui telefonar à minha namorada e despedir-me dos amigos.
Bem cedo, os meus pais deram-me o dinheiro que tinham e parti. De mala às costas, desci a quelha e depois as ruas da Vila, direito à paragem da camioneta. Em Castelo Branco, abracei a minha namorada, beijei-a e apanhei o comboio. Cheguei a Lisboa e fui ver as minhas irmãs. Depois, no aeroporto, tirei bilhete para o Funchal, com a mesma tranquilidade com que alguns portugueses, no século XVI, apanhavam a nau da carreira da Índia apenas com uma regueifa debaixo do braço, para uma viagem de seis meses.
O avião levantou voo. Vi Lisboa e depois o mar, cada vez mais fundo e escuro. A hospedeira explicava como fazer em caso de acidente e eu aflito, sem conseguir compreender tudo. Valeram-me as versões em inglês e francês, não que eu percebesse o que dizia, mas por umas tirava outras e assim esclareci as dúvidas que me tinham ficado. Ia junto à janela e olhei para fora. O mar era já um buraco negro. Se o avião caísse, ficava tudo desfeito e de nada valiam os coletes e o oxigénio. Como o que não tem remédio remediado está, recostei-me no assento e descansei.
O meu lugar ficava no fundo da fila de bancos, um espaço aberto, apenas com dois bancos, um de frente e outro de costas para a janela. No outro lugar sentava-se uma senhora meio velhota, cheia de sacos de plástico pelo chão. Contou-me que ia ver o filho, mecânico, a viver no Funchal. Eu também lhe disse ao que ia. Ofereci-me para a ajudar com os sacos, pois só tinha um, além da mala no porão. Ela agradeceu, mal podia com eles. No mais pesado levava uma cabeça de porco, para comer com o filho.
À chegada, era noite cerrada e o meu coração inquietou-se. No desconhecido, ainda vá lá, mas de noite… Apanharia um táxi para o Funchal e ele me arranjaria um hotel.
Aterrámos. Peguei nos sacos da senhora que no sítio das malas me apresentou o filho, a quem contou a minha ajuda com a cabeça de porco. Fez questão que ele me desse boleia para o Funchal e o meu coração, tão apertadinho, ficou um pouco maior.
Seguimos por uma estrada estreita e sinuosa. O filho tinha um bigode bem mais farto do que o meu e cabelo negro encaracolado. Era baixo e um pouco entroncado. Quis saber de onde era, eu próximo de Castelo Branco e ele o mesmo de Coimbra. No Funchal, não me largou sem ter onde ficar. Mas os hotéis estavam todos cheios e andámos mais de meia hora às voltas. Com pena dele, já me arrependia de ter aceite a boleia. Finalmente encontrou um hotel com vaga, caro, mas era o que havia.
Chamava-se EL GRECO. Dormi inquieto, acordei bem cedo e saí à procura do lugar de onde partiam as camionetas para a Serra d´Água. Estavam ali bem perto, junto ao mar, mas chamavam-se horários. A partida não tardou. Andei toda a manhã num sobe e desce, espantado com o condutor que parecia bêbado, no falar e nas maneiras, mas conduzia o autocarro com uma perícia que nunca antes vira.
As encostas eram verdes do mar aos cumes. Junto à água cresciam bananeiras, a meio da encosta havia canas-de-açúcar, mais acima as vinhas e no alto matagais. As casas salpicavam a paisagem e por elas parávamos constantemente. Não existiam ruas, apenas veredas de subir e descer ladeadas de vegetação.
Chegámos à Ribeira Brava e parámos quinze minutos: cargas, descargas, copos e partida. Alguns rapazes vieram à porta da taberna gritar ao motorista, voltaram para empinar o último copo e entraram com o horário já em movimento. A meio da Serra d´Água tive ordem de descida. Perguntei se era ali o Lombo do Moleiro, mas o lugar chamava-se Pomar e mandaram-me seguir a estrada até ao fundo do vale.
O sítio era o paraíso. A aldeia situava-se num beco sem saída, com encostas a pique em toda a volta, menos por onde eu entrara. No alto, havia um penhasco enorme, onde constantemente nascia um rio de nevoeiro que se derramava pela encosta e se sumia no manto verde. Passei a tarde a arranjar casa, aflito sem ter onde pernoitar. Aceitei o que me apareceu e, no dia seguinte, 1 de Outubro, segunda-feira, às 8 horas da manhã, estava à frente de trinta e seis crianças pequeninas. Chegara ao meu futuro.
Lombo do Moleiro, na Serra d´Água, Madeira. 
Na época, a povoação ficava num beco, mas hoje passa por lá a estrada que liga a Ribeira Brava a São Vicente (vertente sul e vertente norte), por um túnel que começa onde se veem as últimas casas.
A ribeira foi uma das que provocou as destruições e mortes de há anos. Um dia não parava de chover e ela começou a engrossar. Então as mães dos alunos foram à escola buscar os filhos, com medo que a ribeira transbordasse (a escola situava-se mesmo ao lado). Na altura achei um exagero, só aquando das últimas cheias é que compreendi.

domingo, 5 de maio de 2013

Mãe


Mãe

Há tantos anos,
Mãe!

Por que nunca te cansaste de mim,
Apesar das imensas inquietações que te causei?
Por que me foste sempre tão fiel,
Com todos os desassossegos que te infligi?

Às vezes repreendias-me e gritavas comigo,
Porque eu não sabia usar, convenientemente, a razão.
Crianças!
Obrigado, pelas tuas correções.
Tu só me querias bem,
Mãe!

Sei o quanto me agasalhavas, se estava frio,
E me apertavas contra ti para me aquecer!

Se eu caía e me feria nas pedras da calçada,
Logo te afligias, assustada,
E corrias a buscar a tintura ou o mercurocromo,
Para me curar o axe,
Enquanto eu me debatia, para me libertar de ti!

‘Está quieto’, dizias!

Vês? Era a minha inconsciência,
Contra a qual tu procuravas proteger-me,
Mãe!

Fazias-me as papas de carolo,
Batias-me as gemadas de ovo com açúcar,
E adormecias-me, como só tu sabias, com um pequeno conto.

Olho a tua pele enrugada dos anos passados,
As mãos encarquilhadas e consumidas pelos trabalhos que te dei.
Fizeste tudo por amor!

Por isso eu te amo,
Mãe! 

A. dos Santos

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Dia da Mãe

Para todas as Mães e para todos os filhos, mesmo para aqueles cujas mães já partiram (Carlos Drummond de Andrade, no poema Para Sempre, decreta que “Mãe é eternidade… Mãe não morre nunca…”) deixo dois poemas que, de forma realista, falam deste amor, nem sempre feliz, entre mães e filhos.
O primeiro, de Eugénio de Andrade, tem-me ajudado a lidar com os sentimentos contraditórios que o “ganhar asas” dos meus filhos por vezes me criam na alma. O segundo, de António Salvado, penso que resume bem os sentimentos de muitos de nós quando, já tarde, nos damos conta das coisas erradas que fizemos e, sobretudo, das muitas que ficaram por fazer na relação com as nossas Mães. São estas que tantas vezes nos fazem desejar poder voltar atrás. Ressuscitar, como diz Salvado…
Feliz Dia da Mãe!
M. L. Ferreira

Poema à Mãe
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
          Era uma vez uma princesa
          no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"

É Noite, Mãe
As folhas já começam a cobrir
o bosque, mãe, do teu outono puro...
São tantas as palavras deste amor
que presas os meus lábios retiveram
pra colocar na tua face, mãe!...

Continuamente o bosque se define
em lividez de pântanos agora,
e aviva sempre mais as desprendidas
folhas que tornam minha dor maior.
No chão do sangue que me deste, humilde
e triste, as beijo. Um dia pra contigo
terei sido cruel: a minha boca,
em cada latejar do vento pelos ramos,
procura, seca, o teu perdão imenso...

É noite, mãe: aguardo, olhos fechados,
que uma qualquer manhã me ressuscite!...

António Salvado, in "Difícil Passagem"

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Dia do trabalhador

Metamorfoses
Viriato Soromenho Marques (Diário de Notícias)
Que o 1.º de Maio português continue a oferecer o triste espetáculo de duas centrais sindicais separadas nas suas comemorações é apenas mais uma prova de que o capitalismo continua a ser, com a sua extraordinária capacidade de metamorfose, o grande sujeito da história mundial. O movimento sindical segue no cortejo dos distraídos. Nos últimos trinta anos, a paisagem económica mudou. E, com o atraso habitual, mudaram os ingredientes sociais e a arquitetura política. Muita gente, entre os quais se conta uma multidão inumerável de pequenos e médios empresários, e, certamente, quase todos os dirigentes sindicais europeus, ainda julga que capitalismo e economia de mercado são a mesma coisa. Julgam que a impossibilidade de obterem crédito é uma coisa passageira. Consideram que a atual austeridade é da ordem da conjuntura. Esquecem que o sistema financeiro que não empresta é o mesmo que já custou 4 500 000 000 000 de euros aos contribuintes europeus, não contando com as operações de engenharia do tipo das swap, que acabam sempre no défice público. Os indicadores que nos chegam dos EUA, da Europa e do resto do mundo, incluindo a China, mostram que o capitalismo de hoje deslocou a sua imaginação da esfera da produção de riqueza, onde se revela cada vez mais incompetente e relapso de imaginação, para se concentrar com afã na redistribuição de riqueza disponível, concentrando-a nas mãos de uma superminoria, à custa do empobrecimento das classes médias e da fragilização do trabalho. Os sindicalistas modernos parece que já não leem Marx, mas os super-ricos, esses, continuam a ser praticantes fervorosos da religião da luta de classes.


José Teodoro Prata