sexta-feira, 3 de maio de 2013

Dia da Mãe

Para todas as Mães e para todos os filhos, mesmo para aqueles cujas mães já partiram (Carlos Drummond de Andrade, no poema Para Sempre, decreta que “Mãe é eternidade… Mãe não morre nunca…”) deixo dois poemas que, de forma realista, falam deste amor, nem sempre feliz, entre mães e filhos.
O primeiro, de Eugénio de Andrade, tem-me ajudado a lidar com os sentimentos contraditórios que o “ganhar asas” dos meus filhos por vezes me criam na alma. O segundo, de António Salvado, penso que resume bem os sentimentos de muitos de nós quando, já tarde, nos damos conta das coisas erradas que fizemos e, sobretudo, das muitas que ficaram por fazer na relação com as nossas Mães. São estas que tantas vezes nos fazem desejar poder voltar atrás. Ressuscitar, como diz Salvado…
Feliz Dia da Mãe!
M. L. Ferreira

Poema à Mãe
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
          Era uma vez uma princesa
          no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"

É Noite, Mãe
As folhas já começam a cobrir
o bosque, mãe, do teu outono puro...
São tantas as palavras deste amor
que presas os meus lábios retiveram
pra colocar na tua face, mãe!...

Continuamente o bosque se define
em lividez de pântanos agora,
e aviva sempre mais as desprendidas
folhas que tornam minha dor maior.
No chão do sangue que me deste, humilde
e triste, as beijo. Um dia pra contigo
terei sido cruel: a minha boca,
em cada latejar do vento pelos ramos,
procura, seca, o teu perdão imenso...

É noite, mãe: aguardo, olhos fechados,
que uma qualquer manhã me ressuscite!...

António Salvado, in "Difícil Passagem"

Um comentário:

Anônimo disse...

São de uma grande sensibilidade as palavras que a Libânia nos deixa aqui sobre o tema ‘Mãe’, cujo dia se assinala este domingo, após ter sido celebrado, muitos anos, no dia 8 de Dezembro.
Sem dúvida que o ser humano tem, na sua natureza, uma grande capacidade e disponibilidade para várias formas de amor: maternal, paternal, conjugal, fraternal. Cada uma, evidentemente, com o seu quadro de referências.
Em qualquer dessas formas, porém, o amor é sempre algo não mensurável. Porque é impossível relativizar aquilo que sentimos e consideramos como absoluto. A talho de foice, façamos esta reflexão: por que é que, sendo o amor absoluto, nas suas várias vertentes, pode acontecer, por alguma razão que, em qualquer delas, não perdure para sempre? Porque o relativismo está no Homem!
Ainda assim, haverá ele, no amor entre duas pessoas, maior ligação que entre mãe e filho(a)? Com certeza que não!
A ´Mãe´ tem sido, como se sabe, uma fonte permanente de inspiração de poetas e escritores de todos os tempos!
São exemplo disso os dois que a Libânia escolheu. E não foi preciso ir muito longe. O António Salvado é de Castelo Branco e o Eugénio de Andrade (pseudónimo de José Fontinhas), é da Póvoa da Atalaia, tudo aqui muito perto de nós!
Pessoalmente, prefiro a poesia com rima. Mas não uma rima gratuita, que sacrifique o significado da palavra à sonoridade. Com o devido respeito pela palavra, acho que a musicalidade é uma componente muito importante na poesia.
De todo o modo, os dois poemas aqui transcritos, são lindíssimos!

Zé Barroso