José Teodoro Prata
Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para dosenxidrosgardunha@gmail.com
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
As maleitas da infância
Tu e as tuas irmãs tivestes sarampo ao mesmo tempo.
Metidos na cama, cheios de febre e eu sem saber para onde me virar, a levar-vos
o comer, a tentar baixar a febre aos mais abrasados e a lavar as roupas da cama.
Estáveis todos na cama do quarto escuro, com a porta para a sala, uns deitados
para a cabeça e outros para os pés.
Depois melhorastes, mas as tuas irmãs mais novas
apanharam logo tosse convulsa. Iam morrendo, sempre a tossir, com aqueles uivos
que faziam impressão. Tinha de levar as duas ao hospital, todos os dias, para
apanharem uma injeção de um remédio que era feito da resina.
Um dia vinha pela rua acima, com a mais pequena ao
colo e a outra a chorar atrás de mim. Ela era só a pelinha e o osso, com a cara
inchada e os olhos raiados de sangue, sem forças para andar. Quando passámos,
no Cimo de Vila, em frente à casa do tio Miguel Jerónimo, estava lá a ti Jú à
janela e perguntou-me porque é que a menina ia a chorar. Eu respondi que ela
queria colo. Então a ti Jú desceu as escadas, pegou-lhe ao colo e foi-me
levá-la à Tapada. Subimos pela quelha e, quando chegámos à casa velha, já lá
vinha a ti Stela que não tinha podido ir comigo, mas que me vinha ajudar.
Tirou-me a tua irmã do colo e levou-a o resto do caminho. “Agora a senhora vai
sem nada e nós aqui carregadas”, brincou a ti Jú, que era muito reinadia. Mas eu
pensei só para mim: “Estás enganada, eu já vou a carregar com outra.” Mas
calei-me, porque nesse tempo não se falava da gravidez e tínhamos vergonha,
pois as outras diziam logo que a gente é que tinha culpa de engravidar.
Lembras-te de ir casa do teu avô, na Oriana, a buscar
folhas da figueira dos figos de picos que havia junto à estrada? Cortámos as
folhas ao meio, metemos lá dentro açúcar e depois eu cosi as duas partes, com
agulha e linha. Corria delas um líquido pegajoso que dávamos a beber às tuas
irmãs. E foste aos pinheiros colher os rebentos da medrança. Depois eram
fervidos, para desinfetar a casa. E a mesma coisa com a rama de eucalipto.
Quando elas ficaram boas, a mais velha voltou à
escola, mas chegou a casa e deitou-se na cama, de barriga para baixo, sem
falar. Agarrei nela ao colo e fui a casa do médico. Ele receitou-lhe umas
injeções. Mas eu não tinha forças para andar com ela ao colo, para cima e para
baixo, e por isso pedi ao ti António que ma deixasse ficar na casa dele, para o
Zé Craveiro lá ir a dar-lhe as injeções. Mas arrependi-me, porque o teu tio
chegava a casa para almoçar e, ao vê-la naquele estado, só lhe dava para chorar
e não comia.
Só mais tarde é que tivemos papeira, contei eu. A
Celeste era a nossa enfermeira e um dia levou-nos às castanhas, nos Carqueijais.
Havia um castanheiro lá no alto, perto do caminho, que dava umas castanhas mais
grossas. Cortámos caminho por baixo da figueira pingo de mel e depois seguimos
a corta-mato até ao caminho. Lembro-me de ir nos eucaliptos do Padre Tomás e
sentir as minhas bochechas pesadas a abanar. Mais à frente, no pinhal, ouvimos
barulho de alguém e corremos a esconder-nos, deitados ao comprido, no rego da
regadia das Lameiras. Era o senhor Bernardino com o burro, que vinha da
Barroca. Debaixo do castanheiro achámos poucas castanhas, mas deu uma para cada
um e voltámos contentes para casa.
José Teodoro Prata
José Teodoro Prata
quarta-feira, 31 de julho de 2013
Pequeno Lugar
Povo da Beira, edição 1012, ano XIX, 30 de Julho de 2013
Pequeno Lugar era apenas o título de um poema de António Salvado, albicastrense de renome internacional, mas António Fernandes Andrade, amigo e admirador do poeta, tornou-o um amplo projeto com várias vertentes: ecológica, de preservação do património construído e do património imaterial, artístico e de divulgação da obra de António Salvado.
A sede é uma casa de xisto que António Fernandes Andrade reconstruiu e onde tem vindo a implementar o seu projeto. Abrirá portas ainda este ano.
José Teodoro Prata
terça-feira, 30 de julho de 2013
Gafanhotos na Orada
Voltei hoje à Senhora da Orada e vi que, felizmente, da praga de gafanhotos que por lá andava há pouco mais de uma semana, já restam muito poucos. Não sei se é milagre da Senhora, se houve alguma intervenção química ou se é resultado do ciclo de vida normal daquela espécie. Seja como for, é uma boa notícia para todos os que queiram ir até lá nesta altura, seja para beberem aquela água bem fresquinha ou, na quarta feira, comerem os restos da festa.
M. F. Ferreira
sábado, 27 de julho de 2013
A festa da inauguração
O descerrar da placa inaugural
A benção
Os discursos
Os primeiros mergulhos
A jantarada, na Praça
Dário Inês, Inês Teodoro e Luzita Candeias
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Inauguração da piscina
É já amanhã, dia 26 de julho, sexta-feira, pelas 18 horas.
Vamos estar todos presentes!
Foto do Dário Inês
José Teodoro Prata
quarta-feira, 24 de julho de 2013
A magia da cidade
Desci à
cidade, por uns dias. Eu e o meu primo, com as nossas mães, ficámos numa casa a
meio da Rua de Santa Maria, de uma família do Casal da Serra, conhecida das
nossas mães. Vínhamos ao exame da 4.ª classe, ali bem perto, na Escola do
Castelo. Primeiro foi a prova escrita. Não correu mal, embora eu desconfiasse
muito da minha escrita, farto que estava de apanhar reguadas por causa dos
erros.
Depois houve
um ou dois dias de espera e passámos parte do tempo dentro de casa, entre o
sofá e a janela rente à rua, como animais enjaulados, senhores que éramos das
barreiras da Gardunha.
Numa das
noites foi diferente. Havia as Festas da Cidade e fomos passear. Era de noite e
parecia de dia, toda a cidade iluminada como que por magia. Passei por baixo da
ponte por cima da rua, que eu desenhara na escola, para um concurso. Era tal e
qual como no postal, talvez com menos vasos de flores que tanto trabalho me
tinham dado a desenhar. Percorremos o Parque da Cidade, no meio de um
formigueiro de pessoas felizes. Havia aparelhagem como nas nossas Festas de
Verão. Também vinha música de uma varanda um pouco abaixo do castelo, toda
iluminada e cheia de gente. Parecia que andava num mundo irreal, aliás já
desaparecera quando por lá passei, passados uns dias, de regresso a casa.
Voltei à
Escola do Castelo e a prova oral não correu nada bem. Troquei uns rios,
enervei-me e já nem sabia o que dizia. No final, a Dona Natália afiançava a
passagem de todos, menos a minha. Ela e a minha mãe estavam preocupadas e eu à
rasca, de cabeça baixa, a riscar o chão térreo do pátio da escola com a ponta
do sapato ainda com o brilho de novo. Ia voltar com uma raposa para casa e
passar vergonha! Mas correu bem e todos ficámos contentes.
A meio do
verão fui uma semana ao Seminário do Tortosendo, pois dera o meu nome quando o
Padre Lúcio foi à minha escola e nos falou dos missionários que ensinavam a
doutrina aos pretinhos de África. A minha mãe escreveu para a França e o meu
pai disse que sim, porque o irmão João também lá trazia os filhos.
Éramos mais
de cem, vários de São Vicente, e passámos o tempo a fazer testes com perguntas difíceis
e outras fáceis, como aquela da cor do cavalo branco do Napoleão. E havia uma
piscina, num buraco fundo, lugar de prazeres e medos, habituado como estava às
presas do ribeiro das Lajes, onde nadava apoiado nas mãos e nas pernas que
batiam na lama do fundo.
Regressámos
às nossas casas e semanas depois recebi uma carta a dizer que fora aceite e me
preparasse. Por isso tive de voltar a Castelo Branco. Não foi dessa vez que vim
com o meu pai e fomos matar o bicho, com um branquinho, ele um copo grande e eu
um copo pequeno, na taberna da Quinta Nova, ali por detrás da Sé, onde parava a
camioneta. O meu pai, bom conhecedor da cidade, por ser de lá e ter feito a
tropa em Cavalaria, no quartel da Devesa, conhecia o dono e garantia que tinha
uma pinga boa. Mas isso foi mais tarde, daquela vez veio a minha mãe comigo.
Tirei uma fotografia
num fotógrafo perto da Devesa e depois fui fazer o bilhete de identidade. A
senhora mediu-me e ficou impressionada: um metro e setenta e cinco! Acho que
ela colocou a régua inclinada para cima, a meu favor, porque era baixinha e mal
me chegava à cabeça. O certo é que essa medida vale até hoje.
A carreira só
partia às quatro horas e por isso fomos almoçar num sítio ali perto. Chamava-se
Pensão Central e ficámos sentados numa mesa ao pé da janela. O que comi, não me
lembro, mas bebi a coisa mais saborosa que devia existir no mundo. A garrafa
era esverdeada e a bebida doce fazia bolhinhas no copo e cócegas na boca e na
garganta. Sítio maravilhoso a cidade!
Nota: Esta pequena história está publicada, na Agenda Cultural do Cine-Teatro (Câmara de Castelo Branco), no número de verão, o atual. Outras duas crónicas deste blogue foram publicadas na Agenda da Gardunha 2013, da organização Solstício, com sede na Soalheira. São elas "O lobo branco" e "A fuga".
José Teodoro Prata
José Teodoro Prata
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