domingo, 29 de dezembro de 2013

Fogueira de Natal

A meteorologia ameaçara temporal, mas a chuva não foi suficiente para ensopar os madeiros ressequidos pelo Estio.
Depois, pouco antes da Missa do Galo, o São Pedro até deu uma aberta para desassustar as pessoas e acender a fogueira.
Em volta dela, a magia do costume. 






Fotos do José Barroso e da Sara Varanda

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

ReNASCER


VERBO


Natal, é nascer, é ressurgir de novo,

Como um dia que amanhece,

É irromper da essência,

Assim como o Deus Menino.

 

Tal como num ovo,

Acontecimento grandioso!

A vida avança e cresce,

Mistério para a ciência!

E tudo o que é pequenino,

Como num ato miraculoso,

Se faz robusto, engrandece.

 

Mas, não, não vou falar do Natal,

Tão bonito!

Da tua e da minha aldeia,

Nem da fogueira,

Onde o madeiro arde em noite gelada

E nua.

 

Nem do aconchego da lareira,

E da ceia em família, na consoada,

Em que se visitam os pais e os avós,

Enquanto o ar frio da rua,

Condensa a água nos vidros da janela,

E se fazem as filhós,

Polvilhando-se com açúcar e canela.

 

Porque, sobre o Natal,

Já todos escrevemos redações,

E fizemos desenhos e poemas singelos,

Nas folhas dos cadernos,

Que trazíamos na sacola,

Quando meninos, puros corações,

E colámos nas paredes da nossa escola.

 

Tampem-me a boca e os olhos!

Não quero falar do pai natal,

Nem ver a imensa claridade,

Das luzes que, aos milhares, como folhos,

Rendilham, à noite, as ruas da cidade.

 

Não quero escrever nada sobre o Natal,

Nem sobre as prendas,

Os segredos e as intenções,

Nem sobre a simplicidade e a fantasia,

Nem acerca das emoções,

Da nossa infância.

 

Não vou falar dos pastores,

Dormindo, à noite, à geada,

Nem da maresia,

Nem do céu, nem das estrelas,

Nem da fragrância,

Das plantas nessa madrugada.

 

E as ovelhinhas também não vou vê-las,

No presépio,

Porque este é, afinal, muitos Natais!

Sempre com as suas figuras, 

Secundárias e principais,

E com os reis magos,

Vindos das lonjuras,

Dos caminhos do oriente.

 

Embora, como essas figurinhas nos tocam,

Como a gente sente!

 

Mas desta vez, não!

Não vou ver,

Não vou falar, nem vou escrever,

Quero apenas ouvir.

 

Ouvir, em silêncio, perscrutar, a voz,

Do VERBO,

Porque ELE encarnou,

E está, agora, entre nós.


João Gabriel Saraiva

sábado, 21 de dezembro de 2013

NATAL

Quando sobre nós pesa
um dia a dia negro de cuidados,
é difícil, Senhor, acreditarmos
em confianças, esperanças e promessas.

Mais saudável será cantarmos hinos
ao Teu regresso após ano de ausência
e sorver-te o sorriso de menino
tão cálido a fremir ingenuamente.

Porém, perdoarás: em tempo escuro,
o nosso coração treme gelado
e o que vê é o Teu corpo em cruz
a uma cruz (feita por nós) pregado.

António Salvado
(poeta albicastrense)

sábado, 14 de dezembro de 2013

A rapariga da bicicleta

Chegara o outono, o tempo estava a mudar. O nosso encarregado repetia constantemente: “Está fresque!” Era de Alcains.
Não sei que acasos da vida juntaram, na mesma brigada da JAE, o Zé Barroso, o João Maria e eu próprio, três jovens à volta dos 20 anos. Terminara a temporada de verão, que eu passara a remendar estradas e a limpar valetas, e depois mandaram-nos, aos três, vindos de grupos de trabalho diferentes, para Alcains. Isto em 1976.
A missão era trabalhosa. No centro de Alcains, mesmo em frente ao posto da GNR, metade da rua estava alcatroada, mas a faixa encostada ao posto era de terra batida. Enfiaram-nos uma picareta nas unhas e mandaram-nos abrir uma caixa com cerca de um palmo de fundura. Trabalho duro, só aliviado quando carregávamos o Dumper com a terra arrancada a golpes de picareta.
As pessoas passavam indiferentes. Nem as miúdas mais giras, à entrada e saída das fábricas Lusitânia e Dielmar, se deixavam impressionar connosco, em pose de estátua, à sua passagem, de picaretas no ar. Eram uns corações empedernidos!
Depois da caixa aberta, o trabalho aliviou. Íamos a carregar o Dumper com brita que um canteiro partia, sozinho, no meio do campo. O corpo aliviava nas viagens para lá e para cá, pois o carregar da brita também era complicado. Imaginem espetar uma forquilha num monte de pedras pequenas! Aquilo faz-se, mas com o jeito que se vai ganhando.
Numa semana, o homem da brita não partira o suficiente e por isso fomos limpar as valetas na estrada para os lados do caminho de ferro. A monotonia do costume, o aliviar das costas quando passava um carro que valesse a pena ser visto.
Mas bom mesmo era uma rapariga que passava de bicicleta, todos os dias, a meio da tarde, numa pedalada vagarosa de passeio. Ia e depois voltava e nós a sonhar, não tanto com ela, mas com os mundos que ela nos abria: o esvoaçar despreocupado, sem obrigações, nem limites.

José Teodoro Prata

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

De bicicleta II

A história “De bicicleta” publicada em Agosto, pelo José Teodoro, emocionou-me tanto que, na altura, fiquei sem palavras. Recordou-me um intervalo entre duas aulas (andávamos na telescola) em que a Santita, triste e em jeito de confidência, me chamou para um canto do balcão da escola. Abriu a mala (as malas da Santita, vindas de Lisboa, causavam inveja a todas as raparigas da terra!) e tirou lá de dentro um lenço e, de dentro do lenço, desembrulhou uma pedrinha com manchas de sangue. Disse-me que a tinha apanhado no sítio onde o pai caíra, quando regressava do trabalho para passar o domingo. Olhei para aquela pedrinha como se fosse a relíquia de um mártir. Para a Santita era muito mais do que isso, certamente.
Mas lembrei-me também das histórias que o meu pai contava do tempo em que andava nas minas da Panasqueira e fazia as viagens de bicicleta. Uma vez quase que morreu também, duma queda. Outra vez foi um colega de trabalho que, numa curva mal feita, caiu e partiu várias costelas. Ficou alguns meses sem poder trabalhar.
E isto era para os que tinham bicicleta… Os que não tinham, vinham de camioneta até ao Castelejo e depois, Gardunha acima, pela Portela, a pé até casa. Isto, depois de um dia de trabalho no interior da mina, a maior parte das vezes durante a noite, com frio e ensopados até aos ossos por causa da chuva. A viagem de regresso era outra odisseia… Se tinham medo? Ai não que não tinham! Principalmente se, por causa dos turnos, tinham que fazer a viagem sozinhos. Até as castanhas a cair dos ouriços os assustavam, mas de que lhes valia? Não tinham alternativas…
Todas estas recordações deram-me vontade de voltar às Minas da Panasqueira. Tinha por lá passado há alguns anos e guardava uma imagem muito desoladora daquele local. Também tinha ouvido falar no Museu do Mineiro, aberto há pouco tempo; um pretexto acrescido para uma visita.
Fui lá há umas semanas. Em Silvares segui em frente e almocei na Barroca: chanfana com ervas; tigelada à sobremesa. Do melhor! Segui depois por Dornelas, subi a serra (uma vista de morrer!) e, já na descida, a visão surpreendente da Aldeia de S. Francisco de Assis. Senti um baque no coração!
Já na Barroca Grande, aos pés daquela montanha enorme feita do interior da montanha, revi a vida dura do meu pai e a de tantos outros homens da nossa terra. O que eles passaram para poderem dar de comer aos filhos!
Senti que naquela montanha está um bocadinho de cada um desses homens.
Lembrei-me também daqueles que lá ficaram dentro ou morreram lentamente com o mal da mina, como ouvia chamar-lhe. 
 E a emoção e comoção foram tão grandes que não consegui conter as lágrimas.
O Museu estava fechado (acho que é mais um sinal da desertificação do interior de Portugal, de que tanto se tem falado ultimamente). Ao princípio fiquei um pouco desiludida, mas depois pensei que foi Deus a escrever direito por linhas tortas. É um bom pretexto para lá voltar um dia destes…

M. L. Ferreira

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A menina vendedora de leite

(Continuação de “A menina e o poeta”, publicada a 28 de fevereiro de 2013) 

Na quinta grande do senhor José Lourenço, havia muitos animais, entre eles havia vacas leiteiras que eram ordenhadas todos os dias e o leite era vendido a quem precisasse.
Havia dias em que a Menina ia vender o leite de porta-a-porta.
A bilha grande cheia de leite numa mão e na outra as medidas, o litro, o meio litro e o meio quartilho.
Dizia o senhor José Lourenço:
- Ó Eulália, tu vais pela rua a vender o leite e cantas:

Venha à janela
Tia Maria José,
E compre do meu leite,
Que é bom pró café.

Mas a Menina envergonhava-se de cantar na rua e batia porta-a-porta.
Assim que vendia todo o leite, regressava rapidamente a casa, de bilha vazia e o dinheiro da venda no bolso do avental.
Na casa grande da quinta muitas outras tarefas a aguardavam e não podia perder tempo.

Luzita Candeias

2013/09/14



Muro exterior do cabanão da quinta da Casa Conde
José Teodoro Prata

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

PELA’S RUA’S

PELA’S RUA’S

Sigo pelas ruas calcetadas da Vila e passo por ti linda Praça Vicentina.
Estás vestida de Outono e despida de gente sem tempo para estar em ti.
Esperam os teus bancos por um afago quentinho e meia de conversa neste fim de tarde.
Mas, impera um ar frio da serra e um silêncio gélido do granito que há em ti.
Guardas recordações de vidas da história que por ti passou.
Memórias e saudades de outros tempos que não voltam atrás.
Sinto frio.
Registo-te do outro lado do cais e sigo a rua.
Imponentes casas degradadas pelo tempo.
Quantas “rugas” em suas paredes?
Quantos sonhos ocultos em suas janelas?
Quantas vidas por aqui passaram?
Quantas almas aqui rezaram?
Faça-se luz no seu candeeiro quando a noite cai junto à torre da igreja.
Toca o sino a cada hora, as Avé-Marias pela manhã e ao entardecer de cada dia.
Marca o relógio as horas, cinco já quase são.
Já se vai o sol no horizonte e leva a minha sombra.
Sigo a rua e regresso a casa.
Voltarei outro dia para caminhar por vós, para vos ver, sentir, ouvir,…
A Ti…, a Ti…, a Ti…,
Praça, Rua, Torre da Igreja Matriz.


Luzita Candeias
14-21/11/2013