terça-feira, 3 de março de 2015

Póvoa de Rio de Moinhos

No ano passado, foi editado o livro abaixo apresentado. Colaborei nele, a par de mais de vinte investigadores, muitos sem qualquer ligação à Póvoa de Rio de Moinhos. Aliás, em termos historiográficos, este projeto foi particularmente interessante: a coordenadora, Dr.ª Benedita Duque Vieira, reuniu uma vasta equipa e desafiou cada um a escrever sobre a Póvoa, segundo a sua área de interesse.
Por mim, com ligações familiares à Póvoa, pois o meu bisavô António Prata era dali natural, aproveitei materiais não utilizados no livro "O Concelho de São Vicente da Beira..." e procurei explicar a ligação histórica entre a Póvoa e São Vicente (exceto da época medieval, abordada por outros).
O resultado foi uma obra coletiva de mais de 500 páginas, já esgotada, pois a edição foi de apenas 250 exemplares. Segue-se uma parte de um dos textos que nela incluí.



A Igreja da Póvoa

A Igreja da Póvoa nasceu da divisão da paróquia medieval de S. Vicente da Beira, cuja área coincidia inicialmente com a do concelho. Desconhecemos a data em que foi criada, mas sabemos seguramente ter sido no reinado de D. João II (1481-1495) ou ainda antes.
Em 1709, o vigário de S. Vicente registou, por escrito, os usos e costumes da Igreja Matriz de S. Vicente da Beira (IAN/TT, Registos Paroquiais, S. Vicente da Beira, Óbitos, livro 1, fólios 4-9v). Escreveu que, segundo uns autos de visita realizada à igreja de S. Vicente, em 1539, «Na Póvoa de Rio de Moinhos, havia um capelão posto alternativamente pelo comendador e prior, com obrigação de dizer missa aos domingos e festas e administrar os sacramentos.» O mesmo documento informa que essa situação já vinha do tempo de D. João II.
O comendador referido era o da comenda de Ordem de Avis, existente no concelho de S. Vicente da Beira desde 1300 e com vastas propriedades na Póvoa. O prior era o do mosteiro de S. Jorge de Coimbra. Os frutos devidos à Igreja eram armazenados numa tulha e divididos em três partes: uma para o bispo da Guarda, outra para o comendador de Avis e a terceira para o prior de S. Jorge. Com estes bens, o comendador e o prior pagavam o cura da Póvoa e as despesas da Igreja. Mais tarde, extinguiu-se o priorado de S. Jorge e dos seus bens fez-se uma nova comenda, a da Ordem de Cristo, com a incumbência de satisfazer as obrigações anteriormente confiadas ao prior.
Em 1758, nas “Memórias Paroquiais” (IAN/TT, Memórias Paroquiais, Póvoa de Rio de Moinhos, volume 30, fólios 1875-1878), o cura Manuel Rodrigues Malha informou que «O pároco é cura anual apresentado um ano pelo comendador e outro ano pelo vigário de São Vicente da Beira. Tem de porção trinta e sete alqueires e meio de centeio e quatro de trigo, quatro almudes de vinho, sete mil e quinhentos réis em dinheiro e a cera necessária para todo o ano.» O comendador era o de Avis e o vigário de S. Vicente, escolhido pela Ordem de Cristo, desempenhava a função de nomear o cura, em representação desta ordem.
Em 1808, o terceiro das comendas, na vila da Póvoa, era António José da Cruz. Recebia as contribuições devidas pela população à Igreja, ficando com a terça parte do produto da cobrança, para pagamento do seu trabalho, e entregando o restante aos comendadores de Avis e de Cristo. Os produtos eram depositados numa tulha e no seu trabalho usava o meio alqueire, a quarta e o celamim, o que permite concluir que as contribuições religiosas eram pagas sobretudo em cereais.
Embora a Póvoa de Rio de Moinhos se tivesse começado a autonomizar, em termos administrativos, do primitivo concelho de São Vicente da Beira, logo nos inícios da nacionalidade, a nível religioso a unidade manteve-se através do vigariato (assim denominado por ser coordenado pelo vigário), uma circunscrição religiosa atualmente equivalente ao arciprestado.
(…)
José Teodoro Prata

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Ti Rita e Tio Augusto



Uma vez, já lá vão muitos anos, o tio-avô da nossa Margarida, José Augusto Alves, filho da Ti Rita (Rita Macedo) e do Tio Augusto  (Augusto Alves), estava a tocar o seu harmónio na taberna do Ambrósio, que era uma das muitas tabernas da nossa terra e estava situada na Rua do Convento. O Tio Zé, que também era poeta, adorava aquele instrumento e sabia tocar muito bem.
O Ambrósio, que estava a encher copos do lado de dentro do balcão, reparou que, na rua, meio escondido, se encontrava o Tio Augusto a espreitar o filho. Por velhacaria começou a desafiar o Zé:
- Vá agora com manha!
O Zé começava a tocar mais devagar e mais apurado.
- Vá agora sem manha!                          
E o Zé tocava mais rápido.
O Tio Augusto, que tinha herdado dos seus avós o apelido “Manha”, não gostou da brincadeira. Subiu a rua, entrou em casa, procurou um  foição e regressou à taberna. Chegou-se ao filho e diz:
- Nem com manha nem sem manha!
E, sem dó nem piedade, cortou o harmónio ao meio, para grande desgosto do filho.
Esta história (verdadeira), não era para ser incluída neste texto, mas hoje apareceu no Posto Médico o filho do Zé, o Domingos da Conceição Alves, e estivemos a conversar um bocado, tendo eu já em vista este artigo, e foi ele que me confirmou com detalhes esta história que eu já conhecia.
A Ti Rita e o Tio Augusto eram um casal muito sui generis. Há tanta coisa a dizer sobre eles que até tenho dificuldade em começar. Tinham uma propriedade nos Aldeões que pegava com a nossa só que a deles era muito maior. No entanto a nossa também é grande, tão grande que eu fecho os olhos e tudo o que vejo é meu! É tão grande que um trator andou dois dias para a lavrar! (esteve avariado quarenta e seis horas!) Desculpem lá, não era bem isto…
O Tio Augusto era muito surdo; hoje soube que era meio surdo. Um dia em que ele andava no leirão fundeiro junto à estrada e tinha a burra (grávida) presa como de costume à macieira, passa o Sr. Coronel Barreiros a caminho do Casal do Grilo que é logo ali.
O Sr.  Coronel, que adorava conversar,  perguntou ao Tio Augusto se já tinha arrancado as batatas. Resposta do Tio Augusto, mas referindo-se à burra:
- Anda barronda, anda, Sr. Coronel!!!
Nós costumávamos atravessar este leirão fundeiro para  ter melhor acesso a pé à nossa horta. Isto era feito a conselho do Tio Augusto, porque o nosso acesso era mais longe.
Um dia, quando estava a passar pelo Tio Augusto, neste leirão,  desequilibrei-me e caí um enorme trambolhão.  Quando tentava levantar-me, diz-me de lá o Tio Augusto, em tom sarcástico:
- Então, estavas a malhar a quarta?
Cabe explicar, por causa dos mais novos, que ”malhar a quarta” ou ”bater a quarta” era o que se dizia quando os burros, e não só, se espojavam, se rebolavam na terra,  quiçá para se livrarem de parasitas.
Como vizinhos que éramos, as nossas propriedades eram muito diferentes. A deles tinha água todo o ano; a nossa tinha um pocito que mal dava para ogar meia dúzia de couves. Era aqui que eu queria (finalmente) chegar: Nunca ao meu avô ou ao meu pai faltou a água para regar ou para beber oferecida pelo Tio Augusto e a Ti Rita. Gente de coração grande e generoso, além da água eram as cerejas, as maçãs, as ameixas; repartiam sempre tudo o que a terra e o seu trabalho davam.

Guardei para o fim a Tia Rita. Mulher de porte médio, vestida de cores claras, não largava o seu avental e o seu lenço verde com florinhas atado no cimo da cabeça. Quando falo dela ou penso nela, vem-me imediatamente à memória a arrecadação da casa do Cimo de Vila, a abarrotar de maçãs e malápios com o seu cheiro maravilhoso, onde ela me levava pela mão,  a fim de eu me ensarroar à vontade.
Nesse tempo, não havia eletricidade quanto mais televisão, mas parece que havia mais alegria.
Onde estava a Ti Rita, não havia tristeza. Pelo Carnaval, pelo São João, pelas Festas de Verão, quando as mulheres queriam folia, iam ter com a Ti Rita e lá vinha ela com o seu inseparável adufe a dar a volta à vila, com toda a gente atrás.
O Tio Augusto não era muito destas coisas e então, quando acontecia ser necessário requisitar a Ti Rita  para algum divertimento noturno e as mulheres lhe iam bater à porta, ela vinha de lá e dizia -lhes:
- Tende paciência, cachopas.  Eu vou num instante fazer um chá de ervas dormideiras ao meu Augusto e depois vou a correr ter convosco!
Daí a pouco, lá aparecia ela com o adufe e começava a festa. Ali não havia maldade.
Gente simples, gente boa.
Muito raro.

E.H.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Pepe e Maria



Há dias, à guisa de desafio, pus no facebook uma canção do Paco Bandeira com o título “ Pepe Garcia Moreno “. Por baixo fiz o seguinte comentário: Não fora a violência doméstica  e tínhamos aqui um grande homem.
Esta canção, quase toda falada, conta em castelhano a vida dos ciganos e em particular a de Pepe e Maria. Sempre adorei esta canção e a ideia era ver quem gostava e quem comentava a canção e o autor.
Ninguém se manifestou!
Começaram então a surgir na minha mente várias perguntas:
Será por não compreenderem castelhano e não perceberem?
Será por não gostarem deste género de música?
Será por não gostarem do autor?
Será por não gostarem do autor pelos atos de violência doméstica que ele praticou?
Será que a obra não é boa?
Será que eu estou ultrapassado?
Será que se eu tivesse posto  uma canção pimba do  Tony Carreira responderiam à carreira?
Será que estou bom da cabeça em meter-me nestas empreitadas? Esta foi a última e talvez a mais lógica das perguntas que me acudiram.
No caso do Paco Bandeira, não se poderá dizer “morre o homem fica a fama”, porque a fama foi apagada pelos maus atos que ele praticou. E a obra? Não sendo um clássico, muito longe disso, faz parte do nosso ideário e grande parte da sua obra é de intervenção com grande relevo no pós vinte e cinco de Abril.
Amigos, sempre adorei os comentários dos meus ilustrados colegas do blogue “Dos Enxidros”.
Seria giro que vocês, depois de ouvirem (duas vezes) a canção que o Zé Teodoro muito generosamente vai colar a este texto (porque eu não tenho jeito), dissessem da vossa justiça sobre a canção, o autor, a violência doméstica e a fama.

E.H.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Tradições de Carnaval

O Carnaval de antigamente na Partida

Alguns anos atrás, o Carnaval da Partida era muito divertido!
Eu fiz muitas perguntas à minha avó e ela contou-me muitas coisas engraçadas!
Contou-me que, antigamente, os rapazes andavam quinze dias antes do Carnaval, a roubar os vasos das flores às mulheres. Estes vasos eram metidos, na noite de Carnaval, nas escadas da capela de São Sebastião. Também iam aos palheiros de algumas pessoas, tirar a palha com que faziam os entrudos. Os entrudos eram uns bonecos, que enchiam de palha e depois vestiam com roupas de pessoas. Logo a seguir dependuravam-nos no cimo de um pau comprido.
Uma tradição muito gira que a minha avó contou, era que, os rapazes durante o ano todo, escreviam num caderno as coisas engraçadas que aconteciam. Na noite de Carnaval iam para o telhado da capela gritá-las, com um funil, para se ouvir e toda a aldeia. No final acabavam sempre da mesma forma:    
- É verdade ou não é, camaradas?
E os outros rapazes respondiam:
- É verdade, é verdade, mais do que verdade!                                                             
Esta tradição chamava-se "chorar o entrudo".
Durante a noite, os rapazes faziam asneiras, tais como: metiam farinha nas motas, trancavam as portas das casas com arames…
Os mais pequenos vestiam-se com roupas engraçadas e iam de casa em casa, para lhes darem uma moeda ou uma guloseima.
Durante a manhã de Carnaval, as mulheres lá iam buscar os seus vasos e olhavam para o entrudo. À tarde, os rapazes levavam o entrudo numa carroça pelas ruas, e todos gritavam:
- Ai, amigo entrudo, que já morreste! 
A seguir, faziam uma fogueira e queimavam-no. E as pessoas da Partida fingiam que choravam.
Filipa Nunes António  

Caqueiradas...

O texto do Ernesto já tinha sido publicado (Caqueiras), mas é sempre bom recordar.
Em conversa com algumas pessoas do Lar da Misericórdia sobre o Carnaval de outros tempos, a maior parte lembra-se bem do jogo da caqueira e da “brincadeira” de atirar com coisas para dentro das casas dos vizinhos e desatar a fugir.
Mas lembram-se também de como gostavam de enfarruscar e enfarinhar os mais desprevenidos ou assustar a cachopada com grandes dentes de cebola e uma chiba nas costas.
Alguns falam ainda dos bailes e das rodas onde, coisa rara, podiam misturar-se e dar a mão, cachopas e cachopos.
Mesmo os que não eram muito de Entrudos dizem que iam ao Desagravo e depois espreitavam só um poucochinho os tocadores de concertina ou harmónica que andavam pelas ruas seguidos pelo povo.
Há ainda quem fale da barrigada de cozido de espigos com batatas, toucinho, chouriça, farinheira e morcela, para tirar a barriga de misérias antes do jejum, ainda mais severo, da Quaresma.
Outros tempos!                                                         

...e folias

Deixo-vos uma lista de partidas e brincadeiras de carnaval de que os mais velhos ainda se lembram:

 - Mascarava-me, dançava e andava atrás das cachopas a deitar-lhes papelinhos ou farinha;
 - Vestia-me de homem, fazia uma chiba nas costas e enfarruscava a cara para meter medo aos cachopitos;
 - Enchia uma lata com laranjas e deitava-a para dentro da taberna, e depois fugia;
 -Vestia-me de entrudo e fazíamos comédias. Também gostava de contradanças e rodas com rapazes e raparigas;
 - Gostava de jogar à caqueira;
 - Na minha terra, juntavam-se dois ou tês tocadores de concertina e andávamos pelas ruas a cantar e a dançar;
 - No Sobral, lembro-me que arranjavam uma padiola com tábuas, metiam lá em cima um homem com dentes de cebola a tocar harmónica, e conforme tocava mostrava os dentes. Toda a gente se ria, mas os cachopitos fugiam com medo;
 - A minha mãe não nos deixava brincar ao carnaval, mas nós vínhamos à Vila ao Desagravo e sempre espreitávamos os entrudos;
 - Na minha casa cozíamos uma panela de espigos com batatas, chouriça, morcela e farinheira. Às vezes até fazia uma panela de arroz doce.
 - Vinha gente de todo o lado e era uma alegria!  

M. L. Ferreira