quinta-feira, 11 de maio de 2017

Fátima

A Senhora

Certo dia num lugar isolado
Três inocentes criancinhas
Apascentavam ovelhinhas
Uma olhou para o lado

Olhem para além
Diz a pastorinha
Mais velhinha,
Vamos ver também

Em cima de uma azinheira pousou
Uma Senhora muito brilhante
Com voz doce, sorridente
A aparição falou

Sou a mãe de Jesus
Fala com delicadeza
A sua beleza
É uma torrente de luz

 Docemente a sorrir
A Senhora da claridade
Cheia de bondade
Diz aos pastorinhos vou subir

Quero-vos ver aqui novamente
No próximo mês a esta hora
Adeus, vou-me embora
Com as mãos postas subiu lentamente

Ave Maria mãe de Deus
Rezam ajoelhados
Enquanto olhavam extasiados
A Senhora que subia aos céus

Zé da Villa 

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Mordomias

Éramos amigos desde que me lembro. Não que tivéssemos andado os dois a brincar na Praça, que naquele tempo começávamos a trabalhar logo assim que aprendíamos a andar e a rua eram só para alguns, mas porque às vezes nos encontrávamos por lá, quando íamos com as cabras ou ao mato e fazíamos companhia um ao outro.
Depois ele foi para a escola e já não nos víamos tanto, mas continuámos a dar-nos bem. Depois fui eu que abalei para Castelo Branco, a trabalhar para as obras, e já só nos encontrávamos de raro em raro.
Quando chegou a altura da tropa, eu fiquei por cá e a ele mandaram-no para Angola, e foi aí que perdemos o rasto um do outro.
Um dia estava eu sentado ali na Sé, em Castelo Branco, a fazer horas para a camioneta, e vejo parar um vulto à minha frente, mas nem fiz caso.
            - Então tu já não me conheces, homem?
            - Olha quem é ele! Dá cá um abraço, homem! Estava bem longe de te ver aqui hoje!
            - Há quantos anos é que a gente já não se via!
- Já lá vão uma tormenta deles! E olha que se tu não me falasses já nem te conhecia! Eras assim um lingrinhas como eu e agora estás tão gordo! E todo engravatado, que até pareces um doutor…
            - Mas olha que eu a ti conheci-te bem! Estás na mesma… Olha lá, tu já comeste?
            - Eu não; como quando chegar à terra.
            - Anda mas é daí que hoje comes comigo, que ainda é cedo para a camioneta.
E fomos a uma casa de pasto que havia ali ao pé. Mal nos sentámos, puseram-nos logo à frente uma grande travessa de frango com batatas fritas, um pão inteiro e um jarro cheio de vinho. Quando acabámos de comer, fiquei à espera que trouxessem a conta e até com medo que não tivesse dinheiro que chegasse, mas nada. Ele levantou-se, pegou-me por um braço e saímos porta fora, que já se estava a fazer tarde para a camioneta.
            -Então, não pagamos o comer?
            - Deixa estar, que já está pago.
            Se ele o dizia...
            - E quando cá voltares, procura por mim na Devesa, que eu ando muito por lá, e bebemos umas cervejas. Agora também tenho que ir apanhar a camioneta, que tenho que apresentar serviço.
            - Não me digas que és cobrador…
            - Ná; cobrador não sou, mas ando de cá para lá a ver em que é que param as modas, que andam por aí uns meninos a modos que a mijar fora do testo…
            Ainda nos encontrámos mais umas poucas de vezes. Ou comíamos o frango com batatas fritas ou bebíamos umas cervejas, que eu nem gostava muito daquilo, mas mal a gente entrava num lado qualquer metiam-nos logo uma rodada à frente. E quando ia para pagar, era sempre o mesmo:
 - Mas que vida é a nossa? Come-se e bebe-se e não se paga? Nunca tal se viu.
            - Então, eles querem assim… Não te rales.
          - Ná! Assim não nos entendemos. Lá que tu não pagues, vá que não vá, que se calhar até és amigo deles, agora eu não os conheço de lado nenhum.
Um dia íamos a entrar num café muito fino que lá havia, que até tinha uma porta que andava à roda e tudo. A ele deixaram-no entrar, mas a mim houve logo um que me deitou a mão:
            - Aonde é que você vai? Não sabe que não pode entrar aqui sem gravata!
            Ele olhou para trás e só disse estas palavras:
            - Quem é que disse que não pode? Ele vem comigo e entra onde eu entrar!
E entrei. E serviram-nos como se fossemos uns doutores. Mas doutra vez entrámos num café onde estavam uns poucos à conversa. Assim que nos viram, ó pernas para que vos quero! Só o ouvi murmurar:
            - Ide-vos embora, ide, que eu logo vos cozo…
Até fiquei parvo. Se os homens não tinham feito mal nenhum, porque é que ele estava com aquelas coisas?
Depois eu casei-me e fui para a França, e nunca mais nos vimos. Um dia, passados uns anos, ouvi dizer que tinha morrido, não se sabe bem como. Aí lembrei-me daquelas patuscadas à borla e de ter pensado cá para comigo que tantas mordomias ainda haviam de acabar mal. Antes me tivesse enganado, que ninguém gosta de ver acabar mal um amigo.

M. L. Ferreira 

domingo, 7 de maio de 2017

Ditos de mãe

Ouvi esta canção na rádio há algumas semanas e já a não recordava.
A letra é de um poeta galego do século XIX.


José Teodoro Prata

Mãe

Pequeno Poema

Quando eu nasci, 
ficou tudo como estava. 

Nem homens cortaram veias, 
nem o Sol escureceu, 
nem houve estrelas a mais... 
Somente, 
esquecida das dores, 
a minha Mãe sorriu e agradeceu. 

Quando eu nasci, 
não houve nada de novo 
senão eu. 

As nuvens não se espantaram, 
não enlouqueceu ninguém... 

Pra que o dia fosse enorme, 
bastava 
toda a ternura que olhava 
nos olhos de minha Mãe... 

Sebastião da Gama, in 'Antologia Poética' 

José Teodoro Prata

sábado, 6 de maio de 2017

Histórias de vida

É raro encontrar-me com alguns dos meus amigos. A vida foi-nos espalhando pelo mundo e só de ralo em ralo nos encontramos.
Tenho um grande amigo a viver na zona da Cova da Beira, mas não o informei das apresentações do livro Dos enxidros aos casais...
Não teve conhecimento da apresentação em São Vicente, mas a de Castelo Branco foi noticiada no Jornal do Fundão e por isso recebi um ralhete, via telefone, logo que ele leu a notícia.
Desenrasquei-me como pude, com a promessa de lhe levar um livro na minha ida já programada à Covilhã.
Quando nos encontrámos, entreguei-lhe o livro e expliquei-lhe o projeto. 
Ele exclamou: Era isto mesmo que eu queria que a minha mãe fizesse.
Semanas depois, informou-me, feliz, que estava (e ainda está) a escrever a história da vida dos seus pais, com base no que a mãe lhe contava (e conta). Já vão em perto de 100 páginas. 
Mas o importante não é o livro como produto final. Ele é apenas o meio para tornar mais felizes os dias de uma senhora de perto de 100 anos, ao relembrar e sentir valorizadas as suas vivências de tantas décadas. 
Por sua vez, o meu amigo redescobre na sua família um mundo de caraterísticas e afetos que afinal não conhecia assim tão bem, ao mesmo tempo que se revela em si, letrinha a letrinha, o escriba que desconhecia.
Se não tivéssemos já tantas razões nobres para justificar a nossa obra, esta chegava e sobrava.

Ilustração do livro realizada pelos alunos do 2.º Ciclo de Alcains e São Vicente da Beira.
A imagem ilustra a história "A pedra da sobreposta", de José Manuel dos Santos.
A pedra da sobreposta situa-se na vertente sul da serra da Gardunha, na freguesia da Soalheira, e será o maior bloco granítico do país.

José Teodoro Prata

terça-feira, 2 de maio de 2017

Viva a República!

Naqueles dias…
Depois da fracassada revolução republicana do Porto de 1891, um grupo de estudantes da universidade de Coimbra, alguns anos mais tarde, organiza uma sociedade secreta. Tinham como objetivo o derrube da monarquia.
Estávamos no fatídico ano de 1895 (extinção do concelho de São Vicente da Beira).
O ultimato inglês gerou uma onda de descontentamento nacional, nascia assim uma férrea vontade de destruir o regime monárquico
Os “conspiradores” reuniam-se em Lisboa nos subterrâneos de uma casa.
Peripécias atrás de … nasceu a Carbonária Lusitana chefiada pelo jornalista José Nunes. Outras apareceram como a Carbonária dos Anarquistas…
À medida que o tempo passava, os frutos maceravam lentamente, a chama da implantação republicana não esmorecia e assim, no dia 1 de Fevereiro do ano 1908, o rei Dom Carlos e sua família atravessavam num landau o Terreiro do Paço, vindos do paço ducal de Vila Viçosa, e aconteceu o regicídio.
Na história da monarquia portuguesa nunca tal tinha acontecido. O monarca é assassinado e o seu filho primogénito Dom Luís Filipe morre também. Dom Manuel escapa, assim como sua mãe rainha Dona Amélia,
Dom Manuel II, sem grande experiência governativa, ainda aguentou o leme dois anos até que, no dia 5 de Outubro de 1910, se dá a queda da realeza em Portugal. O rei é desterrado, é implantada a república
Como relataram dois jornalistas espanhóis, Augusto Vivero e Antonio de la Villa, que acompanharam os revoltosos: “la revoluciôn más hermosa que registra la Historia”.
Industria, comércio, agricultura, nada… Um povo de analfabetos; pobres, muitos; nobres, bastantes. Só muda a primeira letra. Estradas, poucas e abandonadas, os bufos eram aos montões…
Ao contrário de Abril, onde o povo anónimo saiu à rua em massa, no 5 de Outubro, os  entrincheirados na Rotunda não eram muitos, mesmo poucos havia algo que os norteava, a fé em dias melhores.
João Franco era o ministro todo-poderoso do monarca Dom Carlos, o povo detestava o rei. Os aditamentos à casa real… Hoje são licenciaturas atribuídas sabe Deus como.
João Franco, com o parlamento fechado, publica um decreto (30 Agosto 1907) que liquida as dívidas do rei e aumenta-lhe a sua lista civil. Dom Carlos, que um dia chamou piolheira à sua nação, não teve pejo em assinar essa medida, talvez tenha sido a causa principal da sua morte. (Pesquisa: História Contemporânea de Portugal. Amigos do Livro, editores)
Adiante. A república triunfou, o rico lavrador de Alpiarça José Relvas proclama do alto da varanda da câmara municipal lisboeta o triunfo dos republicanos comandados por Machado dos Santos. Dom Manuel II e sua família embarcam na Ericeira rumo ao exílio.
O povo, com rei ou sem rei, amocha carregadinho de impostos. Os talassas, vira casacas, adesivos, passaram para o lado dos vencedores. Ontem como hoje…

Deixemos a História e vamos ao tema que me fez escrever tudo isto.
Naquele tempo, o pobre povo viu acender-se uma luzinha ao fundo do túnel, os conservadores não desarmavam, no mundo rural os caciques seguidores do miguelismo imperavam.
 Nas revoluções há os que ganham e os que não ganham, os simpatizantes e os não simpatizantes da nova ordem.
Silvares era uma aldeia pacata encravada nas faldas da Estrela, terra pobre, atravessada pelo Zêzere, nas suas margens havia bons nateiros onde se criavam milheirais e outros mimos, muitos trabalhavam nas minas, o povo crente enchia a igreja para assistir aos ofícios divinos, o pároco nesse tempo chamava-se José Lopes da Assunção, natural de São Vicente da Beira.
Homem possante, corajoso, alto e forte, amiudadamente frequentava uma taberna onde cavaqueava e bebia um copo ou dois de vinho. Num canto sentado num banco corrido encontrava-se um aldeão simpatizante da causa republicana.
A revolução estava fresca, padre Lopes, monárquico, não comungava os ideais liberais republicanos. Certo dia, entrou na baiuca, aproximou-se do balcão e entabulou conversa com o dono do estabelecimento.
Com um grão na asa, o aldeão grita bem alto:
- “Viva a República”. Padre Lopes voltou-se para ele, fuzilando-o com os olhos e nada mais fez.
No dia seguinte, a história repetiu-se, engoliu em seco e saiu.
Passaram alguns dias; o padre entra novamente na taberna, sentado no banco corrido, o mesmo personagem:
 - “Viva a República”.
O senhor prior aproxima-se, segura-o pelas golas do casaco, levanta-o no ar ergueu-o batendo-lhe com a cabeça “três vezes” nos caibros enegrecidos pelo tempo. Quando o largou, de frente para ele, disse:
            - Diz lá outa vez “Viva a República”.
O aldeão levantou-se meio cambaleante e saiu. Nunca mais o desafiou.
O padre Lopes viveu os últimos anos na vila, a sua casa situa-se na Rua da Cruz. Faleceu no dia 14 de Março do ano 1964, com 79 anos.
O povo de Silvares deslocou-se em peso a São Vicente da Beira, para assistir ao seu funeral, durante alguns anos vinham em romagem visitar sua campa.

Os que bebem para falar, por vezes apanham para se calarem.


J.M.S

O tesouro do Mourelo

Há novos comentários n´O Tesouro da Partida.
José Teodoro Prata